Os brasilienses que circulam pelas rodovias locais, as DFs, expõem-se a um risco diário. Quase metade dos acidentes com morte ocorridos no Distrito Federal ocorre em uma das 60 vias de ligação entre uma cidade e outra da capital federal. Estudo do Departamento de Estradas de Rodagem do DF (DER) mostra que o perigo é maior para quem passa por cinco rodovias: o Eixão, a Estrada Parque Núcleo Bandeirante (EPNB), a Via Estrutural, a Estrada Parque Taguatinga (EPTG) e a Estrada Parque Indústria Abastecimento (Epia). Além de oferecerem risco, elas também são as mais movimentadas. O órgão estima que 367,1 mil veículos ; 34% do total da frota ; passam por esses locais todos os dias.
Os técnicos do DER usaram dois parâmetros para medir o grau de periculosidade de cada uma das rodovias. Assim, o ranking elaborado pelo órgão dá uma melhor noção da rotina de tragédias das rodovias porque considera a gravidade dos acidentes e a relação deles com o tamanho das estradas. Os dados divergem dos divulgados pelo Departamento de Trânsito do DF (Detran) na semana passada. Pelas estatísticas do órgão, a DF-001 é a mais perigosa: com 131,8km de extensão, a via dá a volta em todo o DF e contabilizou 33 acidentes fatais no ano passado.
O estudo do DER começou a ser feito no ano passado e, por isso, é baseado em dados de 2007. Primeiro, os técnicos dividiram o número de acidentes fatais pelo tamanho da rodovia. Com essa conta, a mais perigosa é o Eixão, que deixou um morto em cada quilômetro, seguido de EPNB (0,99), Estrutural (0,57) e EPTG (0,54). Depois, considerou-se a gravidade das batidas. Para calcular esse índice, chamado de Unidade Padrão de Severidade (UPS), cada ocorrência com morte recebeu peso 13 e cada uma com feridos, peso cinco. Assim como nos acidentes com morte, a UPS também foi dividida por quilômetro da rodovia. Com esse parâmetro, a EPNB é a campeã, seguida de EPTG, Epia e Eixão (veja arte).
O levantamento será usado para nortear a instalação de pardais e barreiras eletrônicas nas vias. O DER quer saber se a localização dos equipamentos usados para controlar a velocidade nas estradas ainda é eficiente para combater os acidentes mais graves. Em 5 de maio, o governo vai escolher, por licitação, nova empresa para fazer a manutenção dos radares e pretende realocar os cerca de 300 equipamentos existentes nas DFs. ;Como a velocidade em uma rodovia é de 80km/h, a colocação de qualquer barreira precisa ser muito bem estudada. Sabemos, por exemplo, que quebra-molas não são redutores de velocidade eficientes;, explicou o diretor-geral do DER, Luiz Carlos Tanezini.
Causa das batidas
O estudo ainda não detalha os tipos de acidentes ocorridos em cada estrada ; essa será uma segunda etapa que ainda não foi iniciada. Mesmo assim, Tanezini acredita que a maior parte das batidas é provocada por imprudência dos motoristas. ;A quantidade de acidentes é proporcional ao aumento da frota. Sabemos que quase ninguém trafega na velocidade estipulada pela sinalização. Os motoristas são afoitos, andam pelo acostamento, falam ao celular;, disse o diretor-geral do DER. Tanezini ressalta que as cinco rodovias tidas como as mais perigosas estão em bom estado ; com exceção de parte da Epia que está em obras. ;O Eixão, por exemplo, é a nossa rodovia mais moderna e bem iluminada. À medida que a estrada tem melhores condições, mais os motoristas abusam.;
Especialistas em trânsito alertam que acidentes não são causados apenas por alta velocidade e dizem que não basta instalar pardais para reduzir o número de mortes nas vias. De acordo com David Duarte Lima, diretor do Instituto Brasileiro de Segurança no Trânsito e professor da Universidade de Brasília (UnB), os estudos brasileiros ainda são rudimentares para que seja feito um diagnóstico eficiente dos acidentes. ;Na hora de calcular as UPS, por exemplo, é preciso considerar a gravidade das lesões. Também é preciso detalhar se os mortos estavam dentro ou fora dos carros. Essa pesquisa deve ser mais refinada para saber quais foram esses acidentes, como e a que horas ocorreram;, disse.
