Todos os semestres, milhares de brasilienses se inscrevem em cursos de Educação de Jovens e Adultos (EJA) na esperança de recuperar o tempo perdido. São pais e mães de família, trabalhadores informais ou desempregados que, em comum, têm o passado marcado pela pobreza e o abandono dos bancos de escola antes da hora. No decorrer das semanas, as salas de aula cheias dessas pessoas seguem esvaziando até que, na hora de pegar o certificado de conclusão do curso, o número de formandos é bem menor do que o inicial.
[SAIBAMAIS]Começaram ontem as aulas das novas turmas da EJA, mas professores, gestores do ensino e, principalmente, os alunos já sabem o que vai acontecer com parte dos 60 mil estudantes matriculados. ;Entrei na escola e a sala tinha umas 45 pessoas. No final, ficaram menos de 20;, observa Ivone Rodrigues da Silva, de 35 anos, moradora da Estrutural. A auxiliar de serviços gerais só estudou até a 4; série do ensino fundamental quando era criança. Ela era pequena quando os pais se separaram de forma violenta. ;Minha mãe foi proibida pelo meu pai de entrar em casa. Virei mãe dos meus cinco irmãos mais novos. Com 12 anos, parei de estudar;, lembra. A primeira vez que ela tentou voltar a estudar já faz 10 anos. ;Fiz a 5; série lá em Samambaia, mas tive que largar outra vez. Também porque tinha coisa mais importante para fazer;, completa.
O abandono de Ivone está longe de ser solitário. No Distrito Federal, a média de evasão da EJA é de 32%, conforme pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) concluída no início do ano. No Brasil, este índice é de 42%. ;A taxa do DF é uma das menores do país junto de São Paulo e está bem longe dos estados do Nordeste mas, sem dúvida, ainda é muito alta;, comenta o diretor da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), Jorge Teles, do Ministério da Educação. ;Na nossa investigação sobre os motivos do abandono, descobrimos que quase 30% se queixa que o horário da aula não é compatível com a vida;, acrescenta.
[SAIBAMAIS]Para combater o problema, a Secretaria de Educação do DF (SEDF) vai promover, no próximo dia 15, o 18; Encontro de Educação de Jovens e Adultos do Distrito Federal. O evento é uma parceria com a Universidade de Brasília (UnB) e o Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro). ;Reconhecemos a gravidade da situação, não temos a ilusão de que vamos bem, mas vamos beber em várias fontes na tentativa de resolver um problema que ocorre no mundo inteiro;, afirma o secretário de Educação, José Luiz Valente, informando que a SEDF está elaborando uma nova proposta pedagógica para o ensino de EJA para 2010. A renovação do currículo, mais afinado com as necessidades e demandas dos estudantes, será o eixo da nova proposta.
Histórico
De acordo com o diretor do MEC, o problema é de origem. A EJA ainda é a mesma da década de 1970, quando a maioria dos alunos era da indústria e deixava o trabalho por volta das 17h. ;Hoje, com crescimento do setor terciário (serviços), precisamos incluir os vigias, serventes, trabalhadores do comércio;;, comenta Jorge Teles.
No início do ano, incentivada pela irmã mais velha, Ivone decidiu que era hora de voltar à escola. ;Estudei todo o ensino fundamental e resolvi terminar o ensino médio. Encho a cabeça para que ela não desista mais;, diz Ilídia Pereira da Silva, 37 anos. ;Queremos ser exemplo para nossos filhos que estão na escola e precisam da educação para ser alguém na vida;, sentencia.
Sem saber, Ilídia está investindo concretamente no futuro dos filhos e sobrinhos. ;Todos os estudos mostram que a escolaridade dos filhos tem relação estreita com a dos pais;, argumenta Regina Célia Esteves de Siqueira, superintendente executiva da Alfabetização Solidária, organização não-governamental que atendeu 5,5 milhões de pessoas em 13 anos.
Filho de pai e mãe analfabetos, Tierrisson Allef Fiúza, 16 anos, morador de Águas Lindas (GO) acaba de abandonar a escola pela segunda vez. Matriculado na 4; série do ensino fundamental, ele não quer mais estudar. ;Melhor pegar ferro velho para vender porque, com isso, eu consigo levar dinheiro para casa.;
Público-alvo
EJA é o segmento de ensino que recebe os jovens e adultos que não completaram os anos da educação básica em idade apropriada e querem voltar a estudar. No início dos anos 90, o programa passou a incluir as classes de alfabetização inicial.
; Desempenho preocupante
A educação de jovens e adultos também sofre com baixos índices de desempenho. Segundo a Secretaria de Educação, 44% dos alunos do primeiro segmento da EJA, ou seja, matriculados entre a 1; e a 4; séries, tiveram notas inferiores ao básico em matemática no Sistema de Avaliação de Desempenho das Instituições Educacionais (Siade). A porcentagem é superior ao dobro do ensino regular, que foi de 20%. Ficaram abaixo do desempenho básico 52% dos alunos entre 5; e 8; séries e 76% dos matriculados no ensino médio.
Em português, o baixo desempenho é um pouco melhor. A maioria dos alunos do primeiro segmento (65%) teve desempenho, no mínimo, básico. No ensino regular, o índice de aproveitamento dos alunos é bem maior: 89% de notas positivas. No segundo segmento do EJA, 57% alcançaram o conhecimento básico. No terceiro, o mesmo percentual não alcançou.
As provas do Siade servem de base para um índice de desempenho que a Secretaria de Educação está desenvolvendo para acompanhar a melhora no ensino do DF.
; Os motivos
Dentre os motivos para a não conclusão do curso de EJA, os principais foram: o horário das aulas não era compatível com o de trabalho ou para procurar trabalho (27,9%); ou com o dos afazeres domésticos (13,6%); não havia curso próximo à residência (5,5%); não havia curso próximo ao local de trabalho (1,1%); não teve interesse em fazer o curso (15,6%); tinha dificuldade de acompanhar o curso (13,6%). Apenas 0,7% disse não ter conseguido vaga.