Jornal Correio Braziliense

Cidades

Vencedoras de concurso de redação propõem que escolas trabalhem contra violência e preconceito

Elas aprendem o português e a matemática onde não há pichação no muro, mesmo porque esse muro não existe. Os colégios estão escondidos em meio ao mato e o único barulho, além da euforia das crianças, é o cântico dos passarinhos. Distantes da violência explícita que assola a maioria das escolas públicas do país, as estudantes Ana Clara Rodrigues Ayres, 10 anos e Aldenice Alves Bispo, 13 anos, conseguem enxergar um modelo de escola ideal, sem brigas, discriminação e preconceito. As duas são vencedoras do concurso de desenho Segurança com Cidadania nas Escolas, promovido pela 1; Conferência Nacional de Segurança Pública (Conseg)(1).

Ana Clara é aluna da 4; série da Escola Classe Jardim Botânico e Aldenice cursa a 7; série na escola Cerâmicas Reunidas Dom Bosco, em Planaltina-DF. Os trabalhos delas competiram com outras 117 ilustrações em todo o país nas modalidades de 1; a 4; série e de 5; a 9;. Do total, 67,52 % foram da Região Centro-Oeste, 14,52% do Sul, 11,115 do Sudeste, 5,12% do Nordeste e 0,85% do Norte. As duas ganharão do Ministério da Educação (MEC) um kit desenho, com lápis de cor, tinta aquarela e giz de cera, entre outros instrumentos. Por causa do desenho, as escolas também serão premiadas com um laboratório de informática com oito computadores, um servidor multimídia, nove estabilizadores, uma impressora e um roteador wireless. A premiação acontecerá hoje, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães.

Antes de se inscrever no concurso, Ana Clara participou de uma seleção na própria escola, na qual 108 alunos da 1; à 4; série colocaram seus desenhos para votação em um mural. A figura dela foi a que mais chamou atenção. A imagem mostra duas crianças de mãos dadas caminhando felizes na porta da escola. Uma outra empurra a cadeira de rodas de uma coleguinha que não tem os movimentos das pernas e ao lado, próximo a uma árvore, dois estudantes de raças diferentes conversam de modo descontraído. Ao fundo, um colégio todo pintado de azul e um gramado verdinho na frente. ;Achei interessante porque ela ilustrou a solidariedade que deveria ocorrer nas escolas;, destacou a professora da Escola Classe Jardim Botânico Daniele Leite de Souza. Antes de criar o desenho, Ana Clara ainda fez uma redação sobre violência nas escolas (veja trechos no quadro), o que ajudou na hora de imaginar o desenho.

Segundo a assessora de Escolas e Juventude do Conseg, Amanda Ayres, o objetivo do concurso foi promover o debate da violência nas escolas. ;A ideia era que os alunos realmente refletissem sobre o tema. Eles entenderam que existem outras formas de violência, como o racismo e a discriminação, e não apenas a violência explícita, propriamente dita;, explicou.

Consciência
No caso de Ana Clara, o desenho mostrou um grupo de alunos vivendo em harmonia. Ela atribui a premiação às conversas que tem com os pais. ;Eles sempre comentam comigo o que acontece na outras escolas;, disse a menina, que é filha professores.;A gente ficou bastante feliz com essa conquista, porque ela conseguiu transmitir, com muita verdade, que violência existe de todos os tipos, no modo de falar com os outros e de tratar o colega, por exemplo;, avaliou a mãe dela, Ana Valéria Bonfim Ayres da Fonseca, 38 anos.

Na ilustração premiada de Aldenice Alves Bispo, as palavras violência, discriminação, raiva e tristeza caíram direto na lata do lixo. Dois desenhos diferentes, feitos por duas meninas com idades diferentes e uma vontade em comum: de que não existisse discriminação, preconceito, brigas e nenhum tipo de violência nas escolas públicas, onde a insegurança rouba a cena e tira o sono de professores e alunos. Aldenice e Ana Clara se consideram privilegiadas por nunca terem visto um revólver ou qualquer tipo de droga na mochila de um coleguinha.

A escola Cerâmicas Reunidas Dom Bosco, onde Aldenice estuda desde pequena, fica a 53km de Planaltina/DF, próximo a Formosa (GO). A menina, que sempre gostou de desenhar, é destaque no colégio, mas, de condição social modesta, nunca imaginou que pudesse ganhar um concurso nacional. De chinelo, blusa e saia bege, a menina de corpo magro e sorriso largo mora com a mãe, os três irmãos e um primo em uma pequena casa toda rebocada. Os lápis de cor e os livros são a única distração dela. ;Ninguém imaginava que eu fosse capaz;, disse Aldenice.

Amanhã, o colégio vai ganhar oito computadores ; mérito do desenho da menina ;, mas na escola não há telefone e nem acesso à internet. Ou seja, os estudantes só teriam como aprender a usar os programas instalados na máquina, mas não poderiam ainda fazer pesquisas. Segundo a assessora do Conseg, Amanda Ayres, nada impede que haja um diálogo posteriormente à premiação para que os alunos sejam contemplados com a instalação de uma rede sem fio (wireless).

Aldenice também tem o sonho de ganhar um computador. ;Fica bem melhor para a gente estudar e ser alguém no futuro;, destacou. Para a professora de artes Leane Macedo, esse prêmio é mais do que merecido, em razão do esforço e talento da aluna. ;Ela conseguiu vencer um concurso nacional de desenho e um computador com acesso à internet a ajudaria muito em relação aos estudos, uma vez que aqui é muito afastado da cidade;, destacou. Mesmo sem ter muito, Aldenice se considera vitoriosa. A felicidade estampada em seu rosto não se deve apenas pelo fato de ter vencido um concurso. Ela está feliz por saber que tem em mãos um grande tesouro: o de poder estudar com tranquilidade.

1 - 1; Conseg
Na conferência, serão discutidos temas como cidadania, participação popular, prevenção e repressão ao crime, entre outros. O intuito é elaborar uma nova Política Nacional de Segurança Pública para os problemas, que contará com a participação da sociedade civil e do poder público.

; Trechos da redação de Ana Clara

;Quando imagino uma escola sem violência, uma das primeiras coisas que vem à minha cabeça é: uma escola onde as pessoas se respeitem, onde não haja discriminação por cor, deficiências, por situação econômica entre outras coisas. (;) Se as pessoas se respeitassem, tenho certeza que a escola seria um lugar muito melhor do que já é. E não haveria crianças que não querem ir para a escola porque sofrem preconceito, ou porque não se sentem bem naquele ambiente. (;)

;A escola não pode estar só preocupada em ensinar apenas os conteúdos, pois as crianças são o futuro do país. Se na escola não conseguimos criar um ambiente sem violência, como será no futuro? Precisamos refletir sobre isso para um futuro melhor no país. É por isso que quando imagino uma escola sem violência, imagino um lugar em que as pessoas possam conviver em harmonia se respeitando e respeitando os outros para que então possamos aprender cada vez mais. Para mim essa é uma escola sem violência."