O professor Paulo César Marques, do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da UnB, ressalta que também é necessário dividir o número de acidentes pelo fluxo de veículos de cada estrada ; em rodovias mais movimentadas, é mais comum que ocorram mais batidas. Segundo o especialista, as rodovias têm características distintas das vias urbanas, mas, no DF, elas se misturam. ;A penetração das rodovias em áreas urbanas é muito perigosa. São dois motoristas com interesses diferentes ocupando o mesmo espaço. Rodovias que têm vias marginais destinadas apenas ao tráfego local são mais seguras, mas também mais caras.;
Abuso de velocidade
Não é preciso folhear os relatórios mensais dos 14 pardais instalados no Eixão para saber que os veículos abusam da velocidade. O comportamento de alguns motoristas no local é assustador até para os demais condutores, mas não intimida pedestres que ignoram as passagens subterrâneas e se arriscam no meio dos carros para cruzar a rodovia que corta o Plano Piloto ao meio.
A rotina de acidentes na via lhe rendeu um apelido nada glamuroso. O Eixão da Morte é o primeiro no ranking elaborado pelos técnicos do DER. Em 2007, ocorreram 14 acidentes com morte nos 13,8km de extensão da rodovia ; um índice de 1,01 vítima por quilômetro. Quando se considera a gravidade das batidas e dos atropelamentos, o Eixão também se destaca: é o quarto colocado no fator severidade.
;Nos últimos sete anos, o Eixão contabilizou 14 acidentes com mortos por ano. Em 2008, reduzimos esse número para sete porque instalamos mais quatro radares depois de um acidente em que morreram cinco pessoas;, afirmou o diretor-geral do DER, Luiz Carlos Tanezini. O estudo aponta quatro pontos críticos na rodovia: as saídas do Buraco do Tatu, nas imediações da Rodoviária; a altura da 202 Sul; próximo à 213 Sul, onde há um templo religioso; e o fim do Eixão Norte, perto da Ponte do Bragueto.
E foi nesse último ponto, ontem, por volta das 13h50, que um engavetamento envolveu seis veículos, inclusive um ônibus. Três pessoas saíram feridas. Francisco Franco Gomes, 41 anos, Adriana Vieira de Abreu, 41, e Aguinaldo Vieira de Abreu, 48, estavam no Logan de placa JHV 0895/DF e sofreram escoriações leves. Os três foram levados pelos Bombeiros ao Hospital Santa Helena.
Na quarta-feira, o Correio já havia percorrido o Eixão. Em 10 minutos foi possível constatar imprudências. No Eixão Norte, um grupo de adolescentes uniformizado, com camisetas de um programa de estágio da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, passou correndo entre os carros na altura da 215/216. ;É a alternativa. A passagem é longe;, justificou-se Marcelo Ferreira, 18 anos.
A difícil convivência em um engarrafamento
A pressa na hora de voltar para casa depois de um cansativo dia de trabalho é a grande vilã nas estradas parque Núcleo Bandeirante (EPNB), Taguatinga (EPTG) e na Via Estrutural. As três vias ligam o Plano Piloto a cidades populosas como Taguatinga, Ceilândia e Samambaia. Por isso, quem passa nesses locais enfrenta retenção no trânsito, especialmente no horário de pico, no começo da manhã e no fim da tarde. Durante os engarrafamentos, a convivência entre caminhões, carros, motos, ciclistas e pedestres fica difícil. As imprudências de todos os lados foram responsáveis por 23 acidentes fatais e 690 com feridos em 2007 nas três vias.
