A violência no trânsito, que já matou 99 brasilienses este ano, expõe ainda mais crianças e idosos. A maioria das pessoas com idade até 9 anos ou acima de 60 que morrem em acidentes nas vias da cidade é vítima de atropelamentos. Neste fim de semana, os personagens dessa tragédia cotidiana foram Yasmin Alice Martins Jesus, 5 anos, e Iracema Martins Machado, 68. A menina foi atropelada na noite de sábado, em frente à casa da família, em Taguatinga. O motorista fugiu sem prestar socorro. Iracema acabou atingida por um condutor alcoolizado na manhã de ontem, próximo à via Estrutural. Levada ao Hospital Regional de Taguatinga (HRT), a mulher morreu pouco depois do atropelamento.
A pequena Yasmin estava empolgada com a festa surpresa para o tio. Por volta das 20h de sábado, se arrumou para esperar o parente na casa onde ela vive com os pais e a irmã de um ano, na QNL 5 de Taguatinga. Colocou o vestido novo, com detalhes cor-de-rosa, que tinha ganhado de presente em fevereiro. O aniversariante e motorista, Charles Vieira, 35, lembra que a criança estava eufórica ao comentar inocentemente: ;A festa é sua, mas não conta para ninguém que é surpresa;. Depois da janta, ela e os primos saíram para brincar na rua. Na hora do bolo, no entanto, a menina recebeu a missão de convocar a criançada para os parabéns. Eram 22h40. Yasmin saiu e não voltou.
Ninguém sabe ao certo como ocorreu o atropelamento. Até o fechamento desta edição, as únicas testemunhas eram primos e um tio da vítima, que estavam próximos ao local da tragédia. Segundo eles, um Gol vermelho ; modelo antigo, mais conhecido como ;quadrado; ; passou em alta velocidade pela pista entre os conjuntos A e B da quadra. ;Ouvimos um estrondo, mas não sabíamos o que tinha acontecido;, comentou Arcídio Gonçalves Júnior, 22, tio da criança. De acordo com ele, após o impacto, o motorista jogou uma sacola de supermercado pela janela e arrancou. ;Vimos algo na pista, mas era noite e não sabíamos se era uma caixa, um cachorro. Quando fui ver, era a minha sobrinha;, lembrou.
O sargento aposentado do bombeiros e tio de Yasmin, Cleuton Rafael Gonçalves, 50, prestou os primeiros socorros. ;Ela estava imóvel e bem machucada, mas ainda respirava. Resolvemos improvisar uma maca e levar ela para o hospital, pois o pulso começou a baixar;, contou ele, em prantos. Poucos minutos depois, a caminho do HRT, o militar da reserva sentiu a sobrinha morrer em seus braços. No local do atropelamento, ficaram um pedaço da grade da parte dianteira do Gol, uma poça de sangue e a sacola que teria sido jogada pelo condutor do veículo. ;Tinham cacos de duas garrafas de cerveja no saco e um par de luvas de borracha. Ele pode ter fugido por estar bêbado;, observou Cleuton.
Peritos recolheram vestígios e analisaram o lugar. De acordo com o delegado plantonista da 12ª DP (Taguatinga Centro), Robson Cândido, um laudo preliminar sobre os objetos e o local do crime deve sair hoje. ;Ainda não sabemos do motorista. Nossas equipes estão nas ruas, mas contamos com a ajuda de testemunhas que tiverem
informações;, comentou o delegado, referindo-se ao número do Disque Denúncia (197), que garante o anonimato do informante. A família, inconsolável, pede justiça. ;Ele tirou a vida da minha filha de uma forma covarde. Meu mundo acabou;, disse a mãe de menina, Camila Aparecida, 24. Yasmin, que cursava o jardim II e sonhava em ser médica, foi enterrada ontem.
