Jornal Correio Braziliense

Cidades

Aos poucos, trabalho de grafiteiros mudam as fachadas de lojas e casas da W3

A tradição cede espaço para o moderno em uma das avenidas mais antigas de Brasília. Fachadas de casas e lojas na W3 Sul e Norte ganham traços e cores com o trabalho dos grafiteiros(1), que espalham desenhos inusitados pela rua. Escondidos entre prédios e incontáveis pichações, os grafites mudam a aparência do local e divertem quem passa por perto. Eles são democráticos ; estão quase sempre ao ar livre e à vista de todos. Além de mudar a paisagem, os desenhos são a solução para quem sofre com pichações; a presença do grafite afasta os pichadores.

Quem chega na 706 Norte logo vê um painel com três figuras, lembrando um laboratório de química. A obra nasceu há pouco mais de um ano, em uma parceria dos artistas Vander da Cruz, 27 anos, Guga Baygon, 31 anos, e Flávio Mendes (Soneka), 23 anos. Da Cruz mora na quadra ao lado e reparou que a parede estava coberta por pichações e poderia ter a aparência transformada por um bom desenho. ;A gente sempre procura uma parede mais limpa, com visibilidade;, explicou.

Técnica
Em cerca de quatro horas, o trio pintou toda a lateral do bloco. Os traços são decididos na hora, com a inspiração de cada grafiteiro, sem um projeto pronto. O trabalho exigiu investimento dos artistas ; eles usaram 10 latas, ao preço de R$ 13 a R$ 15 cada. Soneka e Da Cruz aprenderam a técnica observando outros grafiteiros e hoje têm traços espalhados por várias paredes do DF. Da Cruz conheceu o grafite em Ceilândia e fez o primeiro em 2001, sem nunca ter tido aulas. Já Soneka se dedicou à mesma arte do norte-americano Jean-Michel Basquiat (2)depois de passar por uma oficina de grafite, em 2003.

[SAIBAMAIS]Em junho, Soneka foi convidado a participar do projeto O encontro, proposta artística e social que integrou as comemorações do ano da França no Brasil e que promoveu exposições nas galerias Parangolé e Rubem Valentim, no Espaço Cultural da 508 Sul. Participaram artistas locais, de Minas, São Paulo e também da França e da Alemanha. Há anos, a frente e a lateral do prédio são decoradas com grafites. As imagens mudam de tempos em tempos e chamam a atenção de quem passa no local.

O pedreiro João Carlos da Silva, 40 anos, observava os desenhos a distância, na parada de ônibus da quadra, e comentou: ;A paisagem fica mais bonita assim; aquela pichação de tinta preta é feia. Desde que não seja para poluir, acho bom fazer essas pinturas;. A auxiliar em serviços gerais Nivalda Pereira, 32 anos, ficou na dúvida sobre a mistura de tantas cores no painel, mas reconheceu a beleza do trabalho. ;Antes um desenho que uma pichação;, destacou.

Os painéis são a solução encontrada por moradores da W3 que se sentem indignados com o vandalismo. Não adianta pintar a fachada e o portão de casa ; dias depois, as pichações reaparecem. A autônoma Vanda Ribeiro Dias, 64 anos, se cansou de esconder os rabiscos da paredes da casa onde mora, na 710 Sul, com tinta. Ela lembra que a lateral da residência não ficava limpa por mais de três dias. ;Era horrível. Eu passava muita raiva e machucava os dedos com produto de limpeza tentando tirar a pichação;, disse.

O problema existe há 30 anos, quando a autônoma se mudou para a quadra. Há quatro anos, Vanda deu espaço para os grafiteiros. Os primeiros jovens pediram permissão para desenhar no muro e ela cedeu um pequeno pedaço. ;A pichação me incomodava demais, aí eu deixei. Demorou alguns meses para terminar porque ele foi feito por etapas;, contou. O resultado agradou à proprietária e, desde então, ela permitiu que outros grafiteiros trabalhassem na casa. Atualmente, a fachada está cheia de imagens e uma das preferidas de Vanda é um casal azul namorando. ;Mas eu gosto de todos;, completou . De acordo com a Administração de Brasília, os moradores da região têm liberdade para pintar a fachada de casa da maneira que preferirem.

1 - GRAFITE
Inscrições em paredes expostas ao público são conhecidas desde a Roma antiga. No século passado, jovens norte-americanos inseriram o spray na técnica de arte urbana e o movimento se espalhou pelo mundo. O grafite é diferente da pichação, aqueles rabiscos que poluem visualmente os prédios.

2 - JEAN-MICHEL BASQUIAT
O artista nascido em Nova York, EUA, ganhou fama com o grafite. Ele deixou sua marca em prédios de Manhattan durante a adolescência e logo ficou conhecido nas galerias de arte. Basquiat rodou o mundo com o grafite e ficou amigo de Andy Warhol (1928-1987), considerado o maior expoente mundial da chamada pop arte. Morreu em 1988, de overdose.