Jornal Correio Braziliense

Cidades

Falta de servidores impede que portadores de deficiência tirem CNHs

A dificuldade de deficientes físicos em conduzir um carro adaptado não se resume a estacionar em vagas especiais tomadas por motoristas imprudentes que desrespeitam a lei. Os empecilhos surgem antes, quando eles iniciam o processo para tirar carteira de habilitação ou comprar um veículo com facilidades para ser conduzido. Faltam médicos no Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF) para emitir laudos técnicos que comprovem a deficiência ou invalidez dos interessados em assumir o volante. Parte das avaliações está suspensa desde maio deste ano porque a única neurologista do Núcleo Médico está em licença-maternidade. Assim, pelo menos 240 pessoas ficaram sem atendimento nos últimos três meses. E não há previsão para as consultas serem normalizadas.

O Correio apurou que o Detran possui hoje oito médicos, mas apenas três prestaram concurso e são do quadro efetivo do órgão ; um ortopedista, um cardiologista e um otorrino. Os outros cincos são prestadores de serviço e recebem por consulta realizada. São mais dois ortopedistas, um oftalmologista, uma neurologista e um psiquiatra, que é cedido pela Polícia Militar. O problema é que cada paciente precisa ser consultado por uma junta médica que deve reunir, no mínimo, três profissionais de especialidades diferentes, e não há variedade delas no atual quadro.

Todos os meses, o Detran atende cerca de 150 pessoas com algum tipo de deficiência, invalidez ou doença crônica que têm direito a comprar um carro adaptado com isenção de impostos. Os médicos avaliam o paciente, indicam quais adaptações no veículo devem ser feitas e emitem um laudo permitindo que ele peça os benefícios à Receita Federal e à Secretaria de Fazenda do DF. Das 150 pessoas que procuram o órgão mensalmente, 80 precisam ser analisadas pela neurologista. Normalmente, são realizadas duas juntas semanais, em que são examinados 20 pacientes.

A previsão era de que a médica em licença-maternidade voltasse a trabalhar em setembro, mas a aposentada Lucília Zampiron, 60 anos, esteve no Detran na última semana e soube que não há previsão para os atendimentos serem normalizados. Desde maio, nenhuma consulta que exige a presença dela é marcada e o mesmo deve ocorrer até o fim do mês ; prejudicando 320 pessoas no total. ;É um absurdo não terem colocado outra médica no lugar dela. Há dois anos estou correndo atrás dessa perícia;, contou a aposentada, que tenta marcar um retorno com a neurologista, com quem conseguiu se consultar uma única vez.

Lucília levou uma queda em 2007, fraturou duas vértebras e teve a invalidez diagnosticada por médicos particulares. Além do laudo para comprar um carro adaptado, ela quer o adesivo que lhe dê direito de estacionar em vagas para deficientes. ;Continuo dirigindo meu carro comum, mesmo com dores. Mas paro em vaga de idoso ou de deficiente e sou multada;, reclama a aposentada, que caminha com o auxílio de uma muleta.

A estudante Isadora Carvalho de Oliveira tem uma doença óssea e anda de cadeira de rodas. Ela completou 18 anos em maio e demorou dois meses para agendar uma perícia, na qual os médicos vão indicar as adaptações que a autoescola precisa fazer no carro para ela começar as aulas de direção. A consulta está marcada para 13 de agosto e Isadora espera ser atendida de uma vez por todas. ;Espero que o problema esteja resolvido;, disse.

Salário pouco atraente
A pouca quantidade de servidores concursados também atrapalha o funcionamento do Núcleo Médico do Detran. Na manhã da última segunda-feira, por exemplo, havia 15 pessoas com horário marcado e nenhuma delas conseguiu ser atendida porque os médicos não apareceram. A servidora pública Marlene Alves da Silva, 50 anos, foi uma das que esperou três horas em vão. Ela tinha consulta marcada às 8h30, mas nenhum profissional deu as caras no local até 11h30, quando Marlene desistiu e foi para casa porque sentia dores. ;É uma falta de respeito. Tinha um monte de cadeirantes esperando;, disse a mulher, que sofreu um derrame há um ano e meio e não consegue mais pisar na embreagem do carro.

Como os médicos prestadores de serviço não têm vínculo com o Detran, ganham salários bem menores que os concursados. A remuneração é calculada de acordo com junta médica realizada, o que dá, no máximo, R$ 1,7 mil por mês. Os servidores efetivos, no entanto, recebem R$ 6 mil. ;Eles (os terceirizados) não têm compromisso com o Detran. Encaram esse trabalho como bico;, acusa o presidente do Sindicato dos Servidores do Detran, José Alves Bezerra.

Bezerra cobra que o GDF nomeie os servidores aprovados no concurso realizado pelo Detran em maio. Entre eles, há oito profissionais de saúde, número suficiente para criar mais duas juntas médicas. O Detran foi procurado pela reportagem durante dois dias, mas ninguém do órgão quis dar entrevista. A assessoria de imprensa, porém, confirmou que faltam médicos.

Mais servidores
O concurso público realizado pelo Detran em maio aprovou 123 novos servidores ; 100 funcionários auxiliares para atendimento ao público e 23 analistas, incluindo engenheiros, médicos, advogados, arquitetos e pedagogos. Os profissionais estão prontos para assumirem os cargos porque o concurso foi homologado e os servidores concluíram o treinamento em 29 de junho.