Jornal Correio Braziliense

Cidades

Orientais alugam apartamentos no Cruzeiro Novo para facilitar o comércio pirata

O sotaque carioca vem perdendo espaço para o chinês no Cruzeiro(1). Orientais têm alugado ou comprado apartamentos no bairro antes dominado por ex-moradores do Rio de Janeiro e descendentes. O fenômeno é uma estratégia da máfia chinesa para expandir a pirataria em Brasília. Nos prédios residenciais do Cruzeiro Novo, os asiáticos moram espremidos com conterrâneos e ainda estocam as mercadorias falsificadas. Tantos os produtos quanto os chineses chegam à capital brasileira por meio de um esquema criminoso, que envolve documentos fraudados, extorsão, ameaça e lavagem de dinheiro. A ofensiva da máfia chinesa faz parte de uma conexão além-fronteiras. Chineses são recrutados por escritórios no país de origem, que distribuem vistos falsos para a permanência no Brasil. A maioria é jovem, vem de Cantão (sul da China), tem de 18 a 25 anos e escolaridade equivalente ao primeiro grau. Cada viagem custa ao agenciador US$ 10 mil (cerca de R$ 19,7 mil), pagos pelo imigrante ilegal com o trabalho escravo e até a obrigação de ameaçar comerciantes da colônia, como ocorre frequentemente em São Paulo, onde os assassinatos entre orientais se tornaram frequentes. Na paraguaia Ciudad del Este, o entreposto muambeiro na fronteira com Foz do Iguaçu (PR), os chineses recebem as instruções e apoio para entrar no Brasil. Quando atravessam os limites entre os dois países sul-americanos, se dividem entre o Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Na capital do país, as mercadorias ilegais, também vindas do Paraguai, chegam em vans e carros nas madrugadas. A distribuição é rápida, para não chamar a atenção da polícia e da vizinhança do Cruzeiro Novo. Após estar dentro de um dos apartamentos, os produtos rapidamente são levados para a Feira dos Importados[SAIBAMAIS] Construído para abrigar funcionários públicos transferidos da antiga para a nova capital do país, o conjunto de prédios residenciais do Cruzeiro Novo é o mais próximo da Feira dos Importados, onde metade das 2,1 mil bancas vende mercadoria contrabandeada ou falsificada, de acordo com a Receita Federal. Atraindo cerca de 50 mil consumidores semanalmente, o centro comercial brasiliense tornou-se o segundo maior ponto de venda de produtos piratas do país. Perde apenas para a Rua 25 de Março, em São Paulo, base da máfia chinesa no Brasil. Do Cruzeiro Novo ao centro comercial são apenas 500m, sem grandes obstáculos. Com isso, os produtos pirateados são levados à feira em carrinhos de mão ou nas costas pelos asiáticos. Eles precisam apenas atravessar a passarela sobre a Estrada Parque Indústria e Abastecimento (Epia) para chegar à Feira dos Importados. De terça-feira a domingo, fazem a travessia em pequenos grupos, antes das 9h e após as 18h, quando abre e fecha a feira, que não funciona às segundas. O Correio acompanhou essa movimentação por uma semana. Nenhum chinês aceitou dar entrevista. Muitos esconderam o rosto ou correram da câmera. Não queriam ser identificados por estarem clandestinamente no país, segundo vizinhos do bairro ou do trabalho. # Donos do pedaço Os libaneses eram os únicos estrangeiros com bancas na Feira dos Importados até 2007. Na época, tinham 10 boxes especializados em equipamentos eletrônicos sofisticados, como máquinas fotográficas digitais e laptops. A maioria contrabandeada. Os chineses hoje ocupam ao menos 120 das 2.096 bancas. Grande parte está nos corredores centrais, a área nobre da feira, e expõe bolsas, tênis e óculos falsificados de grifes famosas. O número de libaneses continua o mesmo. Mas, por também ficarem nos pontos de maior movimento, junto com os chineses respondem por 50% das vendas do local. A presença dos chineses no Cruzeiro e na feira elevou os preços dos aluguéis nos dois pontos. No antigo bairro carioca, eles preferem os apartamentos das quadras 101, 102, 103, 107 e 207. Os prédios ficam de frente para a passarela. "Como não têm documentos que preenchem as exigências cadastrais das imobiliárias, eles conseguem alugar os imóveis direto com o dono. Oferecem um preço maior do que o de mercado e ainda o pagamento adiantado de até 12 meses", comenta o corretor Paulo Alencar, dono de imobiliária que há 15 anos trabalha oferecendo apartamentos e casas no Cruzeiro. A mesma tática os chineses usam na Feira dos Importados. "O aluguel de uma banca no corredor central, que antes do surgimento dos chineses ficava em torno de R$ 1 mil, hoje chega a R$ 3 mil. Com um detalhe: eles costumam pagar seis meses adiantados", ressalta Absalão Ferreira Calado, há cinco anos na presidência da Associação dos Comerciantes da Feira dos Importados (Afim). Ele tem uma lanchonete na feira desde o surgimento dela, em 1997. 1 - O Cruzeiro, na época bairro do Gavião, começou a ser habitado em 1955 por construtores de Brasília. Nos anos 1960, servidores públicos federais vindos do Rio de Janeiro ocuparam a maioria das casas do Setor de Residências Econômicas Sul, conhecido como Cruzeiro Velho. Na década de 1970, inaugurou-se um conjunto de prédios com quatro andares, o Cruzeiro Novo. E eu com isso? Ao comprar produtos piratas, o consumidor movimenta um comércio totalmente clandestino, em detrimento de atividades legalizadas. Entre os males da pirataria estão o desemprego, a sonegação de impostos, a prática de concorrência desleal e o incentivo ao crime organizado. Também existe o risco de produtos piratas danificarem aparelhos de DVD, computadores e entre outros equipamentos eletrônicos.