Trabalhos assinados pelo artista plástico Athos Bulcão e o paisagista Roberto Burle Marx estão em perigo desde o início da reforma do Palácio do Planalto. Projeto feito pelo escritório do arquiteto Oscar Niemeyer em Brasília prevê a remoção de três painéis de azulejos, integrados a um jardim de inverno de um dos andares do edifício-sede da Presidência da República. A justificativa é recolocá-los em lugar mais acessível ao público. Mas entidades ligadas à preservação do patrimônio de Brasília temem a destruição das obras de arte e denunciam descaso.
A discussão começou em janeiro deste ano. Carta enviada pela Secretaria de Administração da Casa Civil pediu à Fundação Athos Bulcão (Fundathos) para acompanhar as reformulações no 4º piso do prédio. O documento, assinado pelo secretário-substituto de Administração da Casa Civil, Antônio Fúcio de Mendonça Neto, cita a retirada dos painéis do artista plástico. ;Solicito que essa Fundação proceda ao remanejamento do painel de Athos Bulcão nestas instalações, a fim de resguardar sua integridade e manutenção, para posterior recolocação em momento oportuno; escreveu ele, no dia 20.
A diretora executiva da Fundathos, Valéria Cabral, estranhou o pedido. Entrou em contato com a Presidência e visitou o local para rever os painéis. ;Disse para eles que a fundação não faz esse tipo de coisa. Mas o que causa mais estranheza é que a decisão de remover tudo está tomada. Vão derrubar o trabalho de um homem que completaria 100 anos agora (Burle Marx) e de outro que morreu não faz nem um (Bulcão). Isso às vésperas de Brasília chegar aos 50 anos. Imagina o que farão no centenário;.
Mesmo assim, Valéria pediu que o técnico em conservação e restauração Wagner Matias de Sousa avaliasse a possibilidade de transferência das obras. O responsável pela restauração dos azulejos da Igrejinha Nossa Senhora de Fátima, na 307/308 Sul ; danificados por um incêndio no início do ano ; esteve no 4º andar do Palácio do Planalto. Reparou que há como remover os painéis, mas não sem chance de se quebrar muitos azulejos ; há três blocos de paredes, com azulejos desenhados em verde e azul, integradas aos jardins de Burle Marx.
Wagner classificou a remoção como ;possível;, mas de ;alto risco e de alto custo;. A operação obrigaria os responsáveis pela obra a repartir os painéis. Não há técnicas capazes de retirá-los por inteiro ; os azulejos estão em bom estado de conservação, mas concretados. ;A chance de quebra é grande. Mesmo a remoção por blocos seria traumática, pois existe a possibilidade de os azulejos se fragmentarem. Neste caso, seria necessário refazer as peças danificadas pela intervenção;, explicou o restaurador.
Niemeyer
O Palácio do Planalto é um projeto do arquiteto Oscar Niemeyer, inaugurado no mesmo dia da nova capital, em 21 de abril de 1960. A construção da sede do Executivo federal começou em 10 de julho de 1958. O prédio de 36 mil metros quadrados tem quatro andares. O último pavimento abriga os escritórios da Casa Civil e do Gabinete de Segurança Institucional. É onde a composição feita pelos painéis de Athos Bulcão e os jardins de Burle Marx se mantém fixada na parte central do piso. A partir da reforma, no entanto, será desconfigurada.
Segundo o arquiteto Carlos Magalhães, representante do escritório de Niemeyer em Brasília, o projeto prevê a reformulação completa do lugar também para deixar as obras mais expostas aos visitantes. ;As mudanças farão com que a transferência dos azulejos permita montar uma parede mais à vista de todos;, defendeu. Segundo Magalhães, a relocação das peças será feita com cuidado para não destruir o trabalho. ;Tudo será feito para preservar o patrimônio. Temos como fazer isso sem destruí-lo ;, afirmou.
A Casa Civil informou, por meio de nota divulgada pela assessoria de imprensa, que ;todo o trabalho será realizado dentro dos padrões de excelência técnica exigidos pela sua importância, buscando para tanto, como já está sendo feito, o apoio de outros órgãos, como por exemplo: do Iphan e da Fundathos;. Segundo o comunicado, o projeto da reforma foi elaborado por Niemeyer. Cita ainda trecho de carta do próprio arquiteto, que ;para os azulejos de Athos Bulcão, aplicados nos jardins do quarto pavimento, previmos parede específica no saguão projetado nesse mesmo piso;. As obras continuam intocadas.
A nota conclui com a afirmação de que as alterações contam com o aval do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Porém, o superintendente regional do órgão, Alfredo Gastal, não apoia as modificações. ;É absolutamente incoerente que isso esteja sendo feito desta forma. Mas o Iphan se detém hoje por um problema ético, pois o projeto é do próprio Niemeyer;, disse. O Iphan e a Diretoria de Patrimônio Histórico e Artístico (Depha) elaboram um inventário dos trabalhos de Bulcão para que sejam tombados como Patrimônio Artístico e Cultural.
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