O geólogo Márcio Pimentel, 50 anos, se define como um homem ;econômico em tudo, inclusive nas palavras.; Empolga-se mais em medir a idade das pedras dentro do laboratório do que em discursar para plateias em auditórios. Talvez por isso, afirme que nunca mais quer participar de uma campanha eleitoral como a que disputou para a reitoria da Universidade de BrasÃlia (UnB), ano passado, e perdeu. Agora, sem ter de enfrentar embates tão ferrenhos, Pimentel foi eleito por unanimidade, pelos 12 integrantes do Conselho Superior da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento CientÃfico e Tecnológico (Finatec), como novo diretor-presidente. Toma posse à s 18h30, com mais oito integrantes da direção.
Professor da UnB há 20 anos, pesquisador reconhecido internacionalmente, com doutorado em Oxford, na Inglaterra, e membro da Academia Brasileira de Ciência, Pimentel tem como instrumento diário de trabalho um espectômetro de massa com fonte de plasma. Agora, terá um desafio mais complicado do que seria para um leigo operar o tal aparelho que custa nada menos que US$ 1 milhão. A missão do cientista é reconstruir a imagem da Finatec, que teve prejuÃzo de R$ 4 milhões no ano passado. A entidade acaba de sair de uma intervenção judicial que durou um ano, depois de ser alvo de denúncias do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.
A entidade foi acusada de desvio de finalidade, de realizar contratos irregulares, de burlar licitações públicas e de bancar gastos do ex-reitor da UnB, Timothy Mulholand. SaÃram dos cofres da Finatec os R$ 470 mil usados para mobiliar a luxuosa cobertura funcional onde morava Mulholand, na Asa Norte.
Sem vÃnculos
Pimentel foi decano de pesquisa e pós-graduação na gestão do ex-reitor e chegou a ser apontado como candidato timothista. Em entrevista exclusiva ao Correio, ele afasta qualquer vÃnculo com Mulholand. ;Eu não o represento. Tenho a minha história. Minha eleição para a Finatec representa a volta dos pesquisadores à direção da entidade, o que é muito importante para apoiar a UnB. Não deixarei a fundação ser usada como instrumento polÃtico;, afirma.
Pimentel destaca que não é possÃvel fazer ciência no Brasil sem o apoio de fundações como a Finatec, e prega a transparência. ;Por não mostrarem o que fazem, as fundações foram mal interpretadas em alguns casos. A sociedade tem que saber o que se passa lá dentro. Não tenho vergonha de mostrar o que faço;, sustenta. O primeiro passo é garantir a renovação de credenciamento da Finatec junto à UnB.
Entrevista - Márcio Pimentel
O que o motivou a apresentar seu nome como candidato à direção da Finatec, uma entidade envolvida em tantos problemas?
Tive uma motivação pessoal, mas não individual. Acredito na importância das fundações, hoje, para as universidades, principalmente para os pesquisadores. Por experiência própria, tive projetos que não seriam possÃveis sem a Finatec. É uma maneira de contribuir para todo o setor de pesquisa e, em consequência, para a sociedade. Teve gente que me chamou de louco e teve gente que me incentivou. É preciso resgatar a Finatec. Adoraria colocar todos os meus projetos na Fundação Universidade de BrasÃlia (Fubra), que é o meu empregador, paga meu salário, mas é impossÃvel. As condições de recursos, de espaço fÃsico e de funcionários são limitadas.
O senhor acha que a Finatec realmente sofreu desvio de finalidade?
Quero que a Finatec cumpra à risca seu estatuto. Quero vê-la apoiando o pesquisador e ponto. Se houve, não sei. O que posso afirmar é que não haverá. E dinheiro público tem que ser tratado mesmo como dinheiro público e não como privado.
O senhor sofreu assédio de pessoas interessadas em usar a Finatec para futuros projetos?
Não fui, não preciso disso e não tenho medo. Não dependo disso. O que quero é fazer o que é certo.
O que tem a dizer sobre o vÃnculo que lhe atribuem com o ex-reitor Timothy Mulholand?
Fui decano do ex-reitor com muito orgulho. Servi minha universidade, servi aos pesquisadores da UnB. Não faço parte de grupo polÃtico algum, nunca fiz polÃtica na universidade. Nunca participei de campanha eleitoral, a não ser a última em que fui candidato.
E como foi a experiência da campanha para reitoria e ser apontado como candidato timothista?
Foi horrÃvel. Quem me apoiou foi o grupo de pesquisadores da UnB, não o grupo do Timothy. Eu tenho a minha história. Não fico chateado em me vincularem a ele. Durante a campanha foi ruim, desgastante, mas agora não me incomoda mais. Mas não quero nunca mais participar de campanha.
O senhor acha as denúncias contra o ex-reitor procedentes?
Ele está sendo julgado. Prefiro não me manifestar. Eu não conheço os detalhes das denúncias. Muitas coisas os professores não sabem. Não quero fazer juÃzo de uma pessoa antes de a Justiça fazer isso.
Como o senhor acha que vai ser a relação com o atual reitor, José Geraldo de Sousa, já que o enfrentou na disputa pela reitoria no ano passado?
Sou uma pessoa conciliadora. O professor José Geraldo também é. Da minha parte, não haverá desconforto. A primeira coisa que fiz após ser eleito foi marcar audiência com ele. Quero conversar abertamente e desfazer qualquer mal-estar. Não quero atrapalhar em nada. O importante é aproximar a Finatec da universidade, colocar-nos à disposição. As duas candidaturas no fundo queriam a mesma coisa: o bem da universidade. Quero tranquilizá-lo que minha condução à Finatec não tem nada a ver com polÃtica. E existem 1,4 mil doutores na UnB na expectativa de que a produção da ciência seja estimulada.
O MP aponta que a estrutura da Finatec é muito grande. E há um prejuÃzo considerável. Quais serão as medidas para reverter isso?
Vamos ter que buscar novos parceiros, novos projetos de pesquisa. Reconstruir a imagem da instituição. Preciso tomar pé da situação para tomar as devidas decisões. Ainda não posso adiantar medidas. No popular, vamos ter que correr atrás.
Como está o processo de recredenciamento da Finatec junto à UnB?
Não está no nosso imaginário não conseguir o recredenciamento. Vou conversar com o reitor José Geraldo. É uma relação de duas mãos. Temos condições de atender os critérios para renovar o credenciamento.
E a relação com o Ministério Público?
A presença do MP é uma garantia. Não os vejo como inimigos, mas como aliados. Para minha saúde fÃsica, não quero estar brigando com promotores. Eles sabem o que está certo.
Qual foi o sentimento quando o senhor pediu demissão do cargo de decano na gestão de Timothy? Como o senhor avalia esse capÃtulo na história da UnB?
Queria voltar para o meu laboratório, para as minhas pesquisas, para os meus alunos. Achei ruim o que se passou, para todos nós, para a sociedade. Mas de certa forma foi um alerta, para a gente se recuperar, olhar para o futuro, caminhar num rumo como o movimento estudantil mostrou, o Ministério Público mostrou.
O que achou da mobilização do movimento estudantil naquele momento?
Achei diferente. Se perguntar se sou a favor ou contra invasão à reitoria, afirmo que sou contra. Mas aquele movimento foi importante e não pode ser ignorado.
Também incomodaram o senhor os gastos com a cobertura do reitor?
Incômodo todos sentiram. Tenho minha casa e lá recebo as pessoas que quero, mas não gosto de julgar as pessoas.
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