De acordo com o estudo do Departamento de Estradas de Rodagem (DER), a EPNB é a campeã em severidade dos acidentes. A via tem apenas 8,1km de extensão, mas teve oito batidas ou atropelamentos com morte e 266 com feridos naquele ano. O índice da Unidade Padrão de Severidade (UPS) ; no qual os mortos têm peso 13 e os feridos, cinco ; ficou em 177,04 por km, o maior do DF. Ela também tem uma alta taxa de mortos por km (0,99) e está em segundo lugar nessa classificação, atrás do Eixão. ;Uma rodovia é perigosa quando tem tráfego misto. Daí, aparecem os conflitos entre carros, motos e pedestres. As vias do DER provocam esses conflitos, que não são resolvidos;, explica o especialista em segurança no trânsito David Duarte Lima.
A EPNB é a rodovia que sai do Pistão Sul, em Taguatinga, e vai até o encontro da Estrada Parque Indústria e Abastecimento (Epia), nas proximidades do ParkShopping. Até chegar ao Plano Piloto, porém, ela passa pelo Riacho Fundo e pelo Núcleo Bandeirante, e a interferência dos centros urbanos aumenta o risco para motoristas e pedestres. Em todo o caminho, há inúmeros semáforos e retornos, que complicam o trânsito. Um balão na frente da entrada do Riacho Fundo é um dos pontos críticos. Nesse local, a velocidade estipulada é 40km/h, mas o Correio observou vários motoristas passarem pela barreira eletrônica acima do limite na última sexta-feira.
Isso sem falar nos pedestres que atravessam a rodovia. Na altura do Riacho Fundo, por exemplo, há quatro paradas de ônibus e uma passarela entre delas. Mas os que utilizam o primeiro ponto reclamam da distância. ;Medo eu tenho, mas preciso atravessar a pista para ir ao mercado. Colocaram essa passarela no lugar errado. Ela deveria ser mais para baixo, onde tem mais gente que atravessa;, afirmou o carpinteiro Antônio Zacarias de Freitas, 59 anos. Os pedestres que decidem caminhar até a passarela encontram outra dificuldade: são obrigados a andar no meio da rua porque não há calçadas no local.
Estrutural e EPTG
A Estrutural é a 3ª colocada em números de morte por quilômetros, mas tem uma severidade menor que as demais rodovias ; fica em 6º lugar. Em 2007, houve nove acidentes fatais e 108 com feridos. Na estrada, de 15,7km de extensão, as colisões entre carros são os acidentes mais comuns. Grande parte deles é causada pelo grande fluxo de veículos no local: 67,8 mil por dia. ;Nem dá para correr por causa do congestionamento, mas todo mundo tem muita pressa. Os carros ficam mudando de faixa o tempo todo, andam colados uns aos outros, os motoqueiros só circulam pelo corredor;, diz o comerciante Mauro Santana, 28 anos, que passa pela via todos os dias.
Os pedestres também se arriscam ; quatro foram atropelados em 2008. Mesmo com o movimento intenso de carros, atravessam a pista, principalmente na altura da invasão da Estrutural. Nadja Elen dos Santos, 23 anos, mora na invasão, mas só usa passarela. A explicação: duas colegas foram atropeladas na via no ano passado. Uma delas, de 16 anos, morreu após ser atingida por um carro. ;Não tenho coragem de passar entre os carros, mas muitas pessoas se arriscam, acham a passarela longe;, comentou.
A EPTG é considerada uma estrada crítica pelo DER. O cenário se assemelha ao da Estrutural, mas ela tem quase o dobro de movimento ; 102,2 mil veículos por dia. As imprudências se multiplicam: motociclistas circulam pelos corredores entre os carros, motoristas ultrapassam pela direita e andam pelo acostamento, pedestres se arriscam a cruzar a pista. A confusão conferiu à rodovia o título de 2ª mais severa, com índice UPS de 148 por km. Em 2007, contabilizou seis acidentes fatais e 316 com feridos. ;Eu ando buzinando, dando farol alto, mas sei que nem sempre os carros nos veem. Perdi as contas de quantas fechadas já levei;, conta o motociclista Alfredo Soares, 20 anos. Há três meses, ele sofreu um acidente na EPTG. Era domingo de manhã, estava chovendo e um carro em alta velocidade bateu na traseira dele. Por sorte, não foi mais que um susto. ;Não machuquei nada.;
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