Jornal Correio Braziliense

Cidades

Diretores de escolas públicas são exonerados por faltas graves

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Supervisor coloca fogo em bonés de alunos com a concordância da direção da escola no meio do pátio para ;servir de exemplo;. Festa em colégio termina com a invasão da polícia e apreensão de drogas, uma arma e bebidas dentro dos muros da instituição. Em meio à greve dos professores, vice-diretor de centro de ensino impede a entrada de alunos que queriam estudar. Parece difícil de acreditar, mas os três graves episódios ocorreram em escolas da rede pública do Distrito Federal. E, após abertura de sindicância, terminaram com a exoneração dos envolvidos dos cargos de direção das instituições. Os professores e servidores, no entanto, continuam trabalhando na rede em outros cargos e, por isso, o Correio opta por não divulgar os nomes para evitar estigmatização. A punição é inédita no DF porque, até dois anos atrás, não havia eleição direta para diretor e as escolhas eram feitas por indicação sem que houvesse assinatura de termos de compromisso nem interferência da comunidade. Ou seja, nas quase 620 escolas públicas do DF não havia uma regra clara para a permanência dos gestores. Agora, cada equipe eleita pelo voto direto ou, pelo menos, pelo conselho escolar assina um termo de compromisso. A última exoneração ocorreu há 10 dias. Foram publicados no Diário Oficial do DF os nomes do diretor e da vice-diretora do Centro de Ensino Médio 3 (CEM 3), em Ceilândia Sul, que contrariaram a recomendação da Secretaria de Educação e permitiram a realização de uma confraternização, batizada de Kika na Latinha, organizada pelos alunos de comissão de formatura. A festa, ocorrida em março, começou à tarde e só terminou por volta das 22h após a intervenção do Batalhão Escolar, 8º BPM (Ceilândia) e das Rondas Ostensivas Táticas Motorizadas (Rotam). No lugar, foram encontradas bebidas alcoólicas dos mais variados tipos e marcas, cocaína, maconha e um revólver calibre .32 com seis balas. A reunião saiu do controle, houve brigas, crianças embriagadas e até a prisão de um jovem armado. ;O evento teria sido autorizado pelo diretor da instituição que, até o último momento, se recusou a determinar o cancelamento mesmo ciente dos riscos implícitos da realização;, cita a conclusão da sindicância que determinou a perda do cargo. O documento é assinado pela secretária adjunta de Educação, Eunice Oliveira Santos. Na decisão, ela observa a existência de, pelo menos, outros seis problemas na escola, como a cobrança de R$ 3 dos alunos para fazer a carteira de estudante, que deve ser gratuita. ;Foi possível constatar a desobediência ao Termo de Compromisso da Gestão Compartilhada;, conclui. Diretor e vice recorreram da decisão de exoneração e aguardam resposta. Bonés na fogueira No Centro de Ensino Fundamental 7 de Sobradinho II, a exoneração abrangeu todos os funcionários da direção da escola, incluindo o supervisor pedagógico. Em meados do ano passado, ele fez uma fogueira no meio do pátio da escola e colocou fogo nos bonés dos meninos. O objetivo era servir de exemplo para os demais estudantes uma vez que o uso do acessório era proibido. Os alunos organizaram então uma pequena revolução no CEF 7. Revoltados, eles invadiram a direção da escola. Para surpresa da garotada, no entanto, o diretor apoiou o funcionário na decisão de queimar os bonés. ;Aí começou uma confusão só, teve gente que apedrejou os carros dos professores e tinha gente que queria bater mesmo;, conta a aluna Daniela Muniz, de 15 anos. ;Se não tivéssemos nos metido para acalmar os alunos, muitas pessoas poderiam ter se machucado;, lembra o professor Joilson Vieira Barros, o diretor da escola atualmente. Hoje, o boné é permitido na escola, de acordo com a vice-diretora, Juliana Raquel Ramos. ;Aqui é uma área conhecida no tráfico de drogas e, por isso, os bonés poderiam servir de esconderijo;, afirma. ;Agora, se o aluno estiver uniformizado, pode.; Joilson e Juliana assumiram a direção do colégio no início do ano. Eles haviam participado do processo de eleição para diretor e sido aprovados nas provas, mas perderam nas urnas. De acordo com a Secretaria de Educação, ter passado pelo processo é requisito fundamental para assumir a direção. Barrados na porta Já o diretor Afonso Bonfim ainda espera que o nome do novo vice-diretor do Centro Educacional 2 (CED 2) de Sobradinho seja aceito pela Secretaria. O colega dele foi exonerado há um mês depois de, segundo os alunos, ter fechado as portas da escola aos estudantes num piquete feito pelo Sindicato dos Professores (Sinpro) na greve dos docentes em abril. ;Ele estava na porta com outros professores e um pessoal da sindicato e ninguém podia entrar;, lembra Luciana Estefhanie Fernandes. Aluna do 2º ano do ensino médio, ela e os amigos Daniela Santos, Pedro Marcelo Aguiar e Bruno Passos, todos de 16 anos, tiveram que entrar pelo teatro que fica ao lado da escola e passar por uma cerca. ;Uns garotos pularam o muro e abriram um portãozinho e a gente conseguiu assistir à aula;, diz Pedro. Na ocasião, Afonso estava de licença, mas ele defende o colega: ;Ele estava tentando evitar o confronto e o fechamento dos portões;. ;Ele achou melhor não recorrer da decisão e, hoje, dá aula normalmente aqui na escola.; Entrevista - José Luiz Valente Medida extrema A exoneração de diretores, vice-diretores e supervisores das 620 escolas públicas do DF é uma medida extrema. O secretário de Educação, José Luiz Valente, afirma que, por causa da eleição direta, o governo tenta antes negociar e corrigir rumos. Todos os diretores das 620 escolas foram eleitos? Praticamente todos. Em 2007, foram mais de 400 e, na segunda eleição, outros 170. Mesmo quem não foi eleito passou pela aprovação do conselho escolar de cada instituição. Como é o processo de exoneração? Só trabalhamos com isso nos casos mais graves e, mesmo assim, depois da averiguação dos casos. Como as equipes de diretores foram eleitas pela comunidade, tirar qualquer uma delas cria mal-estar. Foi isso o que aconteceu nos três casos? Sim. Os três foram de extrema gravidade. No Centro de Ensino Fundamental 7 (Sobradinho II) e no Centro de Ensino Médio 3 (Ceilândia), nós seguimos as orientações das comissões de sindicância. No Centro Educacional 2 (Sobradinho), não dava para negar as denúncias feitas por pais e alunos. Quem assume? Fica na direção outro professor ou nova equipe da rede. Mas é condição fundamental que eles tenham passado pela seleção e pelo curso para direção da Secretaria de Educação. Reconhecimento Carlos Ramos Mota, assassinado em uma madrugada de junho do ano passado aos 44 anos, foi homenageado ontem pela Câmara Legislativa. Ele foi morto quando era diretor do Centro de Ensino Fundamental do Lago Oeste ; que hoje leva seu nome ; e porque tentava evitar que o tráfico de drogas pulasse os muros do colégio. A viúva, Rita de Cássia Pereira, recebeu, no auditório da Imprensa Nacional, o título e o broche de Cidadão Benemérito de Brasília, das mãos da deputada Érika Kokay (PT). ;O Carlos foi um grande educador e não posso deixar seu legado se perder. Por isso, transformei meu luto em luta;, afirmou emocionada.