Jornal Correio Braziliense

Cidades

Adolescentes que vivem nas 24 instituições sociais do DF só podem ficar até a maioridade

Pergunte para um adolescente de 16 ou 17 anos o que ele mais deseja. A maioria deles vai responder que aguarda ansioso a conquista da maioridade. É o momento de começar a ir para as baladas e não ter horário para voltar ou, ainda melhor, dirigir pela primeira vez. Para um grupo de jovens, no entanto, a realidade é bastante diferente. A certeza de que o aniversário de 18 anos vai chegar em poucos meses pode ser assustadora. ;Não gosto nem de pensar nisso. Ainda não sei o que vou fazer;, relata Gabriel*, 17 anos, que mora em um abrigo (1)em Ceilândia.

Para meninos e meninas abrigados nas 24 instituições sociais do Distrito Federal, que os encaminham para adoção, existe uma espécie de contagem regressiva para o abandono. A realidade é ainda mais triste quando se tem em mente quais adolescentes são esses: sem casa, sem família, sem amigos e sem amparo de uma rede de relacionamento social.

Gabriel, por exemplo, foi abandonado pela família quando descobriu que era homossexual. O pai, do interior do Mato Grosso, não aceitou as escolhas do filho e, há cinco anos, o adolescente passou a vagar entre São Paulo e Brasília. Até que, em 2007, foi encaminhado pela Vara da Infância para um abrigo próximo ao Hospital Regional de Ceilândia. Agora, o garoto se prepara para vagar mais uma vez. Ele faz 18 anos em 2 de novembro e não tem perspectiva. Nas últimas duas semanas, passou a cozinhar no abrigo pensando em um estágio remunerado. ;Quem sabe quando eu sair daqui arrumo um emprego de cozinheiro;, planeja.

Acolhimento

Apesar de o acolhimento de crianças e adolescentes ser previsto em lei como algo que deve acontecer de forma excepcional e temporária, muitos jovens completam 18 anos em abrigos e se veem sem ter um lugar para onde ir. De acordo com dados da Vara da Infância, neste momento, existem 39 meninos e meninas com 17 anos em abrigos. Outros cinco acabaram de completar a maioridade e já estão com as malas prontas.

;São jovens que se tornam dependentes institucionais. A instituição sai e eles não têm a tutela do Estado e também não estão profissionalizados ou são capazes de andar com as próprias pernas;, explica a psicóloga Gabriela Andrade. Para ela, esse é um dos grandes nós das políticas de acolhimento institucional.

Uma funcionária de um abrigo, que pediu sigilo, conta que, em geral, há bastante sofrimento entre os jovens prestes a completar 18 anos. ;Alguns se negam a sair da instituição e, para tanto, ameaçam contra a própria vida. Uma garota chegou a se mutilar às vésperas do aniversário;, conta.[SAIBAMAIS]


1 - RESPONSABILIDADE
O abrigo é um espaço criado e organizado por uma instituição pública ou uma não governamental sem fins lucrativos. A entidade que funda o abrigo deve buscar as condições financeiras para mantê-lo, mas a condução e o financiamento das políticas públicas são uma primazia do Estado. Por isso, cabe aos governos assegurarem a manutenção dessas instituições.

O número
44
Total de meninas e meninos abrigados no DF que estão prestes a fazer 18 anos ou que já completaram a maioridade.


O que diz a lei
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ; Lei n.; 8.069, de 13 de julho de 1990 ; determina que uma criança ou adolescente podem ser encaminhados a um abrigo quando os vínculos familiares, por questões de violência e outras violações de direitos, foram rompidos ou estão fragilizados de forma tal que exista risco ou ameaça de morte. Quando perdidos nas ruas, podem ser abrigados se os pais estão presos e não têm familiares ou pessoas de referência para cuidar ou protegê-los. Além disso, há o acolhimento em casos de calamidade pública, desastres e morte dos pais.

Em todas essas situações, a primeira providência deve ser o acolhimento na família extensa ou com pessoa de referência. Esgotadas essas possibilidades, o acolhimento institucional é a medida de proteção assegurada pela lei. No artigo 92 do ECA, está definido que as entidades deverão evitar, sempre que possível, a transferência de crianças e adolescentes abrigados para outras instituições. Devem ainda participar na vida da comunidade local e preparar gradativamente o desligamento.


Futuro ainda incerto
Quando pensa nos 18 anos e na hora de sair do abrigo, Rita* se sente insegura. ;Passa tanta coisa na cabeça, que só Deus;. Se ela pensa em se casar e ter filhos? ;Casar, sim, ter filhos, não. Se eu tiver, não quero que meu filho passe a mesma coisa que a mãe dele passou;. Rita sabe o que fala. Já foram três histórias de abandonos nos 17 anos de vida. E o próximo pode ocorrer em outubro, quando ela terá que deixar o abrigo em Taguatinga. ;Não me lembro de muita coisa, mas tenho saudade de ter pai e mãe. Sinto falta do carinho e do calor do colo deles;, emociona-se. Assim que foi deixada na rua, com 3 anos e sem qualquer explicação, a menina foi para um abrigo em Taguatinga Sul.

Aos 7 anos, a surpresa. Uma família formada por pai, mãe e dois irmãos adotou Rita. Foram dois anos de destruição dos sonhos que a garotinha havia feito de um lar. ;Os dois moleques falavam mal de mim, puxavam meu cabelo e me tratavam de um jeito muito ruim;, lembra. Dois anos depois, ela voltou para o abrigo. Apesar da desilusão, não ficou tão triste. ;Já estava acostumada com todo mundo. Eu tinha um monte de mães lá no abrigo;, conta.

Sem perspectivas

O problema é que tal instituição só cuida de crianças com até 12 anos. Ou seja, três anos após o segundo abandono, ela teve que cortar os laços de afeto mais uma vez. Foi para outro abrigo, do lado oposto de Taguatinga, para ser cuidada na companhia de pessoas da mesma idade. ;Nunca mais eu vi ninguém (da outra instituição).;

Agora, a poucos meses da maioridade, ela teme pelo futuro. ;Não tenho emprego e nem onde morar. Espero que a minha madrinha me leve para morar com ela;, diz, referindo-se a uma assistente social do abrigo com quem ela tem uma boa relação. A saída encontrada pela jovem é improvisada e pautada pela esperança. Até porque, se não for para a casa da servidora, a solução será viver em albergues para adultos em situação de rua. (EK)

(*) Os nomes dos adolescentes usados na reportagem são fictícios em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente