A expressão "cair de madura" é uma constante na vida da manicure Janice dos Santos, 24 anos. Ela coleciona tantos tombos que virou motivo de piada na família. "Até a minha avó, de 75 anos, cai menos do que eu. Aliás, ela não cai. E eu vivo me estabacando. Minha avó diz que eu caio de madura, igual a fruta do pé, diz, às gargalhadas. O que Janice leva na brincadeira nem sempre acaba em risos. Nos últimos três meses, 1.775 pessoas deram entrada na Emergência do Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF) porque caíram. É o que os médicos chamam de queda da própria altura.
Tombos aparentemente bobos podem até acabar em morte. O alerta é do gerente da Emergência do HBDF, Ubiratan Moreira Santos. De abril a junho deste ano, quatro pacientes atendidos no pronto-socorro depois de caírem perderam a vida. "Os casos mais graves são os em que a pessoa bate a cabeça ou se lesiona na região cervical", explica.
Faz pouco mais de dois meses, a emergência do HBDF decidiu detalhar os atendimentos na emergência. De abril a junho, dentro desse corte que considera apenas os atendimentos por trauma/acidentes de trânsito, a queda da própria altura esteve sempre em primeiro lugar. Com o tempo, os dados poderão ser usados para planejar políticas de prevenção."No caso dos acidentes de trânsito, não discriminávamos o tipo. Agora, registramos se foi atropelamento ou colisão, por exemplo. No futuro, teremos como saber qual deles é mais letal", diz Santos.
Segundo ele, as vítimas mais frequentes de queda da própria altura são crianças e idosos. Às vezes, os profissionais de saúde detectam situações de maus-tratos ou violência doméstica em quem chega dizendo que o ferimento foi causado por queda.
Passarinho
No caso da pequena Maria Clara, 4 anos, uma brincadeira acabou em tombo. E o tombo, em uma fratura no braço direito. A mãe dela, a servidora pública Maria do Socorro Lourenço, 43, conta que, a caminho da catequese, Maria Clara largou a sua mão, abriu os braços e correu gritando como se pudesse voar: "eu sou um passarinho". Em poucos segundos,estava no chão. "Ela chorou um pouquinho e depois não tocou mais no assunto. Dois dias depois, reclamou que o bracinho estava doendo. O exame de raios X detectou a fratura", lembra a mãe.
E a própria Maria do Socorro sabe bem o quanto uma queda pode ter consequências graves. Há sete anos, ela caiu enquanto lavava o banheiro de casa. Grávida de quatro meses, não pôde fazer uma radiografia e só soube que havia rompido o menisco após o parto. Como amamentava, os antibióticos foram vetados. Apenas em janeiro último, ela passou por cirurgia. "Há pouco, descobri que tenho que fazer mais uma operação", lamenta, ainda apoiada em uma bengala.
Entre os cinco motivos mais comuns de atendimentos de traumas e acidentes de trânsito na emergência do HBDF estão, além da queda da própria altura, os acidentes de trabalho, as colisões de veículo, a queda de altura, a de moto e a agressão física. Em abril e maio deste ano, os acidentes de trabalho ficaram em segundo lugar no ranking, representando cerca de 15% dos atendimentos (veja ranking abaixo).
Segundo Ubiratan Santos, chegam casos inacreditáveis. Recentemente o funcionário de uma oficina mecânica morreu após a explosão de um tanque com líquido para cromar peças de veículos. "Ele estava com o rosto todo queimado e não resistiu. Os soterramentos são outra coisa perigosa. Os pacientes que sobrevivem correm o risco de ficar com sequelas graves, como terem um membro amputado", menciona.
Prevenção em mente
Adriano foi atropelado por uma motocicleta: recuperação lenta
Entre as vítimas de trânsito atendidas na emergência do Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF), as mais frequentes se envolveram em colisão de veículos ou caíram de moto. O levantamento revela que foram 697 e 357 atendimentos, respectivamente, de abril a junho de 2009. Atropelamento de pedestres, apesar de não aparecer entre os cinco primeiros do ranking do hospital, também chama a atenção pela quantidade de casos: 336 nos três meses pesquisados.
Há dois meses, o pedreiro desempregado Adriano Alves da Silva, 40, foi atropelado por um motociclista, em frente ao HBDF, na via que divide a unidade de saúde do Setor Comercial Sul. Teve fratura exposta na perna esquerda. Quando acordou, já estava no pronto-socorro. Aí vieram a cirurgia, três semanas de internação e muita paciência para se recuperar. "Acho que o acidente poderia ter sido evitado se eu e o motoqueiro não estivéssemos com tanta pressa. Atravessei fora da faixa, no meio dos carros. Ele veio correndo demais e não conseguiu parar", diz.
Outras unidades
Com a estatística detalhada, o HBDF espera reduzir em 30% a demanda na emergência do HBDF. Segundo Ubiratan Santos, muitos pacientes de outras administrações regionais e de outras cidades são encaminhados para o Base, ignorando os hospitais Regionais de Sobradinho e de Planaltina, por exemplo, que também estão preparados para atender pacientes com traumas ou vítimas do trânsito.
Ao saber do detalhamento da estatística, o gerente de fiscalização do Departamento de Trânsito (Detran), Silvaim Fonseca, disse que as informações vão ajudar o órgão na elaboração de políticas de redução de acidente. "Quanto mais detalhadas as informações, melhor para definirmos estratégias de atuação. A depender do caso, a fiscalização reduz as ocorrências. Mas em outros, é o caso de campanhas educativas", cita. (AB)
Mortes no trânsito
No último ano, em todo o DF, o número de pedestres mortos em atropelamentos cresceu 15,4% em relação ao ano anterior. Em 2008, 157 pessoas perderam a vida e em 2007, 136. No ano passado, a participação dos pedestres no total de mortos no trânsito foi a maior dos últimos três anos. Em 2008, 34,4% das pessoas que perderam a vida eram pedestres. O recorde foi em 1996, quando eles representaram 43,6% do total de mortos.
Personagem da notícia
"Eu já caí pelo menos três vezes e me machuquei feio. Pelo menos duas vezes, acho que foi a pressa. A última vez foi há uns 20 dias. Estava saindo correndo para o trabalho e escorreguei. Para não cair por completo, apoiei com o braço no chão e acabei quebrando a região perto do pulso. Há uns seis anos atrás, também caí e também estava apressada. Nessa situação, a gente acaba não prestando atenção direito ao redor. Se o piso está molhado, já era."
Maria José Vieira,
50 anos, cabeleireira,
moradora do Núcleo Bandeirante.