Ao chegar na Igrejinha Nossa Senhora de Fátima, na 307/308 Sul, ontem, Francisco Galeno recebeu a ordem: deveria desmontar os andaimes e paralisar a pintura dos painéis que adornam as paredes do templo. Sem entender o que estava acontecendo, telefonou para o superintendente regional do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Alfredo Gastal, e pediu orientação. Do outro lado da linha, Gastal confirmou. O artista deveria suspender o trabalho que realiza há quatro meses na igreja. Desde que começou a pintar as telas, Galeno é bombardeado de críticas de fiéis que não aprovam sua arte moderna, colorida e abstrata. Agora, porém, as reclamações chegaram ao Ministério Público Federal, que decidiu recomendar a interrupção da pintura.
Um grupo de paroquianos fez uma representação contra a obra. Eles entregaram um abaixo-assinado com 68 assinaturas, onde pedem que os procuradores intercedam para que as paredes voltem a ser como eram: pintadas de azul e branco. A procuradora da República Ana Paula Mantovani Siqueira recebeu a lista e enviou, na última segunda-feira, um ofício ao Iphan pedindo informações sobre a contratação do artista e a pintura dos painéis. A procuradora deu um prazo de cinco dias para o instituto prestar os esclarecimentos e informou, por meio da assessoria de imprensa, que a atuação é preventiva.
Gastal recebeu o ofício ontem de manhã e decidiu acatar a recomendação. Ele quer aguardar a repercussão da medida para saber qual é a opinião da comunidade como um todo. ;Os frades responsáveis pelo templo me falaram que a Igrejinha tem cerca de 10 mil fiéis e o abaixo-assinado tem só 68 assinaturas, o que não significa muita coisa;, disse. O superintendente do Iphan, no entanto, defende o diálogo entre Galeno e a comunidade. ;Até cheguei a falar com ele se não era possível fazer alguma coisa um pouco mais palatável ao gosto dos fiéis. Estou sentindo que essa atitude dos moradores pode ser um encaminhamento para a destruição dos painéis, mais uma vez;, afirmou, referindo-se às telas de Alfredo Volpi que foram depredadas na década de 1960 (veja Para saber mais).
Dois dos três painéis da Igrejinha estão prontos. Nas duas laterais, Galeno faz uma referência às três crianças que viram Nossa Senhora de Fátima. Elas são representadas por colunas coloridas e pipas. As duas meninas estão rodeadas por flores, que fazem alusão aos vestidos delas. Os brinquedos das crianças estão na segunda tela, cheia de pipas e carretéis. A imagem da santa está no painel central, que fica nos fundos do altar. Ele ainda está sendo finalizado e seria entregue em duas semanas. ;Procurei representar o sonho dos meninos em um trabalho bem simples. Mas eles falam que estou profanando a igreja;, diz. ;Não posso mudar tudo, pois também tenho minha fé, que é minha arte;, ressaltou Galeno. Ele já mudou a versão do desenho duas vezes. Na primeira delas, Nossa Senhora de Fátima tinha formato triangular e uma pipa representando o rosto, o que causou grande polêmica.
Festa junina
Parte da comunidade, no entanto, não entende a proposta do artista. Os fiéis dizem que as cores usadas lembram carnaval, festas juninas e até candomblé. ;Está um pavor;, opinou Sérgio Camões, 75 anos, morador da 307 Sul. ;Por mim, passava tinta em tudo. Essas cores não levam ninguém a pensar em Deus. O que são essas bandeirinhas? É festa de São João ou bumba-meu-boi?;, completou Sônia Bandeira, 50 anos, também moradora da 307.
Após parar a pintura na manhã de ontem, Galeno permaneceu na Igrejinha por algumas horas e também recebeu elogios. ;Ficou excelente. Essas pessoas são extremamente preconceituosas com a arte contemporânea;, disse Marcos Macedo, 45 anos. O pároco da igreja, frei Odolir Eugênio Dal Mago, se coloca no papel de mediador entre os paroquianos e o artista. ;Sofro pressão dos dois lados. Sempre defendi que ele fizesse algo que a comunidade gostasse. A devoção do povo precisa ser respeitada;, afirmou.