Jornal Correio Braziliense

Cidades

Crescem denúncias de crimes tramados e cometidos via internet

Mundo virtual vira armadilha para pessoas como Letícia Mourão, morta com um tiro por homem com quem marcou encontro pelo computador

A polícia continua as buscas pelo assassino de Letícia Peres Mourão, 31 anos, que morreu após levar um tiro no lado de fora de um bar do conjunto habitacional Lucio Costa, no Guará, na última sexta-feira. Um retrato falado do homem de aproximadamente 25 anos, que evitou contato com outros clientes do estabelecimento e permaneceu o tempo todo em um canto escuro, deve ser produzido nos próximos dias. Segundo parentes da vítima, ela conheceu o rapaz que a matou na internet, pelo programa de mensagens instantâneas MSN. Dados da ONG SaferNet ; Central de denúncias de crimes cibernéticos ; e do Centro de Estudos, Resposta e Tratamento de Incidentes de Segurança no Brasil (Cert.br) mostram um crescimento no número de denúncias e de crimes praticados por meio da internet em todo Brasil. A SaferNet recebe diariamente uma média de 300 denúncias na rede. Só em fevereiro, a ONG registrou 9.269 reclamações a respeito de páginas virtuais contra 6.335 registros feitos no mesmo período do ano passado. No último semestre de 2008, foram 46.975 denúncias, quase três mil a mais do que no primeiro semestre. As estatísticas do Cert.br também demonstram esse crescimento. O site de resposta a incidentes de segurança para internet brasileira registrou 222.528 denúncias no ano passado. Em 2007, foram 160.080. A maior parte dos ataques registrados refere-se a casos de pornografia infantil e apologia a crimes contra a vida. ;O aumento das denúncias deve-se a uma série de fatores. Acredito que os principais motivos são o próprio aumento no número de usuários e a sensação de impunidade que muitas pessoas ainda sentem. Existe uma crença de que a internet é uma terra sem lei, o que não é verdade. Os crimes praticados ali também deixam rastros que podem ser seguidos;, explicou Thiago Tavares Nunes de Oliveira, presidente e diretor de projetos da SaferNet. O advogado Renato Opce, especialista em crimes cibernéticos, afirmou que casos de encontros marcados no mundo virtual que resultam em mortes, roubos ou agressões têm aumentado de forma alarmante. ;A situação está ocorrendo no mundo inteiro. Principalmente pelo crescimento do uso de computadores pessoais. Os dados são assustadores;, comentou. No Distrito Federal, pelo menos, casos como o da morte de Letícia são considerados atípicos. ;Não é comum. Lidamos mais com crimes contra a honra, que envolvem o envio de ameaças ou mensagens de difamação por e-mail, sites de relacionamento, salas de bate-papo ou programas de mensagens instantâneas;, contou José Luiz Gonzalez, diretor em exercício da Divisão de Repressão aos Crimes de Alta Tecnologia (Dicat). Para evitar problemas e garantir a segurança dos internautas, os especialistas apresentam algumas recomendações (confira quadro). ;Todo cuidado é pouco quando estiver na internet. As pessoas precisam perceber que não conhecem com quem estão conversando. Elas não sabem se quem está do outro lado é uma pessoa real ou um personagem inventado;, detalhou Gonzalez. O diretor da Dicat explicou que os criminosos que agem no mundo virtual costumam começar os golpes com conversas até que adquiram a confiança da vítima e possam fazer o que planejaram. E são pacientes. Podem levar de um mês a um ano para conseguir o que querem. Sepultamento O corpo de Letícia foi levado para Goiânia no sábado e enterrado no final da tarde de ontem. Parentes e amigos da moça compareceram ao enterro no cemitério Jardim das Palmeiras. ;A polícia não pode deixar um ato como esse impune;, disse um parente que preferiu não se identificar. De acordo com a família, Letícia morou na Espanha por oito anos, onde trabalhou em uma clínica de cuidado a idosos. Ela retornou para o DF em dezembro do ano passado e pretendia ficar na cidade. Letícia deixou um filho de 12 anos. A morte dela é investigada pela 4ª DP (Guará). O crime chocou os moradores do Setor Habitacional Lucio Costa. Testemunhas do homicídio contaram que Letícia estava sorridente e parecia feliz na noite do crime. ;Não houve nenhuma discussão entre os dois. E parece que a própria moça foi pega de surpresa. Depois do tiro, vi o corpo dela ainda sentado na cadeira, de pernas e braços cruzados;, contou uma cliente do bar. (Colaborou Edson Luiz) Proteja-se Encontros com pessoas por meio da internet podem ser perigosos. Policiais alertam que o internauta deve sempre suspeitar da veracidade do que é escrito para atrair alguém a um encontro. Pois quem está do outro lado da tela pode estar usando apenas um disfarce para fins obscuros. Alguns cuidados são recomendados: # Nunca comparecer a um encontro marcado virtualmente sozinho. Leve um(a) amigo(a) ou parente para garantir a sua segurança. # Evite marcar o encontro em algum lugar de pouco movimento e privado. Insista em se encontrar em um lugar público, como um shopping. # Não confie em imagens transmitidas por webcams, seja em salas de bate-papo ou em programas de mensagens instantâneas, como MSN. As imagens podem ser forjadas. # Nunca forneça informações pessoais, como endereço e telefone, para estranhos. Se perguntarem pelo seu nome, diga apenas o primeiro e resguarde o sobrenome. Memória Brigas e ameaças Fevereiro de 2009 Aproximadamente 100 adolescentes se reuniram no Parque da Cidade para assistir a uma briga marcada pela internet. Trinta deles foram parar na Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA). A briga envolveu dois grupos rivais - um da Asa Sul e outro do Sudoeste. Alguns meninos eram responsáveis por gravar os confrontos para divulgar na internet. Novembro de 2008 Uma professora aposentada denunciou o chileno Rafael Alejandro Mella Torre, que conheceu em um site de relacionamentos, na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam). Ele viveu quatro meses na casa da professora antes de sumir com pertences dela. A investigação apontou que Rafael já teria roubado outras mulheres que conheceu pela internet na Argentina, México, Peru e Colômbia. Junho de 2007 O grupo Vândalos do Império da Pichação fez ameaças a um garoto de 12 anos, estudante de uma escola da Asa Sul. Eles acabaram investigados pela polícia, que descobriu em páginas do grupo na internet e em comunidades do Orkut mensagens de apologia às drogas e à violência. Em um fotolog (site de fotos) da gangue, encontrou imagens de armas e munições, além de paredes pichadas. Julho de 2007 Garotas das gangues virtuais Minas de Feh na Ativa (MFA) e GS3 usaram o site de relacionamentos Orkut para deixar mensagens ameaçadoras no perfil de uma estudante de 13 anos da Asa Sul. A ;rival; havia beijado o ex-namorado de uma delas. Três dias depois, 20 meninos cercaram o colégio da jovem. A Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA) indiciou 15 adolescentes ; 11 meninas e quatro garotos ; por injúria e ameaça. Junho de 2005 O estudante Marcelo Valle Vieira Mello foi acusado de usar o Orkut para disseminar ideias racistas e agredir negros e afrodescendentes. Termos como ;sujos; e ;macacos; foram escritos numa comunidade para se referir aos estudantes que ingressam na Universidade de Brasília (UnB) pelo sistema de cotas. O caso está no Tribunal de Justiça do DF.