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Vale do Amanhecer: disputa entre médiuns e filho da Tia Neiva divide seguidores

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postado em 01/05/2009 08:37
Hoje, a comunidade do Vale do Amanhecer, em Planaltina, comemora o Dia do Doutrinador em pé de guerra. Os seguidores da doutrina brigam pela liderança da seita e o racha deve afastar fiéis e admiradores das comemorações que há 40 anos levam milhares de pessoas ao local. Parte dos médiuns acusa um dos filhos de Tia Neiva, Raul Zelaya, de desvirtuar a crença e querer comandar a doutrina por interesses financeiros. Eles dizem que nem vão participar das celebrações de hoje. A outra metade apoia o médium e diz que as acusações contra ele fazem parte de um jogo de vaidades. Ano passado, 8 mil pessoas participaram dos festejos, pouco mais de um terço dos presentes cinco anos antes, quando 22 mil pessoas estiveram no Vale do Amanhecer em 1º de maio. Apesar da queda no número de seguidores, quem vive na comunidade tenta resistir. Mas os desentendimentos entre os grupos é visto como uma ameaça à doutrina. O conflito dura mais de quatro anos e se acirrou há um mês, quando, em uma reunião tensa, Raul aprovou um novo estatuto para o Vale do Amanhecer. Além das acusações de ambos os lados, a briga inclui uma disputa judicial. A ação, movida pelos opositores do filho de Tia Neiva, corre no Fórum de Planaltina, mas ainda não houve qualquer decisão, nem em caráter de liminar. No processo, a comunidade tenta anular o estatuto aprovado no meio da polêmica. Tia Neiva foi a médium que fundou a doutrina, em 1959 (veja Para Saber Mais). Antes de morrer, em 1985, ela elegeu quatro homens para sucedê-la (chamados de trinos): Mário Sasi, seu companheiro; Nestor Sabatori; Michel Hanna e Gilberto Zelaya, o filho mais velho. Raul Zelaya era um dos responsáveis pela administração da doutrina, mas acabou subindo na hierarquia depois que Nestor morreu, em 2004. ;Isso está previsto no estatuto. O Mário já tinha morrido e não poderiam ficar apenas dois trinos;, justifica ele. Segundo Raul, o conselho de trinos o nomeou diretor-presidente da doutrina em 1986. ;Minha mãe era presidente. Com a morte dela, o Gilberto assumiu por um ano e depois passou para mim;, conta. Mas a nomeação de Raul para presidente e trino não é reconhecida por todos o médiuns. ;Ele foi registrado como trino no cartório. Nunca teve determinação da Tia Neiva para participar de nada;, afirma Gerson Fernando dos Santos Pinto, 54 anos, seguidor da doutrina há 32 anos. ;Ele só usa o uniforme, não tem nenhum tipo de desenvolvimento. Fala que veio aqui para mandar e não para trabalhar;, completa Cícero Oliveira, 59 anos, médium há 35 anos. O grupo ao qual pertence Cícero e Gerson defende a volta de Michel Hanna para o comando da doutrina. ;Ele está no ostracismo, afastado por ameaças. E foi consagrado pela própria Tia Neiva, quando ela ainda era viva;, dizem. Novas regras Em 19 de março, Raul convocou uma assembleia, na qual apresentou o novo estatuto para a comunidade. Cerca de 300 pessoas estavam reunidas no auditório do Vale do Amanhecer e a proposta causou estranhamento em muitas delas. Os opositores a Raul afirmam que o documento transforma a Obras Sociais da Ordem Espiritualista Cristã(Osoec) Vale do Amanhecer em uma associação, nomeia Raul como diretor-presidente vitalício e prevê a expulsão dos membros da Osoec que se opuserem a ele. ;É uma inquisição espiritual;, acusa Gerson. ;Sempre contribuímos com a doutrina de forma espontânea. Mas toda associação cobra mensalidade dos associados;, teme Cícero. A assembleia se transformou em uma enorme confusão. Policiais tiveram que comparecer ao local armados para controlar os ânimos e cerca de 10 viaturas estavam estacionadas em frente ao auditório no final da reunião. Mas o estatuto acabou aprovado e homologado no cartório. ;Meia dúzia de pessoas levantou a mão e ele (Raul) considerou aprovado;, conta Gerson. Raul, no entanto, defende-se. Diz que o estatuto é apenas uma adequação ao antigo, feito em 1986, afirma que não cobrará nenhum tipo de mensalidade e garante que não tomará qualquer decisão sozinho. ;Em vez do conselho de trinos, teremos um conselho superior doutrinário, composto por 21 