As palavras passaram a fazer sentido para Ester Nascimento há pouco tempo. Aos seis anos, ela iniciou em fevereiro a primeira série na Escola Classe da Estrutural, onde mora com a mãe, e até o final do ano deve ler com desenvoltura um livrinho de histórias. A alfabetização da pequena estudante, no entanto, corre o risco de ser adiada. A aluna está entre os 520 mil jovens e crianças que terão a rotina escolar interrompida se os professores da rede pública decidirem cruzar os braços em abril, quando o sindicato da categoria programa uma assembléia-geral. Na próxima quarta-feira, haverá um ato de protesto com paralisação. Desde o início do ano, a ameaça de greve voltou a rondar as 620 escolas do Distrito Federal. Com salário médio de R$ 4.752,94, os docentes exigem do governo aumento de 18,9%. O percentual é três vezes maior do que a inflação do ano passado, que fechou em 5,9% segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
O risco de paralisação angustia os pais e desanima os alunos, que se tornam as principais vítimas da queda-de-braço dos professores por aumento de salários. ;Acho que a alfabetização é uma das partes mais importantes para um aluno. Não é justo que minha filha seja prejudicada;, lamenta a mãe de Ester, Islam Nascimento, que todas as tardes estimula o desenvolvimento da filha com exercícios de caligrafia. A preocupação é compartilhada por Michele Marise, mãe de Bruna, 11 anos, que iniciou a 5ª série este ano. ;O tempo afastado gera sequelas irreparáveis no aprendizado, além de causar transtorno na rotina da casa, porque a gente que trabalha conta com a escola como um lugar seguro onde os nossos filhos são supervisionados, diz Michelle.
O indicativo de greve anunciado pelo sindicato dos professores ocorre dentro de um contexto de fragilidade financeira do tesouro local, o que provocou um impasse nas negociações entre sindicato e o governo. A repercussão da crise econômica que surpreendeu o mundo apresenta agora a fatura à economia do GDF. Uma das receitas mais importantes para a capital da República, a do chamado Fundo Constitucional, está vinculada ao desempenho fiscal da União. O repasse dos recursos garantidos em lei para o pagamento de pessoal na saúde, segurança e educação será tanto maior quanto melhor for a arrecadação do governo federal.
As previsões, no entanto, apontam para queda da receita em 2009, o que jogará para baixo também as transferências previstas para o DF. Com base no desempenho do governo federal dos últimos sete meses, já se prevê, por exemplo, que o aporte de verbas federais em 2010 será o menor desde a criação do Fundo Constitucional, em 2002. É que desde julho do ano passado, a medição de riquezas da União variou para baixo na maioria dos meses. Só para se ter ideia, entre novembro e dezembro a Receita Corrente Líquida, que já apresentava queda de 7%, minguou em 36%.
O impacto desse encolhimento foi projetado até junho do ano que vem, quando fecha o ano fiscal e, portanto, se tem a base de cálculo para as transferências. O resultado, na melhor das hipóteses ; se os efeitos da crise se estabilizarem ;, é que se terá um índice de crescimento de apenas 3,6%. Esse percentual é seis vezes mais baixo do que a performance no primeiro semestre de 2008, quando o Fundo Constitucional atingiu a melhor fase, registrando aumento de quase 19%.
E é justamente sobre esse reajuste recorde que os professores pretendem emparelhar os salários de 2009 e 2010. A vinculação das remunerações ao Fundo Constitucional foi prevista no início de 2007, quando ocorreu a aprovação do plano de cargos e salários. Mas, recentemente, a medida foi condenada pelo Ministério Público, que apresentou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contestando a base de cálculo para corrigir a folha de pessoal da educação. O MP sustenta que não se pode atrelar aumento de salário a índices variáveis, como é o caso dos repasses do fundo, sob risco de provocar um aumento em cascata.
R$ 32 milhões a menos
A desaprovação do Ministério Público não é o único impedimento do governo para chegar aos patamares reclamados pelos professores. Além das perspectivas de repasses menores, o GDF alega que a receita recolhida com impostos e taxas sofreu em janeiro frustração de, pelo menos, 6,9%. Frustração é um termo usado quando o governo programa um valor de arrecadação que não se confirma. Em números absolutos, significa dizer que o tesouro local teve R$ 32 milhões a menos em apenas um mês.
Em fevereiro, essa diferença entre expectativa e receita real foi ainda maior, de 12%, ou R$ 72 milhões, dinheiro que daria para construir 36 escolas públicas ou até oito postos de saúde. ;Vivemos um processo de desaceleração da economia. A cada mês que passa se arrecada menos, o que ocorre em função da distorção, provocada pela crise, entre a previsão do que o governo pretendia arrecadar e o que de fato se confirmou;, explica o secretário de Planejamento, Ricardo Penna.
O impacto de um aumento de salários na proporção reivindicada pelo sindicato dos professores custaria ao ano R$ 640 milhões. O valor equivale a um terço do custo de todas as obras de infraestrutura que o governo pretende realizar em 2009, um impacto com o qual o GDF sustenta não ter a menor condição de se comprometer, sob o risco de precisar rever ações consideradas como prioridade e programadas para os próximos meses. Entre elas, estão os investimentos no transporte público, saúde, segurança, além dos programas de assistência social.