Jornal Correio Braziliense

Cidades

Flores sem o seu jardineiro fiel

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A semana começou triste para Francisco Ozanan Correia Coelho. O homem que criou todos os gramados e jardins do Distrito Federal se aposentou na última segunda-feira, 40 anos depois de assinar seu contrato com a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap). ;A emoção de assinar a rescisão foi muito maior do que a que eu senti quando comecei a trabalhar aqui;, comentou o engenheiro agrônomo, um dia depois de se desligar da empresa. A contribuição de Ozanan para a cidade é tão grande que a Novacap decidiu convocar uma coletiva de imprensa para marcar a aposentadoria do jardineiro de Brasília. Questionado sobre onde preferia conceder a entrevista, Ozanan, que se despedia do seu escritório, não titubeou: ;Vamos lá para fora, que é o meu ambiente;. Uma tropa de repórteres, fotógrafos e cinegrafistas seguiu o até então diretor do Departamento de Parques e Jardins (DPJ) da Novacap pelos jardins da companhia, às margens da Estrada Parque Indústria e Abastecimento (Epia), enquanto o pioneiro contava sua história. ;É difícil se desligar. Já estou aposentado e continuo vindo, fico inventando motivos. Ficaram de mandar minha declaração de renda, mas eu disse que não enviassem porque vinha buscar;, diz. A decisão de deixar o cargo veio depois um problema no estômago que manteve Ozanan por 12 dias no hospital e quase o conduziu a um estado de coma. Depois de conversar com a família, ele, que tem 65 anos, percebeu que estava na hora de descansar. Por pelo menos dois meses, porque o engenheiro agrônomo tem planos. ;Agora, eu vou ganhar dinheiro;, brinca. Ozanan pretende abrir uma empresa, que já tem nome e slogan: ;O Cravo e a Rosa ; faça seus gramados e jardins com quem fez todos os de Brasília;. Modesto O diretor do DPJ pelos últimos 30 anos foi responsável pela plantação de 50 milhões de m² de gramados, mil jardins e milhares de árvores em Brasília, mas não vê motivo para se gabar. ;Vocês estão dando muita importância a um jardineiro;, comentou enquanto posava para os fotógrafos. Durante sua carreira, Ozanan nunca chegou a tirar uma semana de folga, nem para casar. ;Casei em um sábado com a promessa de uma folga de 10 dias, mas voltei a trabalhar na segunda-feira;, lembra o engenheiro, que se orgulha apenas de nunca ter se envolvido em nenhuma irregularidade ou escândalo. Ozanan diz que deixa a Novacap com a consciência tranquila, mas preocupado com a continuidade de seu trabalho. ;Falta deixar as cidades-satélites no mesmo nível de arborização do Plano Piloto, Sudoeste e lagos Sul e Norte. Felizmente, estamos caminhando celeremente para isso;, analisa. O engenheiro agrônomo também espera ver a manutenção do Projeto Urucum, que atende a 300 adolescentes carentes. Eles aprendem noções básicas de jardinagem e têm aulas de informática e educação física, entre outras atividades. Ceará O homem que plantaria todos os jardins da capital nasceu numa fazenda a 7km do município de Barbalha, no Ceará. Ozanan Coelho chegou a Brasília em 1969, recém-formado em agronomia pela Universidade Federal do Ceará, e a primeira impressão não foi boa. ;Fiquei hospedado no Hotel Londres, que de pomposo só tinha o nome;, lembra. O hotel, um barraco feito de tábuas, ficava no início da W3 Norte, em meio à poeira. Quem gostou da viagem foi o pai, que era ;juscelinista doente;. Por causa da saudade de casa e da namorada, o engenheiro quase volta para casa nos primeiros meses. ;Mas, depois do quarto mês, eu já estava convencido de que ia morrer em Brasília. Não há possibilidade humana de me tirarem daqui;, diz. Entre os inúmeros jardins projetados na cidade, o engenheiro agrônomo destaca o da entrequadra 201/202 Sul, próximo da sede da Polícia Federal. ;Quero que parte das minhas cinzas sejam enterradas lá;, planeja. Quando morrer, Ozanan quer ser cremado e instruiu a família a espalhar suas cinzas por outros três pontos da cidade, onde estão suas árvores prediletas ; um buriti, uma paineira e uma copaíba (veja quadro ao lado). ;O buriti nós salvamos de um doido que tentou derrubá-lo porque, segundo ele, a árvore dava azar ao (ex-governador Joaquim) Roriz. A paineira eu impedi que fosse derrubada, em 1969, e ela acabou se tornando a mais bonita de Brasília;, explica. A copaíba, segundo Ozanan, é mãe, avó e bisavó de muitas outras que existem na cidade. O substituto de Ozanan ainda não foi anunciado e será nomeado diretamente pelo governador José Roberto Arruda. Veja videorreportagem: sobre a coletiva de Ozanan Os Tesouros de Ozanan Jardim da entrequadra 201/202 Sul ;Agora ele não está tão bonito, pois as plantas ainda estão crescendo, mas é o jardim de que mais gosto, porque ele tem um caminho central por onde as pessoas podem passar entre as flores.; Buriti localizado na Praça do Buriti ;A árvore foi transplantada em 1978 para a praça e um homem tentou cortá-la anos depois. Quando cheguei ao local, ele estava acionando a motosserra para terminar o serviço. Chegou a cortar 70% dela, mas nós conseguimos salvá-la. Depois, fui à cadeia para saber o porquê daquilo. O homem acreditava que o buriti dava azar ao então governador Joaquim Roriz.; Copaíba da 309 Sul ;Ela fica do lado da comercial. Já estava naquela região quando chegamos. Essa copaíba é mãe, avó e bisavó de muitas outras copaíbas espalhadas pela cidade. Além de ser muito bonita, foi dela que saíram as sementes para muitas outras árvores que plantamos por aí.; Paineira do Tribunal de Justiça do DF ;Eu passava pela região numa noite do ano de 1969 e percebi que os peões se preparavam para cortá-la. Eu impedi que fosse derrubada e a árvore acabou se tornando na paineira mais bonita e frondosa de Brasília. Ela é demais. Floresce primeiro do lado esquerdo e depois do lado direito.;