Os camelôs deixaram a região central de BrasÃlia e se espalharam pela cidade. Quase um ano depois da retirada deles do Setor Comercial Sul e da plataforma superior da Rodoviária, os ambulantes podem ser encontrados com facilidade em outros pontos do Plano Piloto. A permanência nas ruas comprova que a ideia do Shopping Popular, construÃdo ao lado da Rodoferroviária para abrigá-los, ainda não vingou. O espaço inaugurado em maio do ano passado possui 1,7 mil boxes, mas apenas 30% estão abertos, de acordo com a associação dos comerciantes.
Quem fechou as portas voltou para a rua e tenta driblar a fiscalização. Donos de boxes ocupam calçadas e estacionamentos na W3, na Esplanada dos Ministérios e, em maior número, no Setor Hospitalar Sul. ;Para sobreviver, tem que ir pra rua;, justificou um piauiense de 45 anos, que possui um box de quatro metros quadrados no Shopping Popular, mas vendia artigos eletrônicos na 716 Sul na última quinta-feira. ;A gente fica igual carro boiando: uma hora em cada lugar;, comparou ele, que já teve a mercadoria apreendida pela Agência de Fiscalização (Agefis) três vezes.
Desde o inÃcio do ano, a Agefis afirma haver realizado cerca de 700 apreensões no Distrito Federal. ;A fiscalização é permanente, mas como eles não são comerciantes fixos, a situação fica complicada;, reconheceu o diretor-geral da agência, Georgeano Trigueiro. Segundo ele, 40 fiscais estão nas ruas todos os dias. As operações têm conseguido manter a região central de BrasÃlia livre dos camelôs. Em outros pontos, no entanto, os ambulantes geralmente conseguem escapar a tempo. Eles possuem olheiros que anunciam a chegada das equipes.
Estratégia contra o rapa
Para facilitar a fuga do ;rapa; ; como eles chamam a fiscalização ;, a maioria dos vendedores trabalha com estruturas de papelão ou de madeira e sai de casa com poucas unidades para vender. ;Tem que ficar ligado e ter sorte. Se dormir no ponto, perde a mercadoria mesmo;, disse um cearense de 34 anos, que vendia toalhas de mesa em frente a um banco na 704 Sul. ;Não posso parar de trabalhar, vivo disso;, alegou um vendedor de frutas de 34 anos, que mora em Samambaia e estudou até a 4ª série. Ele tentou um lugar no Shopping Popular, mas não foi contemplado no sorteio.
No Setor Hospitalar Sul, os pelo menos 50 ambulantes instalados parecem não se incomodar tanto com os fiscais. Ali, as ruelas entre hospitais e clÃnicas viraram feiras. Vende-se de tudo: bijuterias, artigos eletrônicos, ervas medicinais. Alguns armam as barracas de ferro e os guarda-sóis em cima das calçadas. Outros exibem a mercadoria em bagageiros de carros. ;Aqui encheu demais depois que arrocharam lá no centro. Ninguém mais se conhece;, afirmou um morador de ValparaÃso (GO) de 26 anos, que há dois sobrevive da venda de CDs e DVDs piratas.
Os camelôs retirados do centro e insatisfeitos com o Shopping Popular também se alojaram nos arredores de estações de metrô como a do Park Shopping, em frente ao ambulatório do Hospital de Base e na área externa da Feira dos Importados. ;Os donos das bancas fechadas foram para as ruas e para outras feiras do DF porque o movimento no shopping está muito fraco;, explicou o presidente da Associação do Shopping Popular de BrasÃlia, Caio Donato. ;Os que continuam no shopping são verdadeiros heróis;, completou.
Vendedores abandonados
Os donos dos boxes em funcionamento dizem que foram abandonados. ;O governo nos colocou aqui e depois se esqueceu de nós. Estamos colocando placas, fazendo a praça de alimentação, tudo com nossos recursos;, destacou Donato, que torce para que um dia o Shopping Popular possa concorrer com a consolidada Feira dos Importados. Por enquanto, 70% dos pontos estão fechados, os corredores e o estacionamento vazios. ;A promessa de melhoria ainda não chegou;, resumiu Joanice Luiz dos Santos, 59 anos, que ainda não terminou de pagar o empréstimo para equipar o box.
O Correio flagrou, na última quinta-feira, até comerciantes dormindo à espera de clientes no shopping. ;A gente passa o dia todo sentado, batendo papo. Quando alguém se aproxima da loja, é colega da gente;, contou Guiomar de Souza, 46 anos, que antes de estar ali trabalhou oito anos no Setor Comercial Sul. ;Fico é um mês inteiro sem vender uma bolsa. E quando vendo é para amigo ou parente;, completou Ivonete Machado, 57 anos, ambulante há 30. ;Aqui não tem sol nem chuva, mas também não tem cliente. Na rua, a gente via dinheiro todo dia;, ressaltou Gerardo Magela, 43, vendedor de lingeries.
O coordenador de serviços públicos do DF, Paulo César Nunes, responsável pelas feiras, diz que o governo está atento à situação do Shopping Popular. Ainda neste mês, segundo ele, serão realizados eventos culturais para atrair a clientela. ;Infelizmente, a crise fez cair as vendas e o movimento em todas as feiras do DF;, argumentou, antes de lembrar que donos de box flagrados pela Agefis trabalhando na rua perdem o direito de usar o espaço. ;Só ficará com o box quem quiser trabalhar ali;, reforçou. Existem cerca de 400 pessoas na lista de espera para trabalhar no shopping.
Entenda o caso
Retirados do centro
Em maio de 2008, o governo proibiu os camelôs de trabalharem no Setor Comercial Sul e na plataforma da Rodoviária do Plano Piloto. Em contrapartida, construiu o Shopping Popular ; obra de R$ 25 milhões ; para abrigá-los. No dia 1º daquele mês, houve a primeira de três inaugurações do espaço.
Quase 5 mil pessoas se inscreveram para tentar ganhar um espaço no novo centro de compras. Os sorteios foram marcados por muita confusão. Só poderiam concorrer a um lugar no shopping quem morasse no DF há mais de cinco anos e comprovasse que a única fonte de renda era a vida de ambulante no centro da cidade.
Um grupo de não contemplados entrou na Justiça acusando a organização de cometer irregularidades no sorteio, como beneficiados que tinham outra fonte de renda e não trabalhavam no centro. Depois de meses de um embate judicial e atrasos, o Shopping Popular foi inaugurado.
Os contemplados com um ponto puderam fazer financiamento pelo Banco de BrasÃlia para pagar a montagem do box, cujo preço variou de R$ 2,5 mil a R$ 4 mil. Até hoje, no entanto, o movimento no shopping é muito pequeno e, com isso, muitos comerciantes estão nas calçadas, praças e estacionamentos novamente.