Jornal Correio Braziliense

Cidades

Passarelas são usadas como banheiros e são pontos de assaltos

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O cheiro de urina e fezes agride o olfato. Cacos de vidro, latas e pedaços de papel higiênico sujam o chão. As paredes, tomadas por pichações, já não contam com boa parte dos azulejos. A maioria dos refletores que deveriam iluminar o lugar e oferecer mais segurança para a população estão depredados. A presença da polícia, segundo pedestres, é rara por ali. Já o medo de atravessar é constante. Ontem, o Correio visitou parte das 18 passagens subterrâneas do Plano Piloto. Em todas encontrou um cenário semelhante ao descrito acima. O governo, que promete a revitalização dos locais há dois anos, não nega a situação precária. Enquanto isso, cerca de 86 mil pessoas que preferem não se arriscar entre os carros para cruzar o Eixão todos os dias são obrigadas a enfrentar o descaso com o patrimônio. Dos oito refletores da passagem subterrânea da 216 Norte, apenas um está inteiro. Os demais acabaram alvos de vândalos, assim como a maioria das centenas de luminárias dos demais locais de travessia das asas Sul e Norte, segundo levantamento da Companhia Energética de Brasília (CEB). Atravessar o Eixo Rodoviário na altura da 107 Sul sem tampar o nariz é tarefa difícil. Ali, a passagem é usada como banheiro público. E o chão, lixeira. Cacos de garrafas de bebidas alcoólicas e outras imundices também são comuns no pontos de cruzamento. Não é à toa que muitos pedestres prefiram fazer a travessia pela passagem de acesso ao metrô, na altura da 108 Sul, que está conservada e policiada. De acordo com o secretário de Transportes, Alberto Fraga, a situação precária se repete nas 18 passagens. ;O estado é crítico. Tivemos atrasos na aprovação do projeto de revitalização, mas esperamos começar as obras ainda este ano (leia abaixo);, admitiu. Sem segurança O aposentado Carlos Espina, 66 anos, vai das quadras 100 para as 200 com frequencia. Morador do fim da Asa Norte, ele prefere não se arriscar no trânsito do Eixão ; onde há uma média de 14 mortes por ano, segundo levantamento do Departamento de Estradas de Rodagem. Desce pelas passarelas, criadas em 1960 para proporcionar uma travessia segura aos moradores da capital. Mas tem medo. ;A gente fica com receio, não tem segurança aqui. Além do mau cheiro, que é muito forte;, reclamou ele, que sugere a presença ostensiva da polícia como meio de diminuir a insegurança. Segundo informações das delegacias das asas Sul e Norte, o crime mais comum nas passagens é o roubo. Procurada, a Polícia Militar não se pronunciou pois esteve de recesso na quarta-feira de cinzas. Para usar as passagens das quadras centrais da Asa Sul é preciso estar atento para não pisar em poças de urina e em fezes expostas. A dona-de-casa Valdirene de Almeida, 38, desviava dos dejetos com uma criança de 11 meses no colo. ;Vim do Riacho Fundo para levar meu filho no hospital. O governo tem que parar de fazer promessa e agir para limpar isso aqui;, protestou. Segundo pedestres ouvidos pela reportagem, durante a temporada de chuvas em Brasília não dá para fazer a travessia, pois a água acumulada fica imunda. Na manhã de ontem, o estudante Pedro Oliveira, 23, deu passo largos para cruzar o Eixão. ;Não uso as passagens porque não cuidam;, afirmou o morador da Asa Sul. Dados do DER mostram que das 100 mil pessoas que cruzam o Eixão diariamente, 14% não usam as passagens. Jogo de empurra Definir de quem é a responsabilidade sobre as passagens subterrâneas é difícil. Nem o governo sabe ao certo e diz que se trata de uma ação conjunta de vários órgãos. Para a administradora de Brasília, Ivelise Longhi, o estado precário em que se encontram os lugares é um reflexo da falta de integração. ;A limpeza fica com o Serviço de Limpeza Urbano (SLU), a iluminação com a CEB, a revitalização com a Secretaria de Transportes. É preciso investir no trabalho conjunto para evitar o jogo de empurra;, comentou ela, que definiu o papel da administração como de articulação entre as partes. Há dois meses, após receber reclamações de diversos moradores do Plano Piloto, Ivelise encaminhou à Secretaria de Transportes um relatório ilustrado com a situação das passagens: ;É preciso agir rápido;. A CEB informou que no início do ano passado todo o sistema de iluminação das passagens passou por revitalização. Na Asa Norte, o vidro das lâmpadas recebeu reforço de policarbonato e, na Asa Sul, os refletores foram gradeados. No entanto, a situação flagrada pela reportagem na manhã de ontem era bem diferente. Na parte Norte, achar uma lâmpada inteira foi luxo. Na Asa Sul, as grades não impediram o vandalismo. A CEB informou que estuda, junto com a Secretaria de Segurança Pública, uma nova forma de recuperar o patrimônio. Para Ivelise Longhi, a melhor política de preservação é a conscientização da sociedade. ;É um patrimônio público. A destruição deles é o prejuízo de todos;, concluiu a administradora. Recuperação indefinida Dois anos depois de o governo anunciar a revitalização das passagens subterrâneas, o projeto ainda não saiu do papel. De acordo com o secretário de Transportes, Alberto Fraga, a proposta deve ser concluída até 30 de março. O início das obras, no entanto, ainda é incerto. ;Precisamos da autorização do Banco Interamericano de Desenvolvimento ; responsável pela liberação da verba ; para dar início às licitações. Espero começar ainda este ano;, disse. Há um ano, ele afirmou que a licitação para as melhorias ocorreria até julho de 2008. O projeto inclui a construção de ciclovias e de muretas de contenção no Eixão. O atraso, segundo o GDF, se deve ao embate sobre a construção das muretas, anunciadas em abril do ano passado após uma colisão frontal que deixou quatro mortos. ;Tivemos que mudar para incluir as muretas;, disse Fraga. Com o projeto aprovado pela segunda vez, as obras foram novamente suspensas em outubro, depois que o arquiteto Oscar Niemeyer discordou das muretas. ;Se preciso, vou desmembrar o projeto para agilizar;, prometeu Fraga. O investimento de R$ 26 milhões prevê melhorias na iluminação, no acesso para deficientes e câmeras nas passagens. (JC)