Como Brasília entrou de vez na rota do tráfico internacional de drogas, a Polícia Federal decidiu montar, no Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, uma delegacia especializada para investir no serviço de inteligência. As constantes apreensões de entorpecentes justificam a decisão. De 1º de janeiro deste ano até o ultimo dia 5 foram apreendidos 49,1kg de cocaína no aeroporto. O número equivale a quase um terço da quantidade da droga retida em embarques e desembarques ao longo de 2008. O terminal da capital federal é o terceiro do país em movimentação de aeronaves e o quarto em circulação de passageiros. Pela localização estratégica, serve de conexão entre todas as regiões. Desde julho de 2007, quando a cidade ganhou voos diretos para a Europa, a preocupação com os traficantes aumentou.
A nova unidade da PF será inaugurada neste semestre e intensificará o trabalho da equipe de investigação no combate ao tráfico. Atualmente, os cerca de 70 servidores lotados na Delegacia de Imigração, que funciona próximo ao saguão de desembarque, também têm de cuidar do controle de entrada e saída de estrangeiros, coordenar a emissão de passaportes e o embarque de passageiros armados, entre outras tarefas administrativas. ;Vamos focar nossas ações e, assim, dificultar ao máximo a atuação dos traficantes;, afirmou o chefe da Delegacia de Imigração e representante regional da Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol), Gerson Luiz Müller.
O delegado informou que, com a criação da delegacia especializada, cães farejadores ajudarão no trabalho. Assim que a unidade for inaugurada, Müller também espera ter acesso às imagens capturadas pelas dezenas de câmeras espalhadas pelo aeroporto. ;Não entendo como não temos monitores aqui. Por quê?;, questionou. Em fevereiro, ele se reuniu com a equipe de segurança da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) e reivindicou o livre acesso às imagens. No entanto, ainda não obteve resposta oficial. A assessoria da empresa disse que é norma da Infraero ;não fornecer as imagens a terceiros;. E reforçou que, caso a PF precise das imagens, que as solicite por ofício.
Cinco estrangeiros
Enquanto isso, o número de apreensões de drogas no aeroporto vem crescendo. Antes de 2007, a polícia somava a quantidade de drogas retida ali com as apreendidas em todo o Distrito Federal. O início dos voos diretos para a Europa, porém, forçou uma estatística específica. Naquele ano, os agentes apreenderam 43,8kg de maconha e 210,8kg de cocaína. Em 2008, os números ficaram em 120kg e 139,2kg, respectivamente. Este ano, ninguém foi flagrado com maconha. Já em relação à cocaína, foram oito apreensões e um total de 49,1kg de pó retidos (veja quadro). Cinco das oito pessoas presas pela PF eram estrangeiras.
O trabalho para identificar as rotas do tráfico e chegar às ;mulas;, aqueles que fazem o transporte da droga, não para. Agentes atuam dia e noite com o máximo de discrição para não atrapalhar os flagrantes. As 40 mil pessoas que circulam, em média, todos os dias pelo terminal não veem, mas nos bastidores existe uma intensa investigação que envolve o levantamento de informações privilegiadas e a observação minuciosa de bagagens e passageiros suspeitos. A reportagem do Correio foi autorizada a acompanhar a rotina dos policiais federais na última quarta-feira ; justamente o dia da maior apreensão de cocaína do ano.
Mapeamento das rotas
A PF tem mapeadas as rotas consideradas de risco. O embarque e desembarque de determinados voos contam com ações específicas das equipes de inteligência. Nesses casos, a polícia recebe com antecedência das empresas aéreas a lista de passageiros. Os investigadores são treinados para identificar drogas nas bagagens que passam pelas máquinas de raios x. E, além disso, conhecem bem o perfil das ;mulas;. Só de observar o comportamento das pessoas nos saguões, os policiais conseguem chegar aos flagrantes. Em relação aos estrangeiros, respostas a poucas perguntas feitas na hora do embarque ou desembarque são suficientes para levantar suspeitas.
Quando conseguem apreender qualquer quantidade de droga, os policiais festejam. Impedir que o entorpecente chegue ao seu destino gera um sentimento de missão cumprida. ;Eu fico feliz porque a gente está tirando essa droga das mãos de jovens que podiam perder a vida com ela;, justificou a agente Teresa Escórcio, 37 anos, seis de PF. Ela ajudou a abrir, na última quarta-feira, as duas malas pretas que continham 21,2kg de cocaína pura enrolada em papel alumínio e entre travesseiros. O entusiasmo do flagrante tomou conta dos agentes que, aos poucos, foram chegando à sala para ver a droga. Rapidamente um deles ligou para comunicar a Superintendência da PF da apreensão. ;Não interessa se é 100g ou 100kg, a vibração é a mesma;, disse o chefe da equipe de plantão, Nilson Eudes Nogueira.
Na poltrona
A ;mula; da vez foi abordada quando estava sentada na poltrona do avião pronto para decolar. O voo saiu de Manaus (AM) e, depois da escala em Brasília, seguiria para o Aeroporto de Confins, em Belo Horizonte. Na capital mineira, acredita a polícia, a droga supostamente vinda da Bolívia seria preparada para ser levada à Europa. O homem de 32 anos que a transportava contou aos policiais que ganharia R$ 5 mil pelo serviço. Ele vestia calça jeans com rasgões na altura da coxa e uma camiseta branca com os dizeres Save the planet (Salve o planeta). No trajeto do aeroporto para a carceragem da PF, o celular dele não parou de tocar. Gente de Manaus e de BH queria saber onde estava o pó.
Os policiais reconhecem que é difícil pegar todas as ;mulas;. ;Mas estamos fechando rotas;, reforça o delegado Müller. Com isso, os traficantes têm sido obrigados a ousar para tentar embarcar as drogas. Em três dos oito flagrantes deste ano, os presos traziam a cocaína amarrada em sacos plásticos em volta do corpo. Na primeira apreensão do ano, a droga estava escondida dentro de velas aromatizantes. ;Essas apreensões sempre dão um gás novo para a gente trabalhar;, comentou Eudes. ;Sabemos que é difícil acabar com o tráfico, mas pelo menos estamos dando prejuízo a ele;, completou a agente Teresa.
Sala de desmuniciamento
O trabalho da PF no aeroporto também envolve a segurança da Base Aérea e dos hangares. Os agentes ainda precisam resolver problemas que ocorrem dentro dos aviões, desde briga entre passageiros a pessoas flagradas fumando no banheiro. Outra atribuição da PF é autorizar o embarque armado.
Por uma salinha da Delegacia de Imigração, passam por mês uma média de mil pessoas que detêm o porte legal. Ali, elas são obrigadas a desmuniciar os revólveres. Antes, o desmuniciamento era feito na entrada da delegacia, em frente à recepção. A mudança veio há cerca de seis meses, quando um advogado atirou acidentalmente no chão ao desmuniciar um revólver. Por sorte, ninguém se feriu. As armas, depois de desmuniciadas, são colocadas em um envelope entregue ao comandante do voo.