Jornal Correio Braziliense

Cidades

O perfil da família envolvida na tragédia em Goiânia

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Para as pessoas distantes, uma família normal. Aos olhos dos mais próximos, um homem possessivo, ciumento, um suicida em potencial que sufocava a mulher e aterrorizava a filha. Assim é descrita a vida de Kléber Barbosa da Silva, 31 anos, com a mulher, Érika Correia Santos. O casal vivia sob o mesmo teto havia pouco mais de cinco anos. Eles tiveram uma filha, Penélope Barbosa da Silva. A história da menina de 5 anos e do pai terminou na tarde de quinta-feira (12/03), quando o monomotor roubado por Kléber despencou no estacionamento do maior shopping de Goiânia.

Para a polícia local, um acidente proposital, um atentado também à vida das mais de 10 mil pessoas que se encontravam no centro comercial. Para os familiares e amigos da única sobrevivente da pequena família, uma tragédia anunciada. ;Ele disse que ia se matar em novembro do ano passado. E falou que levaria a filha também, porque sem ele a Érika sobreviveria, mas sem a Penélope, não;, contou Waldemar Fernandes de Souza, 46, um dos tios da mulher. As palavras foram endossadas por outro tio e três amigas de Érika, presentes no velório de Penélope, no Cemitério Municipal Vale da Paz, que costuma abrigar corpos de famílias sem muito dinheiro. Érika, com a cabeça e o braço esquerdo enfaixados, recebeu alta do Hospital de Urgência de Goiânia e assistiu ao sepultamento da filha, mas preferiu não dar entrevistas.

Penélope era descrita como uma criança tranquila e feliz. Na escola Estrelinhas do Futuro, onde cursava o Jardim 2, nunca teve qualquer comportamento que denunciasse problema. ;Pela alegria e jeito carinhoso com que se comportava, nunca poderia imaginar um conflito familiar;, comentou Rita Barroso, diretora da escola.

Ciúmes
Kléber tinha ciúme doentio da mulher, segundo amigos do casal. Sentimento aumentado após Érika decidir fazer curso de cabeleireira para trabalhar com a única irmã, dona de um salão. ;Ele dizia que ela não precisava trabalhar pois ele tinha dinheiro para os dois e a filha;, comentou Mariana Santos, 29, amiga de Érika.

O homem chegou a agredir a esposa ano passado, mas a vítima não registrou o caso. Tudo porque ela havia manifestado a vontade de quebrar um suposto pacto de suicídio, firmado entre o casal quando decidiram morar juntos. ;Ela criou amor pela filha;, comentou uma das amigas. Os parentes da mulher negam o plano veementemente.

Para os familiares do homem morto com a filha de 5 anos na queda do avião que pilotava, ele era uma pessoa reservada, mas carinhoso com os irmãos. Em comum, todos duvidam de que ele seria capaz de cometer um estupro, como acusa a polícia goiana. Desempregado, sem formação profissional e com estudos interrompidos no ensino fundamental, Kléber era sustentado pela mãe, Wandilma Barbosa, 60. De Barcelona (Espanha), onde mora com as irmãs de Kléber há nove anos, ela mandava o dinheiro ao único filho homem. A renda saía dos pequenos negócios na capital catalã, como a venda de comida para trabalhadores e o serviço de cabeleireiro das filhas. Kléber passou três curtas temporadas com as três.

Do pai, o despachante Valdemar Fernandes de Souza, 46, Kléber não recebia dinheiro nem apoio emocional. Separado da mãe dele há mais de duas décadas, Valdemar constituiu outra família ; teve mais três filhos, um homem e duas mulheres ; e quase perdeu contato com a antiga. ;Não o via desde maio passado;, comentou Valdemar, sem disfarçar o constrangimento frente às equipes de reportagem, na sexta-feira (13/03) à tarde, após liberar o corpo do filho para velório, no cemitério Jardim dos Palmares. A mãe e as irmãs de Kléber não compareceram ao enterro, pouco após as 17h. Segundo parentes, não conseguiram passagem.

Moto e aeromodelismo
O rapaz decidiu seguir para Luziânia na tarde de quinta (12/03), após espancar a mulher e a jogar na margem da BR-060 (Goiânia-Brasília), porque conhecia o lugar. Apaixonado por aviões, ele frequentava aeroclubes em Goiás e no DF. Nunca conseguiu tirar o brevê ; habilitação de piloto ; mas aprendeu a operar aeronaves por simuladores de voo instalados em seu computador.

O casal morava com a filha em apartamento do Edifício Mediterranée, no Setor dos Afonsos, em Aparecida de Goiânia, município ligado à capital goiana. No quarto, Kléber guardava aeromodelos que gostava de montar e levar a pistas para decolagem nos fins de semana. O rapaz também recebia o suficiente para equipar o Vectra branco usado no crime de quinta.