Jornal Correio Braziliense

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Amigos destacam a dedicação à família e a competência de José Guilherme Villela

A discrição e a sisudez de José Guilherme Villela escondiam a paixão do advogado por viagens, gastronomia e, principalmente, pelo futebol. O torcedor do clube Atlético Mineiro não costumava variar muito seus hábitos diários: começava o dia com uma caminhada(1) e, à tarde, seguia para o escritório, onde ficava até o fim da noite. A dedicação quase integral do advogado era para o trabalho. Amigos de José Guilherme destacam seu talento e sua carreira brilhante ; iniciada em Belo Horizonte no início da década de 1960.

José Guilherme e Maria Carvalho Mendes Villela casaram-se ainda jovens e tiveram dois filhos, Adriana e Augusto. Tinham ainda duas netas: Carolina, 22 anos, e Sofia, 6. O companheirismo do casal chamava a atenção de vizinhos e amigos. Eles estavam sempre juntos, em casa ou no trabalho. Também advogada, Maria era sócia de José Guilherme no escritório Villela Advogados Associados. Augusto também advogava para o grupo.

A firma fica na Quadra 1 do Setor Comercial Sul. A empresa ocupa todo o 14; andar do Edifício Denasa. O advogado chegava ao trabalho entre as 13h e as 14h e ficava até as 21h. Ele costumava ser o último a deixar o escritório. De acordo com um funcionário do edifício, ele não era de muita conversa e se limitava a acenar para os empregados quando chegava.

Pelo menos uma vez por semana, ele almoçava em um restaurante que fica no térreo do prédio do escritório. Frequentemente a esposa o acompanhava na refeição. Eles chegavam por volta das 14h30 e Villela dava preferência para pratos com peixes. Quando não comia no local, ele encomendava a refeição por telefone e a recebia no escritório. O ma;tre do estabelecimento, Valtêncio Barbosa, 41 anos, conta que o casal tinha uma mesa cativa, vazia no fim da manhã de ontem. ;Eles eram bem reservados. Cumprimentavam a gente, mas não tinha conversa. Os dois eram bem calados, conversaram mais entre eles;, diz.

Para o motorista Paulo Humberto Espíndola, 65, que trabalhou para a família de Villela por 19 anos, o ex-ministro era ;tranquilo;. ;Eles quase não saíam de casa. Iam direto do trabalho para o apartamento;, lembra o motorista, que se diz muito grato ao ex-ministro. ;Ele me ajudou bastante. Quando trabalhava no Tribunal de Contas, me ofereceu um posto de motorista para dirigir de manhã para o seu escritório. Assim, eu complementava a renda;, lembra. Humberto não se recorda de nenhum hobby do ex-patrão. ;Ele gostava mesmo era de advogar.;

A seriedade e dedicação à advocacia são as principais características destacadas por antigos colegas. O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Sepúlveda Pertence conhecia Villela havia 60 anos, desde os tempos de escola. ;Depois de formados, viemos para Brasília e montamos nosso escritório, atuando desde a porta do ;xadrez; até o Supremo. Ele era, sem dúvida, um dos melhores advogados da minha geração;, afirma.

Sepúlveda Pertence diz que o amigo ficou conhecido apenas pela defesa de Collor, mas lembra que a carreira de Villela foi muito mais ampla do que esse episódio, incluindo a representação de Paulo Maluf em causas na Justiça Eleitoral . ;Ele era avesso a qualquer espécie de publicidade e, assim, ficou conhecido apenas por esse caso (defesa de Collor). Ver esse acontecimento horrível (o assassinato) me fez voltar ao tempo de colégio e faculdade, quando estivemos juntos também na política estudantil;, afirma.

Mineiro de Manhuaçu, Villela tinha 73 anos recém completados. Ele chegou a Brasília no início da década de 60, pouco depois de se formar(2). Amigos do ex-ministro contam que ele tinha o temperamento forte, que defendia com contundência suas posições, especialmente as sustentações de suas causas como advogado. Justamente por isso, pessoas próximas descartam a hipótese de que ele tenha sido rendido antes de entrar no prédio sem reagir. ;Quem o conhece sabe que ele seria incapaz de, mesmo acuado, levar alguém até sua casa sem tentar uma reação enérgica;, acredita um amigo, conselheiro do Tribunal de Contas do Distrito Federal.

Amiga próxima da família, a joalheira Joy Barbosa lembra do grande afeto que o casal tinha pela neta Carol. ;Eles a tratavam como uma filha, deram muito amor e carinho;, relata. Uma das grandes alegrias de Villela foi ver a neta mais velha seguir seus passos e se formar em direito. A jovem já estava trabalhando no escritório do avô. A joalheira conta que conheceu o advogado quando chegou a Brasília, em 1963. Eles trabalhavam juntos no STF e o coleguismo se transformou em uma grande amizade. A última vez que Joy visitou o apartamento do casal foi quando eles fizeram uma festa de São João, no fim de julho. ;Zé Guilherme era considerado um dos melhores advogados do Brasil. Era uma pessoa brilhante;, destaca.

O advogado e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Velloso foi colega de Villela no TSE e elogia a conduta do antigo companheiro de trabalho. ;Ele sempre trabalhou com cordialidade e ética. Nós o chamávamos de ;príncipe dos advogados;, por conta de seu modo elegante de agir;, revela. ;O direito brasileiro, a Justiça e a advocacia perderam um grande militante e um notável cidadão;, acrescenta.

O advogado mineiro Orlando Vaz foi amigo de Villela pelos últimos 50 anos. Eles advogaram juntos várias vezes nesse período. ;José Guilherme possuía um gigante saber jurídico e redação impecável. Dominava a língua portuguesa com esmero;, destaca. ;Ele vivia em função da família e era estudioso de grande responsabilidade. (A morte dele) foi um ato insano;, comenta. José Guilherme Villela era extremamente bem-visto no meio jurídico. ;Ele foi, sem dúvida, um exemplo, uma das cabeças jurídicas mais completas. Não posso imaginar alguém que não goste dele;, resume o advogado e ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral Fernando Neves.


1- Companheiros
O casal Villela não abria mão das caminhadas pelas quadras vizinhas à SQS 113. José Guilherme usava um boné e tinha sempre a companhia de Maria. Frequentemente, os dois passavam na padaria da quadra após o exercício, antes de voltar para casa.

2- Carreira
Villela trabalhou como procurador jurídico do Tribunal de Contas do DF por 26 anos, até se aposentar. Depois, foi aprovado em um concurso público para uma vaga de auditor na mesma Corte. Também atuou durante seis anos como juiz do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e foi ainda professor da Universidade de Brasília (UnB).

Colaboraram Elisa Tecles, Gizella Rodrigues, Lilian Tahan, Luísa Medeiros, Juliana Boechat e Rodolfo Borges