Prisão
Menos de 12 horas depois da morte da criança, Iracema Martins Machado, 68 anos, morreu ao ser atropelada por um motorista embriagado na pista marginal da via Estrutural. O condutor do Kadett cinza (JDT-4694/DF), o frentista Otávio Pereira Sampaio, 41, havia bebido 10 vezes mais do que o tolerado pela lei. O bafômetro acusou a presença de 1,03 miligrama de álcool por litro de ar expelido pelos pulmões. A legislação permite até 0,1. Preso em flagrante, o homem pode pegar até 30 anos de cadeia pelo homicídio doloso ; com intenção de matar ; e por dirigir embriagado. ;Passei a noite no trabalho e depois bebi cerveja com um amigo. Quando vi, já estava em cima dela;, disse ele ao Correio.
A tragédia ocorreu por volta das 10h30, na altura do km7, sentido Taguatinga;Plano Piloto. Iracema, moradora do Setor O, em Ceilândia, ia comemorar o aniversário da irmã em uma chácara em Vicente Pires. Segundo testemunhas, a mulher tinha descido do ônibus e estava em um barranco, às margens da pista. ;A via está em obras, não tem nenhum tipo de sinalização. Ouvi o barulho da freada e da batida;, contou uma testemunha, que preferiu não se identificar. Ele foi o primeiro a chegar no local para tentar tirar o corpo da idosa debaixo do carro. ;Pedi ajuda para ele (Otávio), mas estava tão bêbado que mal conseguia ficar em pé;, lembrou. O condutor, pai de um filho, aguardará o julgamento na cadeia.
Em janeiro do próximo ano, Iracema completaria 50 anos de casada com Calmon Alves Machado, 71. ;Ela era muito dinâmica e independente. Tenho carro, mas ela fazia questão de andar de ônibus;, lembrou o companheiro. Reunida na casa da vítima, a família estava abatida. ;Queria que minha mãe estivesse aqui. Ela estava tão feliz, ontem foi o aniversário de 15 anos da neta. Agora só nos resta que a justiça seja feita;, pediu o filho Izaque Machado, 48. O enterro de Iracema, que deixa seis filhos e 18 netos, está marcado para hoje, às 16h30, no Campo da Esperança.
COLABOROU PRISCILA MENDES
Faixas etárias de risco
De janeiro de 2008 até agora, 52% das crianças com idade até 9 anos que perderam a vida no trânsito foram vítimas de atropelamento. Desde o início do ano passado, 17 meninos e meninas morreram em acidentes nas vias do Distrito Federal. Desse total, nove foram atropelados. No caso de idosos com mais de 60 anos, esse percentual é ainda maior. Levantamento do Detran mostra que 65 pessoas na faixa etária morreram no período. Dessas, 61% (40) foram atropeladas.
O mestre em engenharia de trânsito pela Universidade de Brasília (UnB) José Leles explica que idosos e crianças são mais vulneráveis a esse tipo de acidente por uma questão biológica. ;O primeiro fator está relacionado ao tempo que eles levam para fazer travessias de pistas. Invariavelmente, vão demorar mais para atravessar. Outro ponto que influencia é o tempo de reflexo das pessoas nessas idades, que tende a ser menor;, afirmou o especialista. ;Os motoristas devem respeitar os limites de velocidade. Assim, aumenta o tempo de reação dos pedestres;, sugeriu Leles. Só este ano, 30 pessoas morreram atropeladas nas vias do DF. (HM e JC)
Memória
4 de maio de 2009
Gabriel dos Santos Pereira, de seis anos, morreu atropelado na Estrutural. Ele estava sentado no cano da bicicleta do irmão mais velho, que se desequilibrou. A criança caiu no chão e foi atropelada por um caminhão que passava na Avenida Luiz Estevão. Gabriel morreu na hora.
12 de abril de 2009
Um motorista alcoolizado e sem carteira de motorista atropelou quatro crianças e uma mulher em Ceilândia. As vítimas estavam em frente à casa da família quando o Corsa JET-9627-DF, conduzido pelo pedreiro William Martins Freire, invadiu a calçada. Todas as crianças tiveram escoriações, mas ninguém morreu.
18 de fevereiro de 2009
Cássia Yohana Rocha, de seis anos, morreu na quadra 403 de Samambaia. A menina seguia para a escola na companhia da mãe quando se soltou das mãos dela e seguiu para a pista. Cássia foi atingida por um carro e chegou a ser socorrida com vida, mas morreu pouco depois no Hospital de Base.