pessoas. O conselho sempre vai definir sobre a doutrina. A presidência é para resolver a parte administrativa e jurídica;, argumenta. De acordo com Raul, a insatisfação é por causa da criação do Conselho de Ética e Disciplina no Vale do Amanhecer, que pode dar advertências, suspensão e até expulsar os médiuns. ;Querem inventar coisas a mais do que a mamãe deixou por escrito. Eu gosto de organização, sabe? Não vou deixar que humilhem as pessoas e que os rituais aqui dentro acabem em brutalidade;, justifica. Raul refere-se ao episódio ocorrido em abril de 2006, quando Michel Hanna consagrou 108 novos médiuns no Vale do Amanhecer. Com a justificativa de que o trino tinha renunciado à doutrina, ele tentou impedir o ritual e fechou as portas do Templo Mãe. A cerimônia aconteceu em frente ao templo, mas nenhum dos 108 médiuns consagrados na ocasião é autorizado a comandar rituais dentro do Vale do Amanhecer. ;Só houve a consagração porque a polícia baixou aqui. Mas é triste não podermos comandar nenhum trabalho aqui dentro. Ele quer poder e, 15 dias depois de toda a confusão, consagrou 268 médiuns, sem a presença de nenhum dos trinos nomeados por Tia Neiva;, conta Uires Alves Azevedo, 41 anos, um dos médiuns consagrados por Michel. ;Ele (Michel) renunciou à doutrina na frente de mais de mil pessoas. Foi no pé do Cristo e disse que não queria mais continuar. O ritual não tem validade nenhuma e não posso permitir que os médiuns comandem trabalhos aqui e enganem os pacientes;, justifica Raul Zelaya. Michel Hanna, 78 anos, diz que não renunciou à doutrina, mas informou que se afastaria por uns dias, pois faria uma viagem ao exterior. ;Fiquei dois meses fora e, quando voltei, a bagunça estava criada;, conta. ;Não estou mais na idade de brigar, mas não ia abandonar uma doutrina que abracei há 41 anos. Agora, ele não quer me deixar participar dos rituais.; O médium defende a criação de um estatuto que organize o Vale do Amanhecer, mas condena o documento criado por Raul. ;Daqui a pouco vou embora como meus outros colegas trinos e é preciso organizar essa doutrina para que ela não morra. Mas ele quer tudo para ele. O Raul não recebeu nenhuma classificação da mãe dele;, acusa. Para saber mais Um milhão de seguidores: Até 1959, quando tinha 33 anos, Neiva Chavez Zelaya era uma mulher comum e não havia demonstrado qualquer tendência mediúnica, religiosa ou de liderança. O único traço que a distinguia das demais mulheres daquela época era o fato de ter se tornado motorista de caminhão após ficar viúva, 11 anos antes, com quatro filhos para criar. Nascida em Propiá, em Sergipe, Neiva trabalhou na construção de Brasília, onde locou um de seus dois caminhões para a Novacap, empresa que construiu a nova capital. Na ocasião, ela vivia no Núcleo Bandeirante. Segundo relatos, as primeiras manifestações mediúnicas que sentiu a perturbaram, pois era católica e os supostos poderes paranormais a incomodavam. O aumento dos fenômenos de clarividência fez com que ela buscasse explicações no espiritismo. Com a busca, Neiva abandonou parcialmente sua vida profissional e dedicou-se à implantação do sistema que hoje se chama Vale do Amanhecer. Os seguidores da doutrina contam que, nas manifestações em que foram transmitidos os diversos símbolos da seita, ela teria recebido a determinação de fundar o primeiro templo. A doutrina do Vale do Amanhecer reúne ensinamentos cristãos, elementos históricos e conceitos do espiritismo, mas não é considerada religião pelos seguidores. A primeira comunidade, fundada em novembro de 1959, funcionava na Serra do Ouro, próxima à cidade de Alexânia, Goiás, e se chamava ;União Espiritualista Seta Branca;. Em 1964, mudou-se para Taguatinga, onde funcionou a Ordem Espiritualista Cristã e, em 1969, para o local hoje conhecido como Vale do Amanhecer, na zona rural de Planaltina. Tia Neiva morreu em 15 de novembro de 1985 de uma doença respiratória. Atualmente, a crença é seguida por cerca de 1 milhão de pessoas no mundo. Há 623 templos espalhados por países como Estados Unidos, Portugal, Alemanha, Bolívia e até Japão. O templo em Planaltina é usado para rituais e atendimentos espirituais diários aos visitantes, que são chamados de pacientes.

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