A provocação ;te pego lá fora; é feita por scrap, uma espécie de recado na página de relacionamento da internet. O encontro para a briga tem hora marcada pelos chats de conversa instantânea. E as imagens se tornam públicas pelo YouTube. O enfrentamento de adolescentes de classe média em locais badalados do Plano Piloto está ganhando uma dimensão perigosa. Não apenas pela briga em si, mas também pela necessidade de transformar o confronto em espetáculo divulgado de imediato para usuários da rede em todo o mundo. ;De nada adianta brigar se ninguém vai ver;, resume um estudante do primeiro ano do ensino médio, que há uma semana assistiu à briga de dois adolescentes no Parque da Cidade. ;É considerado ;o cara; quem tem mais acesso aos vídeos postados ou amigos no Orkut;, completa o garoto de 15 anos.
Para tentar decifrar o fenômeno, o Correio ouviu especialistas, pais e educadores. ;Todos os dias são dezenas de vídeos divulgando brigas grandes entre alunos de diferentes escolas, entre bairros ou ruas;, observa o diretor de prevenção da ONG Safernet, Rodrigo Nejm. A ONG defende o uso seguro da internet. ;O fenômeno violento mostra traços do indivualismo e necessidade de espetacularização da classe média e dos mais ricos;, completa. Um dos motivos, segundo Nejm, é o fato de muitos dos pais desses garotos serem ausentes e deixarem os meninos soltos ou encherem a agenda dos filhos de atividades. ;A realidade nem sempre é negociada e a briga entre eles vira o momento da libertação. Algo do tipo: faço o que eu quero, na hora que eu quero.;
;As roupas, os veículos, a moradia, as quadras e os colégios configuram o horizonte familiar e o processo de socialização do adolescente privilegiado e preso às redes de comunicação virtuais. A internet, os videogames e a televisão a cabo definem o universo da fragmentação de uma existência vazia e fútil;, argumenta o sociólogo Lúcio Castelo Branco. ;A realidade é apenas um prolongamento eventual de uma vida volátil, absorvida pelas fantasias típicas de personalidades regredidas.;
Sem controle
Para a especialista em violência e consultora da Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana (Ritla) Miriam Abramovay, briga entre pares não é novidade. ;O problema é a humilhação pública e mundial que está impregnada no fenômeno que começa a despontar;, observa. ;O exibicionismo é uma forma de romper com a realidade estabelecida mas, desta vez, o espetáculo é apresentado em uma dimensão incontrolável;, completa.
No caso da briga no Parque da Cidade entre dois estudantes, um vídeo feito pelo celular foi jogado na internet poucas horas depois do confronto, mesmo com a ação da polícia que levou mais de 40 adolescentes para a Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA). Até o momento, o trabalho dos investigadores aponta para uma briga causada pelo ciúme. A namorada de um dos garotos teria sido paquerada pelo outro.
Mas nem sempre precisa haver um motivo. Os enfrentamentos entre jovens da classe média, na maioria das vezes, seguem um padrão semelhante ao encontrado nas lutas de vale-tudo. Ou seja, um grupo escolhe alguém para enfrentar o eleito de outro grupo. É a briga pela briga. Essa característica é uma marca quase exclusiva da capital do país. Em outras cidades, os confrontos têm motivos, mesmo que fúteis, como um esbarrão na boate ou a suspeita de um olhar interessado para a namorada de alguém.
Magros, com estatura mediana e cabelos bem cortados, eles nem de longe lembram os adolescentes encrenqueiros que dominam o imaginário dos brasilienses. O visual dos jovens brigões mudou. São poucos os pitboys ou os marombados. As investigações mostram que os adolescentes que marcam confrontos na proximidade das escolas, festas ou shoppings se parecem muito com os filhos da classe média. Esse é outro fenômeno que diferencia os adolescentes das brigas de hoje dos garotos dos anos 1990 e do início desta década, quando era moda entre os brigões praticar jiu-jitsu, caratê ou capoeira.
;A gente vê nossos filhos e não acredita que eles podem estar brigando ou incentivando os colegas a se enfrentarem;, desabafa uma mãe que, desde a notícia da briga no Parque, faz questão de buscar o filho de 13 anos no colégio. O menino jura que não estava entre os brigões, mas ela ficou com medo.
Outra mãe, de uma garota de 14 anos e de um adolescente de 16, decidiu evitar locais com aglomeração de jovens depois que ela acompanhou os filhos a um show de música baiana. ;Meus filhos pediram para ir e eu e o pai fomos juntos. Vi um rapaz ser atingido por garrafas, sendo chutado, esmurrado. Ele desfaleceu. Houve desespero. O grupo que o atacou fugiu. A toda hora havia foco de luta pra todo lado;, lembra.
;Depois desse show de horror, decidimos proibi-los de frequentarem esses locais. Está ficando difícil jovens de bem se divertirem em Brasília. Não tenho coragem de deixá-los ir a outro lugar que não seja cinema, teatro, sorvete. O Pier 21, que era tranquilo, também virou palco de brigas.;
Leia matéria completa, mais histórico de brigas que terminaram em tragédias na edição deste domingo do Correio Braziliense