Oração ao tempo, Caetano Veloso
E foi pra casa dela que ele se mudou quando decidiu morar na Paraíba. Em Campina Grande, depois do ginásio e do científico, Luiz ainda sonhava em ser arquiteto. Arquiteto? Em Campina Grande também não tinha faculdade. Aí, ele teve que mudar de ideia. Decidiu que seria engenheiro. Mas a concorrência era muito grande. Luiz ouviu o conselho de um amigo: ;Faz outro curso da área de exatas, tu passa e lá dentro muda pra engenharia;.
Esperto que era, Luiz, então, se inscreveu em meteorologia, na Universidade Federal da Paraíba. Foi aprovado com boa pontuação. E começou a estudar, de olho na mudança para engenharia. Deu-se um ano pra sacramentar a ideia. ;Com poucos meses de faculdade, me apaixonei pelo curso. Me entusiasmei com aquela ciência que tratava ao mesmo tempo de matemática, física e química;, conta.
E lá se foram cinco anos e meio. Aprendeu ali que o tempo é muito mais do medição atmosférica. Era a própria vida. Nunca mais o rapaz de Jardim de Piranhas pensou em arquitetura. Esqueceu a engenharia para sempre. Formou-se. Pensou no pai e na mãe, no dia em que recebeu o canudo de bacharel em meteorologia. E agora, o que fazer? Onde arrumaria trabalho? ;Apareceu um estágio remunerado de quatro meses, de um salário mínimo, em Brasília. Não pensei duas vezes.;
Em 1983, Luiz desembarcou no Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet)(1). Ficou hospedado em um hotel de trânsito, dentro do próprio local onde faria o estágio. Aqui, logo se encantou pelo verde de Brasília. Virou um dos estagiários que ajudavam a prever o tempo da capital da República.
Termina o contrato de quatro meses. Voltar pra Campina Grande? Mais uma vez, contou com a sorte. Por meio de uma tabela especial do Ministério ; o país ainda vivia o regime militar ;, Luiz foi efetivado no instituto. Virou o rapaz que sabia se ia chover ou não, fazer frio ou calor, se a seca arrebentaria ou não. Só que agora com carteira assinada. ;Comecei a fazer isso ao vivo para a tevê. Em pouco tempo, era o chefe da divisão técnica do centro de análise e previsão do tempo do Inmet;.
Botafoguense sofredor
O menino de Jardim de Piranhas que aprendeu a ler e interpretar o tempo casou-se na terra de JK. Nasceram os dois primeiros filhos. Separou-se. Casou-se pela segunda vez. Mais um filho. Separou-se. Está no terceiro casamento, desta vez sem filhos. E se derrete ao falar dos meninos: ;A mais velha passou pra jornalismo aqui, na UnB, e em Santa Catarina. Preferiu estudar fora. Ela sempre foi muito aplicada e inteligente. Os mais novos estão no segundo grau;.
E como ele sofre, o homem potiguar. ;Desde menino, minha paixão foi o Botafogo. Ele já me deu muitas alegrias. Hoje, só sofro...; Em Campina Grande, onde virou adolescente, aprendeu a torcer pelo Campinense Grande, o time da juventude. ;Tá na lanterna da Série B do estado;. Melhor parar por aqui...
Voltemos, pois, ao tempo. O miúdo Luiz se agiganta ao falar do assunto que lhe palpita a vida. ;Quando eu era menino, o tempo era apenas o meu bem-estar. Assim que acordava, olhava logo pra janela. Sabia se ia dar ou não pra tomar banho no rio. Hoje, todo dia, quando acordo, continuo olhando da minha janela. É como se voltasse à minha infância...;
Hoje, porém, o menino não toma mais banho no rio. Para executar as atividades do tempo, além do trabalho da equipe de nove previsores, ele conta com supercomputadores, capazes de cálculos inimagináveis e análises sofisticadas de radares e satélites para montar os mapas do instituto. Viajou cinco vezes à Europa para fazer cursos na sua área.
