Em uma cidade com mais de um milhão de carros em circulação e com um trânsito a caminho do caos, uma das soluções possíveis para esses problemas está fora do alcance da visão dos brasilienses. O subterrâneo das grandes metrópoles é cada vez mais usado para a construção de estacionamentos e, principalmente, de meios de transportes públicos. No Plano Piloto, as condições para essa ocupação são bastante propícias e o subsolo da capital federal é muito adequado para obras como o metrô ou garagens subterrâneas de até três pavimentos. Esses dados fazem parte de um estudo inédito realizado por pesquisadores da Universidade de Brasília nas asas Sul e Norte, além da zona central da cidade.
O levantamento foi feito com base em 1,8 mil sondagens realizadas ao longo do Plano Piloto. Durante o trabalho, foram analisados o tipo e a resistência do solo em cada ponto, além da medição do nível de água nessas regiões. Todas as informações dão um panorama do que temos abaixo dos nossos pés e mostram qual é a dificuldade para equipes de engenharia explorarem o nosso subterrâneo.
A pesquisa sobre o subsolo da capital federal faz parte da dissertação de mestrado da engenheira Paola Cristina Alves, que foi orientada pelo professor Newton Moreira de Souza, do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da UnB. O trabalho foi concluído e apresentado no mês passado. As informações para o estudo de Paola saíram de um banco de dados digital, com maquetes virtuais em 3D.
Após a conclusão do levantamento, a pesquisadora afirma que, de um modo geral, o subterrâneo de Brasília é adequado à ocupação. Foram feitas análises para checar a resistência do solo a profundidades que variam de três a 30m. ;Para a construção de garagens de até três pavimentos, que é o limite permitido por lei, quase toda a área do Plano Piloto e da região central é apropriada;, afirma Paola. ;Poucas cidades têm um estudo como este. Temos interesse de apresentá-lo ao governo para que o levantamento possa ser uma base no planejamento da ocupação do subsolo;, acrescenta a pesquisadora da Universidade de Brasília.
Terra resistente
Nas regiões indicadas como pouco adequadas para obras subterrâneas, o levantamento não afirma que as construções são inviáveis. Onde a resistência da terra é maior ou em áreas com solo menos favorável para perfurações e escavações, é preciso um mais investimento de recursos e uma atenção redobrada com a segurança durante os trabalhos. ;Em um país como o nosso, que faz perfurações de até 6km de profundidade, como é o caso do trabalho da Petrobras na região do pré-sal, não podemos dizer que essas obras são impossíveis. Mas o governo ou as empresas terão que gastar mais e ter mais cuidados;, explica o professor Newton. ;As obras subterrâneas em regiões próximas a construções como prédios também são mais complexas e requerem mais atenção e recursos;, acrescenta o especialista.
O levantamento também analisou as áreas onde o nível de água do lençol freático é mais alto. Esse fator dificulta qualquer intervenção no subsolo, como a construção de vias do metrô, já que a terra encharcada é mais difícil de ser sustentada. ;No final das asas Sul e Norte, constatamos que existem áreas em que o curso d;água está a apenas dois metros de profundidade. Próximo ao Parque Olhos d;Água, por exemplo, a água está muito próxima da superfície;, destaca o professor Newton.
Para o especialista, a consolidação das obras subterrâneas é uma forma de garantir a qualidade de vida na cidade e reduzir os impactos do crescimento exagerado da frota de veículos. ;Infelizmente, o homem ainda tem receio com relação à exploração do subsolo. Para minimizar esse problema, os espaços têm que ser bem amplos e iluminados, para dar uma sensação de segurança;, afirma o orientador da pesquisa.
O mesmo trabalho realizado no Plano Piloto será feito por outra equipe de pesquisadores na área do futuro Setor Noroeste. O projeto é financiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal e vai fornecer dados para uma melhor ocupação urbana do novo bairro. O que se sabe até agora sobre o Noroeste é que a região tem zonas como solo arenoso, mas pouco espesso, e outras com solo argiloso. Também já foram detectadas áreas com o lençol freático bem aflorado.
Argila e drenagem
Se os dados da pesquisa da UnB podem parecer de difícil compreensão para os leigos, o engenheiro José Gaspar de Souza está acostumado com essa realidade há décadas. O presidente da Companhia do Metropolitano do Distrito Federal (Metrô-DF) comenta que é possível prever o que será encontrado durante as escavações, mas destaca que, às vezes, esse trabalho traz algumas surpresas.
;Em 1993, durante escavações para a execução do túnel do Plano Piloto, os estudos diziam que o solo era argiloso. Mas em uma área próxima à quadra 102 Sul, nos surpreendemos ao encontrar argila misturada a areia, o que deixava a área mais instável;, relembra Gaspar. Ele conta que, da 106 à 110 Sul, o solo era totalmente propício à construção do túnel. ;Já na altura da 112 à 116 Sul, tivemos que fazer um trabalho de drenagem por causa do lençol freático;, afirma o presidente do Metrô. Entre a 106 e a 116 Sul, existem atualmente quatro estações. A mais recente delas, a da 112/113, entrou em funcionamento na primeira semana de maio.
Expansões
José Gaspar garante que os técnicos da companhia fazem um trabalho constante de análise do subsolo a fim de amparar os estudos para possíveis expansões. Na Asa Norte, equipes fizeram estudos do subterrâneo da região próxima ao Hospital Regional da Asa Norte (Hran), que deve abrigar a primeira estação de metrô do bairro. Até agora, os estudos apontaram a viabilidade da obra.
O secretário de Obras, Márcio Machado, destaca que a exploração do subterrâneo da capital vai ser essencial para melhorar o transporte público e aumentar a oferta de vagas de estacionamento. ;Além do metrô, o VLT (veículo leve sobre trilhos) também passará pelo subsolo na área central da cidade. Temos estudos para levar o metrô ao Eixo Monumental, além de vários projetos de obras como galerias de águas pluviais. Felizmente, o tipo de solo de Brasília facilita muito a execução de obras como essas;, explica Machado. (HM)