Jornal Correio Braziliense

Cidades

Pesquisadora da UnB cria glossário com siglas e palavras utilizadas para indicar lugares da capital



Dicionário deve ser publicado antes de abril de 2010 e vai ajudar estrangeiros e os próprios moradores

Fazer uma tesourinha para pegar o Eixão até o Setor de Autarquias Sul é um dos roteiros mais corriqueiros para o brasiliense, mas pode ser um terror para os turistas que tiverem apenas essas indicações como referência. Brasília é uma cidade diferente de qualquer outra no mundo. Baseada numa lógica matemática, a capital do Brasil deveria ser facilmente compreendida por qualquer forasteiro que pusesse o pé no Plano Piloto. Mas os setores e siglas em que a cidade está dividida demoram para ser decifrados. Pelo menos até agora. Uma pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB) decidiu acabar com a agonia de quem se perde pela capital e reuniu em um dicionário siglas e nomes que só se escutam no Distrito Federal. A professora de português Flávia de Oliveira Maia Pires sentiu dificuldades para se situar quando chegou a Brasília há 15 anos, mas a carioca só percebeu como era difícil entender a cidade quando seus alunos estrangeiros começaram a lhe pedir informações sobre endereços. ;Nem soube explicar, nem encontrei material sobre o assunto;, lembra a professora. Flávia dá aulas particulares para diplomatas de todo o mundo ; de norte-americanos a ucranianos ; e decidiu elaborar uma ferramenta que auxiliasse quem vem de fora. A dissertação de mestrado defendida por Flávia neste mês no Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas (LIP) da UnB deve ser publicada em formato de dicionário até abril de 2010, quando Brasília completa 50 anos. O livro Glossário de Termos da Organização Urbana de Brasília vai descrever e explicar o que é uma tesourinha e apontar onde fica o Eixão, ou Eixo Rodoviário-Residencial, como a via foi nomeada inicialmente. O glossário também conta com uma lista de siglas, terror de quem pretende encontrar um endereço e não faz a mínima ideia do que elas significam. Coordenadas Inicialmente o manual serviria apenas para estrangeiros, mas uma pesquisa rápida pelas ruas de Brasília mostra que mesmo os moradores da capital se enrolam ao tentar traduzir as siglas da cidade. ;SEPN? Setor Esportivo%u2026 essa eu não sei, não;, admite o taxista Moacir Antônio dos Santos, 59 anos, que dirige pela capital há 26. ;Mexer com essas siglas é difícil;, concorda o colega Carlos Rafael, 38. Carlos comenta que os brasilienses não costumam utilizar as siglas quando solicitam uma corrida. ;O problema é com os estrangeiros. Um dicionário como esse ia ajudar muito, porque eles dariam as coordenadas de uma forma mais simples;, considera. Para compor a amostra de 216 verbetes do glossário (que vêm acompanhados por uma frase que os contextualiza), Flávia reuniu dados de documentos, materiais de turismo e jornais, e tomou como ponto de partida o relatório de Lucio Costa sobre a cidade, escrito em 1957. ;Baseado em Le Corbusier, Lucio Costa projetou a cidade em função do homem. Por isso, está tudo dividido em setores;, explica a professora. Segundo Flávia, Brasília é uma cidade conceitual, ou seja, é preciso pensar no conceito de cada setor para se localizar. Apelidos As variantes populares que algumas localidades ganharam ao longo dos anos não colaboram com os visitantes. O Conic, por exemplo, é o Setor de Diversões Sul (SDS). A alcunha pela qual o conhecemos é uma apropriação do nome da empresa responsável por construir os primeiros prédios a ocupar o setor. Se buscar pelo setor de diversões, o turista pode encontrar dificuldades para chegar. O mesmo deve acontecer com o parque. O que o brasiliense conhece como Parque da Cidade foi planejado para ser o Setor de Recreação Pública Sul (SRPS). E o que seria o Setor de Habitações Coletivas Econômicas Sul (SHCES)? Localizado ao lado do Sudoeste, o Cruzeiro Novo foi rebatizado devido a sua proximidade do cruzeiro onde foi rezada a primeira missa da capital (próximo ao Memorial JK). As alterações de nome são tantas que, antes de ser publicado, o dicionário vai receber todos os apelidos. ;Tem gente que conhece a SQS 107 como Rua da Igrejinha;, diz a professora Enilde Faulstich, da UnB. Orientadora da dissertação, ela conta que a meta é distribuir o glossário em forma de catálogo para moradores e visitantes do DF. ;Queremos prestar um serviço social;, diz. Quando for publicado, o dicionário também vai contar com informações sobre a arquitetura de Brasília.