E revela, sem medo de errar: ;Nossos índices de acertos para Brasília estão entre 90% a 95%. Podemos fazer uma excelente análise com até cinco dias de antecedência. É muito bom para uma semana. Em meteorologia não existe adivinhação. Os dados são científicos;. Cheio de orgulho, conta: ;Recebemos o ISO 9000 (certificado de qualidade), com índices superior a 80% de acertos;.
Sobre as críticas que o instituto eventualmente recebe, ele manda um recado: ;A gente não faz o tempo. Prevemos. Só atingiremos 100% de acertos quando a gente virar Deus;. Mas admite, também, que, há 20 anos, quando estava começando, os equipamentos eram obsoletos. ;Os dados de que dispúnhamos eram reais, mas a interpretação deles dependia muito da subjetividade do previsor.;
Em todo o canto
Luiz é mais conhecido em Brasília do que nota de R$ 2 e do que seu Fiat Tempra branco 1995, carro que o leva e traz há 14 anos. ;Aonde eu vou, a primeira pergunta que me fazem é se vai chover ou não. É o garçom no restaurante, na loja de parafuso, na padaria, na frutaria da 315 Sul, onde moro. Ouço e respondo com a mesma satisfação da primeira vez.; E explica por que, perguntando: ;Você é capaz de citar uma atividade humana que não precisa de informação do tempo?;. Ligeirinho, ele mesmo responde: ;É claro que não. O tempo se faz presente na agricultura, nos transportes de todos os tipos, na pecuária, na produção agrícola e na vida pessoal de cada um de nós;.
Mas a pergunta que ouve na rua é a que mais faz tocar o telefone do instituto. ;Em casamento, é a primeira coisa que fazem. Em festas de criança, as mães chegam a perguntar se vai chover naquele dia no quintal da casa delas porque ali é o local do pula-pula. Tem gente que liga pra saber se pode pegar o avião sem susto. As pessoas perguntam tudo. É o tempo interferindo na vida delas;, observa, tinindo de contente.
Nos momentos de lazer, Luiz gosta de comer bem. E não dispensa um bom sarapatel na Feira do Núcleo Bandeirante ou uma carne de sol em algum restaurante nordestino de Brasília. Quando quer descansar, foge com a família para Olhos D;água, onde tem uma casinha. É lá que ouve o seu Gonzagão, o rei do baião, como gosta. ;Tenho todos os discos dele, mas também escuto música clássica e uma boa MPB. Só não consigo escutar funk;, entrega.
Daqui a sete anos, Luiz se aposentará. Em quase 27 anos, nunca tirou licença-prêmio. Guarda-a para somar com o tempo final de serviço. Mas já planeja: ;Vou comprar um jipe e sair pelo interior do Brasil, fotografando. Quero fotografar natureza e pessoas. Conhecer gente. Depois do tempo, fotografia é o que mais gosto de fazer;.
A primeira previsão meteorológica de que se tem notícia foi publicada no jornal A Gazeta de Notícias, no Rio de Janeiro, em 10 de junho de 1917. Foi o marco. Era o grande acontecimento da época. O trabalho foi realizado com uma pequena rede meteorológica e uso de telégrafo. Hoje, 92 anos depois, muita coisa mudou. Existem supercomputadores, satélites e radares de última geração. Leitura precisa, beirando a perfeição. ;Todos os dias, intuitivamente, assim que acordo, olho pra janela;, assume Luiz, o homem que fez do tempo um aliado.
A propósito: hoje, depois de uma semana chuvosa e fria (atípica para todos os agostos secos no cerrado) que só começou a clarear no fim de semana, o tempo estará parcialmente nublado com períodos de nublado, segundo previsões do Inmet. Ligeirinho, Luiz o olhará logo cedo da sua janela.
1 - Cem anos
Órgão vinculado ao Ministério da Agricultura. Desde 1909, monitora o tempo e o clima no Brasil. O instituto elabora e divulga, mensalmente, previsões climáticas sazonais, em consenso com o Cptec/Inpe e outras instituições brasileiras do setor. Diariamente, emite em seu portal avisos meteorológicos que subsidiam a Defesa Civil. Em novembro, completará um século de serviços prestados ao país. Em Brasília, o Inmet começou a funcionar em 1961.