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Aparelho desenvolvido na UnB deve ser usado para treinamento da Agência Espacial Brasileira

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Está em fase final de testes um foguete produzido por estudantes da Universidade de Brasília (UnB) que deve ajudar a Agência Espacial Brasileira (AEB) a treinar pessoal e fazer exercícios de logística nos centros de lançamento do país. Fruto de uma parceria entre a AEB e o Departamento de Engenharia Mecânica da universidade, o foguete Santos Dumont 2 (SD-2) é impulsionado por um motor híbrido (com combustível sólido e líquido), tecnologia pioneira no Brasil e que aumenta a segurança do aparelho. Tudo por apenas R$ 3 mil, um preço irrisório comparado aos milhões de reais necessários para produzir e testar um veículo lançador de satélites no Brasil. ;Não teríamos tempo para desenvolver essa tecnologia;, diz José Bezerra Pessoa Filho, chefe da Divisão de Propulsão Espacial do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), que veio de São José dos Campos (SP) a Brasília só para acompanhar os testes finais do foguete. Ocupados com projetos mais avançados do Programa Espacial Brasileiro, os engenheiros da AEB delegaram aos universitários do país a descoberta de novas tecnologias, por meio do Programa Uniespaço. ;Vamos levantar o programa espacial brasileiro. Podem esperar novidades nos próximos anos;, avisa o estudante Danilo Sakay, 25 anos, envolvido no projeto do foguete desde 2006. Em teste realizado no mês passado, os alunos da UnB avaliaram pela primeira vez o desempenho do foguete em posição de lançamento. Por volta de 18h do último dia 20, um raio de 20m ao redor do aparelho (que estava preso a uma torre de metal para não decolar) foi esvaziado, para evitar acidentes. Atrás do muro que sustentava a torre, os alunos ligaram o motor, que funcionou por apenas 3s, porque a tampa do reservatório do oxidante (que reage com o combustível) não suportou a pressão e se rompeu. O professor Carlos Alberto Gurgel Vieira, responsável pelo projeto, explica: ;A tampa de vedação explodiu por causa da variação entre a temperatura da parte inferior do foguete (2.500 °C) e do óxido nitroso (-80°C), que é composto de nitrogênio e oxigênio. Nós imaginamos que o alumínio ia aguentar, mas vamos ter que revesti-lo com uma camada de polímero (material mais resistente a alterações de temperatura) e soldar a tampa em vez de parafusá-la;. ;É assim mesmo. O ensaio serve para identificar os pepinos. Faz parte do processo;, consolava, depois do ensaio, o engenheiro e observador José Bezerra, que disse enxergar muito potencial nos alunos da UnB. Outro contratempo já tinha adiado o teste no dia anterior. Um problema na ignição do aparelho impediu que o motor fosse ligado. Pelos cálculos dos cientistas da UnB, o motor do foguete deveria ter funcionado por pelo menos 10s, tempo suficiente para checar se o aparelho alcançava uma potência de 1,5 kilonewtons, que elevaria o foguete aos planejados 6km do chão. ;Estamos competindo com um grupo da Universidade de Stanford (Estados Unidos);, revela o estudante de engenharia mecânica Pedro Luiz Kaled Da Cás. Segundo Kaled, que optou pelo curso de mecânica porque não existe formação superior para engenheiro espacial no Brasil, os estudantes de Stanford criaram um foguete muito semelhante, abastecido pelo mesmo combustível (parafina industrial granulada, igual à utilizada em velas), e o aparelho alcançou 5km. ;Nossa meta é alcançar 6km e superá-los;, diz. Próximo teste O foguete SD-2 é desenvolvido desde 2005 na UnB. A terceira geração do projeto, chamada ;Desenvolvimento de um motor híbrido, com empuxo variável para foguetes de sondagem;, recebeu um patrocínio de R$ 150 mil da AEB. ;O valor é muito pequeno;, admite José Bezerra. ;Mas, na medida em que o projeto for mostrando resultado, eles podem reivindicar mais dinheiro;, acrescenta. O próximo teste do SD-2 deve acontecer ainda este mês. Caso sua eficiência seja comprovada, o foguete será lançado nos próximos meses no Centro de Lançamento Barreira do Inferno, em Parnamirim (RN). ;Se o foguete alcançar os planejados 6km de altura na base de Parnamirim, nós podemos pensar em fazer modelos maiores;, planeja Bezerra. Segundo o engenheiro, a tecnologia do SD-2 pode ser aproveitada, inclusive, para desenvolver um motor de indução de reentrada, necessário para trazer satélites em órbita de volta ao solo. Depois de finalizado esse modelo do motor híbrido, o projeto continua. A expectativa do professor Gurgel é de que o aparelho alcance 100km de altura em quatro anos. Uniespaço O Programa Uniespaço foi criado pela Agência Espacial Brasileira (AEB), em 1997, para incentivar a participação de universitários no Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE). ;Nosso objetivo é integrar as universidades nacionais ao Programa Espacial Brasileiro e atender à demanda tecnológica do setor;, explica Loiva Lopes Calderan, gerente do Uniespaço. Atualmente, a AEB auxilia 15 projetos em oito universidades federais espalhadas pelo país, entre elas as instituições de ensino superior do Rio de Janeiro, de Ouro Preto, Londrina, Minas Gerais e Santa Catarina. ;Mais de 20 alunos participaram só desse projeto da UnB. Como eles mexeriam com esse tipo de coisa sem um projeto como o Uniespaço?;, questiona José Bezerra Pessoa Filho, do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE). A agência espacial publica um novo edital de pesquisa a cada dois anos e deve lançar o de 2009 nos próximos meses. Segundo Calderan, as prioridades de cada projeto são definidas pelas universidades, mas o edital estabelece as áreas que serão contempladas pela agência. A expectativa este ano é de que as áreas de materiais e veículos sejam mantidas como prioridades.