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Apesar de apelos, Ibama não libera animal silvestre

Duda, 11 anos, não come direito e nem quer ir à escola. Tudo porque fiscais levaram filhote de veado que ela criava como bicho de estimação

Há uma semana, Lorrane Eduarda Duarte Medeiros, 11 anos, não come direito. Não quer mais brincar, ver televisão nem ir para a escola. A garota, antes risonha, anda cabisbaixa. Passa o dia sentada olhando para o chão, sem querer conversar com ninguém. Filha única do casal Teone Xavier Duarte, 35 anos, e Abílio José de Medeiros, 51, Duda se apegou a um bichinho de estimação nada convencional. Quando abre a boca, é para perguntar sobre Fada, o filhote de veado com quem conviveu no último ano e meio. O animal foi apreendido por fiscais do Instituto Nacional do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), na última terça-feira. Desde então, a família tenta, em vão, reaver o bichinho. Duda escreveu uma carta na tentativa de sensibilizar os fiscais. O documento foi protocolado no Ibama na última sexta-feira. Na frente e no verso de uma folha de caderno, ela contou como Fada entrou na vida dela. Com a carta, entregou desenhos, fotos e outras folhas onde fez declarações de amor ao bichinho. ;Eu tenho paixão por animais. Não sei quem vai ler o que estou escrevendo, mas peço a você que for ler, leia com o coração, pois minha história é verdadeira;, escreveu, com palavras inocentes, características da infância. Na carta, a menina conta que encontrou a filhote à beira da estrada, quando voltava de viagem com os pais. A família vinha da Bahia quando avistou dois animais caídos às margens da BR-020, perto da cidade de Alvorada do Norte (GO). Eram duas veadas que, aparentemente, tinham sido atropeladas. ;Paramos o carro e fomos correndo até lá. A mamãezinha já estava morta e o filhotinho caído no chão se batia todo, parecia que ia morrer;, relatou Duda. Teone, Abílio e Duda jogaram água na cabeça do animal, o enrolaram em uma toalha e trouxeram-no para a casa da família, no Gama. Mesmo sabendo que não deveriam, levaram o animal a um veterinário, que orientou os cuidados. O bicho estava muito machucado e demorou meses para melhorar. ;A gente dava leite com mastruz para ela e cuidava com todo amor dos machucados. Todo mundo dizia que ela ia morrer;, lembra a garota. O filhote resistiu. Ficou bom, recebeu o nome de Fada e virou o xodó da casa. Duda diz que é a irmãzinha que ela não teve. Na carta, a chama de ;anjinho de quatro patinhas;. A veada era companhia constante da menina. As duas passavam a tarde rolando na grama da chácara onde moram, que tem 3,5 mil metros quadrados. Fada era tratada como bicho de estimação. Dormia dentro da casa, recebia comida (vagem, quiabo e couve) na boca e tinha um cantinho reservado para ela no quintal. ;Era mais mansa do que um cachorrinho;, contou Teone. Crime ambiental O Ibama, porém, considera que os pais de Duda cometeram um crime porque é proibido criar animais silvestres em cativeiro sem autorização do órgão (veja O Que Diz a Lei). ;A atitude de terem pego o animal é louvável, mas não lhes dá o direito de ficar com ele;, ressaltou o chefe de Fiscalização, Hugo Américo Schaedler. O Ibama apreendeu Fada depois de receber uma denúncia anônima. Com a filhote, os fiscais levaram outros 30 bichos, papagaios e periquitos principalmente. ;Já existia um viveiro aqui quando comprei a chácara. Mas só queremos a veadinha de volta;, justificou Teone, que também recebeu multa de R$ 92 mil. Fada está no Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) do Ibama, que fica na Floresta Nacional de Brasília (Flona). Os veterinários ainda não decidiram o que fazer com o bicho. Inicialmente, será treinado para reaprender a viver solto na floresta. Mas, se os técnicos perceberem que o filhote de veado não vai conseguir se adaptar, ele será levado para o Jardim Zoológico ou para um mantenedor de fauna ; uma pessoa autorizada a cuidar de animais apreendidos. ;O animal ainda está sendo avaliado. Mas ela foi pega no ambiente natural, nem sempre viveu em cativeiro. Os instintos não se perdem. Ela só terá que aprender a se virar;, defendeu Schaedler. Ele leu a carta de Duda, mas permanece firme na posição de que ela não pode ficar como bicho. ;Nenhum animal retirado da natureza é passível de regularização;, afirmou. De acordo com a legislação, quem quiser criar animais silvestres precisa comprá-los em criadouros autorizados pelo Ibama. Os bichos são vendidos com notas fiscais e, sem o documento, todos são ilegais. Enquanto o problema não se resolve, Teone está preocupada com a saúde da filha. Duda tem arritmia cardíaca e passou mal assim que os fiscais saíram da casa dela terça-feira. Ela sentiu tontura, começou a cuspir sangue e ter sangramentos no nariz. ;O médico disse que era emocional;, afirmou a mãe. Confira a matéria completa na edição impressa do Correio Braziliense