[SAIBAMAIS]Os maiores prejudicados pelo funcionamento irregular das pousadas da Asa Sul são os vizinhos dos estabelecimentos. As reclamações são constantes e vão desde a falta de vagas até a presença constante de traficantes e prostitutas. Revoltada com a reabertura das pensões, a comunidade da região cobra o fechamento das hospedarias ilegais e exige uma fiscalização mais rígida, para que os empresários não voltem a driblar a legislação(1).
A funcionária pública Patrícia Castro Silva, 44 anos, mora no Bloco L da 705 Sul. Sua casa fica espremida entre duas pousadas, o que causa grandes transtornos. Ela reclama do entra-e-sai de hóspedes e, principalmente, do barulho causado pelos clientes. ;Tem um homem que mora na pensão e sempre chega bêbado de madrugada. Tenho filhos pequenos e fico muito preocupada com a frequência dessas pousadas;, conta Patrícia.
O prefeito da Quadra 705, Amilton Figueiredo, conta que as lideranças comunitárias da Asa Sul estão se reunindo para voltar a cobrar o fechamento das pensões. Segundo ele, haveria pelo menos 40 estabelecimentos funcionando atualmente. ;Eles tiram os letreiros, fazem tudo escondido, mas é fácil flagrar que estão de portas abertas. Há movimentação de hóspedes o dia inteiro;, denuncia. Amilton conta ainda que há muitas casas que alugam quartos para moradia, não apenas para hospedagem. ;Depois da interdição, no ano passado, muitos preferiram alugar apenas para mensalistas, porque assim chamam menos atenção. Há pessoas que ganham uma fortuna com essa atividade;, finaliza o prefeito da 705 Sul.
Setor específico
A escassez de estacionamento é mais um argumento dos moradores da região para impedir o funcionamento de comércio nas quadras 700. Ao longo da Avenida W3(2), é difícil encontrar um espaço onde estacionar o carro ou até mesmo parar o veículo. ;É um absurdo que, depois de tanta batalha, as pousadas tenham voltado a funcionar. Tenho recebido muitas reclamações de moradores incomodados com essa situação;, conta a presidente do Conselho Comunitário da Asa Sul, Heliete Bastos.
Para a prefeita comunitária da 706 Sul, Ana Girão, os proprietários das pousadas estão insistindo em trabalhar na ilegalidade para exigir lotes no futuro. ;Eles querem terrenos públicos para construir um setor de pensões e pousadas. Mas não dá para ficar barganhando com esse tipo de coisa;, critica Ana. Ela acredita que a única forma de fechar definitivamente os negócios é colocar um oficial de Justiça atuando junto com os fiscais do governo. ;Só assim os fiscais conseguirão entrar nas casas para fazer os flagrantes;, acrescenta.
1- DO OUTRO LADO
As regras para as quadras 700 das asas Sul e Norte são diferentes. Enquanto na Asa Sul as casas só podem ser destinadas ao uso residencial, as normas de gabarito da Asa Norte autorizam atividades comerciais de características locais.
2- REVITALIZAÇÃO
Logo após a inauguração de Brasília, a W3 Sul era uma das vias mais importantes da nova capital. Mas, ao longo dos anos, a avenida perdeu o glamour e atualmente está abandonada. O plano de recuperação prevê, entre outros pontos, a instalação do Veículo Leve sobre Trilhos. Moradores, porém, temem que o VLT agrave a falta de vagas, já que vai passar pelo canteiro central, onde hoje há estacionamento.
Traficantes presos
Como funcionam na ilegalidade, algumas pousadas são território livre para a atuação de criminosos. Sem precisar apresentar documentos ou sequer serem registrados pelos estabelecimentos, eles aproveitam as hospedarias da Asa Sul para guardar drogas, armas ou até mesmo para cometer crimes. Nas pensões que aceitam pagamento por períodos curtos, os hóspedes são, principalmente, clientes de prostitutas que trabalham na região.
Em maio deste ano, um homem de 23 anos foi preso em uma pousada da 707 Sul com 400g de maconha, 500g de haxixe, 75 microsselos de LSD e cristais de MDMA, uma droga sintética semelhante ao ecstasy. Ele dividia quarto com um colombiano no estabelecimento ilegal. Mesmo depois da prisão do traficante com uma gama variada de entorpecentes, a pousada continuou funcionando. Apesar da pouca idade, o rapaz já havia sido detido pela Polícia Federal no aeroporto da capital, em agosto de 2007, quando trazia 3,3kg de cocaína de Rio Branco, no Acre. A prisão na hospedaria ocorreu após denúncia anônima à Polícia Militar.
Olheiros mirins
As pensões são parte até mesmo dos esquemas de tráfico de crack ; droga barata feita a partir da pasta-base de cocaína. Em 2007, a polícia descobriu que um grupo de criminosos estava guardando estoques da droga em uma pousada da 707 Sul. Eles usavam crianças como olheiros, que tomavam conta do estabelecimento para avisar sobre uma possível chegada da polícia. A partir dali, distribuíam o crack pela área central e pela Rodoviária do Plano Piloto.
De acordo com a delegada-chefe da 1; DP, Martha Vargas, as ocorrências de tráfico na região da W3 Sul têm crescido por causa das pousadas que permanecem de portas abertas. Ela destaca ainda que os desrespeitos às interdições têm dado muito trabalho à equipe de agentes. ;Já registramos pelo menos três casos de descumprimento da interdição. Nesses casos, o responsável é processado por crime de desobediência;, destaca a delegada.
PARA SABER MAIS
Casas geminadas
A instalação de comércio nas quadras 700 da Asa Sul contraria o projeto urbanístico de Brasília. Lucio Costa pensou a região como área exclusivamente residencial. O próprio nome dado a elas reforça isso: Setor de Habitações Individuais Geminadas Sul (SHIGS). As atividades comerciais deveriam ser realizadas apenas nas quadras 500, do outro lado da W3, para proporcionar ;uma nova maneira de viver, própria de Brasília;. Dessa forma, Lucio Costa pretendia preservar a qualidade de vida dos moradores. O projeto do urbanista, explicitado no Decreto n; 10.829/87, é tombado como patrimônio histórico e cultural da humanidade.