Como boa parte dos brasileiros, a vida toda o comerciante Lucivan Ferreira de Melo, 40 anos, teve a convicção de que podia beber e dirigir com segurança. Isso até junho do ano passado, quando sentiu o peso da legislação que proibiu o motorista de dirigir alcoolizado. Ele está entre as 3.521 pessoas flagradas ao volante com alguma concentração de álcool no organismo. Em média, foram 10 autuações por dia, entre 20 de junho de 2008 e o último dia 10. Pelo menos 1.345 condutores (38%) acabaram como Lucivan: na delegacia.
A maioria dos processos de condutores alcoolizados está nas prateleiras do Departamento de Trânsito (Detran) aguardando os prazos legais de recursos e a análise dos técnicos. Segundo o diretor de Controle de Veículos e Condutores do Detran, coronel Admir Santana, existem cerca de 2,5 mil nessa situação. Um balanço preliminar aponta que, no período analisado, apenas 30 pessoas conseguiram se safar das punições e tiveram o caso arquivado.
O motivo do cancelamento do processo de suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) está diretamente relacionado à inconsistência do auto de infração emitido pelo agente de trânsito ou policial militar. ;Em geral, esses processos são arquivados por falha do agente no preenchimento do auto de infração e não porque o condutor tenha provado que não estava embriagado. Se faltar a data, ou a hora da infração, por exemplo, por lei, temos que arquivar;, explica Admir.
Aliás, os argumentos dos motoristas no processo de defesa não ajudam muito. A pedido do Correio, a equipe do coronel Admir levantou, aleatoriamente, e sem identificar a pessoa, algumas das justificativas apresentadas ao Detran. Em um dos casos a pessoa negou que tivesse bebido muito, apesar de o bafômetro acusar embriaguez. ;Mas atesto que só ingeri duas cervejas e talvez uma dose de pinga.; Ou o homem que admite ter ingerido ;pequena quantidade de cerveja; com sua mulher pois ;já estavam cansados do dia de trabalho;.
Maioria condenada
A maioria absoluta das pessoas julgadas até agora acabou condenada. Pelo menos 800 condutores tiveram a carteira de motorista suspensa por um ano. Consequentemente terão de voltar para a escolinha do Detran para aprender, entre outras coisas, quais são os riscos de dirigir embriagado, além de desembolsar R$ 957 referente a multa.
O coronel Admir reconhece que o Detran tem dificuldade em punir com a agilidade necessária os infratores. ;Esbarramos na falta de pessoal. O sonho é ter um núcleo só para analisar o artigo 165 (da Lei 11.705, que prevê punição para quem dirige alcoolizado), por exemplo. Aí sim, daríamos uma resposta rápida aos infratores e eles, sentindo os efeitos da legislação, passariam a respeitá-la;, comentou.
Não se sabe para os outros, mas para o comerciante de Ceilândia, Lucivan de Melo, passar por tudo isso mudou a vida dele. Depois de beber sozinho uma garrafa de vodca, ele bateu em outro veículo quando voltava para casa, em junho do ano passado. O outro carro era ocupado por uma mulher e uma criança. Por sorte, ninguém se feriu. Mas acabava ali um hábito de anos. ;Eu discuti com o policial. Bêbado sempre acha que tem razão em tudo;, reconhece.
Reciclagem
Lucivan teve a CNH suspensa por um ano, período em que foi obrigado a pagar alguém para dirigir toda vez que precisou fazer compras para abastecer o seu mercadinho. Faz uma semana que terminou o curso de reciclagem na Escola Pública de Trânsito do Detran. ;Me arrependi amargamente do que fiz naquele dia. Toda vez que vejo acidente provocado por motorista bêbado, me lembro da mulher e do filho dela e penso que poderia tê-los machucado;, lamenta. Lucivan afirma ter reduzido drasticamente a ingestão de bebida alcoólica. ;Antes, bebia de sexta a domingo. Agora, passo até 20 dias sem beber;, conta.
Mas nem todos mudaram o comportamento com a nova lei. No dia em que o ministro da Justiça, Tarso Genro, lançou a campanha ;Não deixe a bebida mudar o seu destino. Dirigir alcoolizado é crime e pode dar cadeia;, no Líbanus, na Asa Sul, a reportagem conversou com motoristas. Das quatro pessoas abordadas, todas admitiram que ainda bebem e pegam o volante depois.
O administrador Vander Magalhães, 32 anos, morador do Guará, classifica a lei como autoritária. ;Não mudei em nada meu comportamento. Sei até onde posso ir. Essa lei visa apenas ao lucro. Essa história de salvar vidas é balela. Se um dia me derem transporte público decente, deixo o carro em casa. Enquanto isso, vou beber e dirigir;, afirma. O advogado Fernando Guimarães é outro que ainda bebe e dirige. ;Mas diminuí muito a frequência. O governo devia dar algum incentivo para os táxis ficarem mais baratos ou oferecer um transporte público melhor;, defende.