O Governo do Distrito Federal levou um calote de R$ 200 milhões de 17 mil empresas varejistas em um ano. O valor corresponde a 55% da arrecadação mensal total de ICMS. (1)Para descobrir a cifra, a Subsecretaria de Receita cruzou dados fornecidos por lojistas desde julho de 2008 com informações coletadas das operadoras de cartões de crédito e das secretarias de Receita de outras unidades da Federação. O resultado está sendo comunicado aos devedores.
De acordo com o subsecretário de Receita do DF, Adriano Sanches, o número encontrado pela Receita mostra que os varejistas informaram um valor de vendas ao fisco diferente do montante encontrado após a análise das faturas dos cartões. ;Encaminhamos um comunicado dizendo que identificamos diferença de valores declarados;, afirma. Segundo ele, a empresa que recebeu o carta tem dois caminhos a seguir: assumir e pagar a dívida cobrada ou provar à Receita que o valor declarado anteriormente está correto e que não houve venda não informada.
O ICMS responde por 70% da arrecadação total do GDF. Ontem, a Secretaria de Fazenda não informou a participação do comércio varejista no ICMS recebido pelo governo. Há três anos, reportagem publicada pelo Correio revelava que esse percentual era de 16%. Levando isso em consideração e supondo que a proporção se manteve, os R$ 200 milhões devidos passam a equivaler a quase um terço do total repassado pelo varejo aos cofres do DF em um ano. ;São recursos que iriam viabilizar programas do governo ;, diz Sanches.
Ao calcular o preço de uma mercadoria que será vendida, o empresário coloca no valor todos os custos com transporte, armazenamento, pessoal, ponto de venda, tributos e lucros. Uma forma de evitar que o valor do imposto deixe de ser repassado ao governo é pedir a nota fiscal.
A servidora pública Cristiane Azevedo, 37 anos, sabe disso e sempre que compra algo pede o cupom. Para ela, não deveria ser necessário nem fazer o pedido. ;Mas estamos acostumados a cobrar para ter qualquer coisa;, lamenta. O agropecuarista Fabiano Braga, 41, acredita que a sonegação ocorre porque os impostos são muito altos. ;Se tivéssemos impostos mais baratos, todos pagariam;, defende.
Parcelamento
A dívida cobrada dos varejistas poderá ser parcelada ou paga de uma única vez sem desconto. Uma opção pode ser esperar a nova versão do Refaz, um refinanciamento das dívidas proposto pelo GDF que oferece descontos nas multas e juros, mas não no valor total. O empresário que não pagar as dívidas e não regularizar a situação com o fisco perde a chance de participar de licitações. Além disso, as empresas serão incluídas na dívida ativa e responderão por processo judicial. ;Nesse caso, o débito aumenta 10% e a empresa pode ter os recursos penhorados e leiloados;, avisa Sanches.
Segundo o tributarista Luiz Fernando Sachet, da Gasparino, Fabro, Roman e Sachet Advocacia, fornecer dado falso ao fisco ou não prestar informação obrigatória é crime e pode levar à prisão. De acordo com ele, as unidades da federação estão começando a se acostumar com instrumentos como os cruzamentos de dados com as operadoras de cartões de crédito e isso tem melhorado a fiscalização.
Sachet ressalta que, no DF, a sonegação deve ser muito maior se considerada a informalidade. No calote de R$ 200 milhões, apenas os varejistas formalizados foram investigados. Para o advogado, esse valor deve ser muito superior dada a elevada carga tributária do país e também à crise econômica. ;Quando estão em dificuldade, a primeira coisa que os contribuintes param de pagar são os impostos;, afirma. Com isso, aumenta ainda mais o rombo. Os dados da Receita consideram apenas informações divergentes constantes nas faturas dos cartões usados pelos consumidores, nas declarações prestadas pelas lojas e nos dados das empresas que fornecem mercadoria para o DF.
1 - ICMS
O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços é de competência dos estados e do Distrito Federal. Ele incide sobre produtos que circulam no comércio inclusive em alimentos e bebidas vendidos em bares e restaurantes. O ICMS foi regulamentado pela Lei Complementar n; 87/1996.
E eu com isso
O ICMS recolhido é uma das principais fontes de renda dos governos estaduais para custear o funcionamento da máquina pública. Quando os varejistas deixam de repassar o valor correto à Receita, eles não recolhem para os cofres públicos e podem prejudicar o consumidor, usuário dos serviços e da infraestrutura. Além disso, quando o estado tem frustração de receita, a tendência é que ele eleve ainda mais a carga tributada, onerando novamente o contribuinte.
Tributo sob medida
# Percentual de imposto embutido no preço do produto
Produto - Total de imposto*
Aparelho de som (nacional) - 36,80%
Aparelho de som (importado) - 42,60%
Aparelho MP3 ou iPOD (nacional) - 49,45%
Aparelho MP3 ou iPOD (importado) - 57,25%
Batedeira - 44,37%
Biquíni - 33,44%
Bolsa (geral) - 39,95%
Bolsa de Couro - 41,52%
Brinquedos - 39,70%
Calça (tecido) - 34,67%
Calça de couro - 39,80%
Calça Jeans - 38,53%
Camisa - 34,67%
CD - 37,88%
DVD ; aparelho (nacional) - 50,39%
DVD ; aparelho (importado) - 58,33%
DVD (cartucho) - 44,20%
Fogão 4 bocas - 27,28%
Geladeira - 36,98%
Livros - 15,52%
Material de Construção - 32,80%
Microcomputador até R$ 3.000,00 (nacional) - 24,30%
Microcomputador até R$ 3.000,00 (importado) - 31,61%
Micro-ondas (forno) - 59,37%
Sapatos - 36,17%
Televisor - 44,94%
Tênis Importado - 58,59%
*O percentual leva em consideração todos os impostos e não apenas o ICMS
Fonte: Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT)
Fecomércio quer mudar lei
A Federação do Comércio do DF (Fecomércio) não concorda com o uso de informações das operadoras de cartões de crédito para analisar dados dos comerciantes. Segundo a entidade, a Lei Complementar Distrital n; 772/2008, que prevê essa verificação é inconstitucional. A prática, no entanto, é feita até com pessoas físicas pela Receita Federal. Quem gasta mais de R$ 5 mil no cartão de crédito tem a fatura cruzada com suas informações financeiras. Entre as pessoas jurídicas, o limite é de R$ 10 mil.
Para o presidente da Fecomércio, senador Adelmir Santana (DEM-DF), no entanto, o fato da entidade não concordar com a legislação aplicada pela Receita local não a coloca na posição de defensora das empresas devedoras. ;Não vamos defender sonegadores. Estimulamos a formalização e a instalação do equipamento emissor de cupom fiscal;, afirma. ;Não podemos defender quem cometeu erros. Isso não faz parte dos princípios da fundação;, completa. A Fecomércio orienta os lojistas a reconhecerem a dívida caso ela seja real e negociar o pagamento.