Cidades

Das 300 cabeceiras de córregos e rios cadastradas, apenas 162 são monitoradas

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postado em 21/10/2008 08:34
A copa formada pelas folhas da palmeira faz sombra para casas erguidas no Condomínio Sol Nascente, em Ceilândia. O tronco da árvore, às vezes, chega a sustentar barracos de madeira construídos sobre um solo de vereda, uma região de recarga do lençol freático onde a terra é encharcada e cheia de olhos d;água. A árvore que serve de pilastra de apoio para as residências é um buriti, espécie típica do cerrado que denuncia a presença de água nos arredores. Para especialistas, basta visualizar um buriti para saber que há nascentes ou córregos por perto. Em Ceilândia, porém, a riqueza natural foi devastada pela ocupação irregular: as nascentes foram aterradas para a construção das casas, onde atualmente vivem cerca de 70 mil pessoas. A água que brota no meio do condomínio corre para o Ribeirão Melchior, um dos afluentes do Rio Descoberto, responsável pelo abastecimento de 65% da população do Distrito Federal. O manancial é um dos 93 com graves problemas ambientais, como publicou ontem o Correio. A reportagem de hoje mostra que a degradação dos córregos, na maior parte das vezes, começa ainda na nascente, a quilômetros de distância das margens, como ocorre com o Melchior. O Instituto Brasília Ambiental (Ibram) estima que existam mais de mil nascentes espalhadas pelo DF, mas não sabe sequer a localização de 700 delas. Apenas 300 constam no cadastro do instituto e só 162 são constantemente monitoradas porque participam do programa Adote uma nascente. Mesmo entre as adotadas, há aquelas em situação precária. De acordo com o Ibram, somente 47 nascentes ; 29% do total ; estão praticamente intactas, ou seja, têm mais de 70% da cobertura vegetal que as protege. Não possuir cobertura vegetal significa não ter árvores típicas plantadas ao redor, o que serve de proteção para um curso d;água. Sem as plantas, terra, folhas soltas e sujeira são arrastados pela chuva para dentro da água, causando assoreamento e erosão. Os dados do Ibram mostram que 51 nascentes têm menos de 30% da cobertura vegetal e, por isso, estão gravemente ameaçadas. ;Além de estarem desmatadas, elas recebem lixo e até esgoto. A cobertura vegetal não existe mais por causa da ocupação irregular do solo;, lamenta a bióloga Vandete Inês Maldaner, coordenadora do programa Adote uma nascente. É o que acontece na nascente do Córrego Urubu, que também está degradado. A água que forma o manancial brota perto do Varjão. Uma das nascentes fica na Quadra 5 e sofre com a ocupação urbana. Em abril deste ano, técnicos da Sudesa fizeram uma vistoria no local e a nascente estava cheia d;água. Agora, porém, terra, folhas secas, lixo e entulho tomam o lugar da água. ;A nascente é intermitente, a vazão diminui mesmo na época da seca. Mas ela está muito aterrada e ameaçada de ser extinta;, explica a engenheira florestal Ester Martins, técnica da Subsecretaria de Defesa do Solo e da Água. O Ibram contratou empresas de consultoria para mapear todas as nascentes do DF, mas ainda não há prazos para o trabalho ser concluído. Por enquanto, o que se sabe é que as nascentes em área rural estão mais conservadas e são maioria entre as adotadas: 110 delas estão em fazendas ou unidades de conservação ambiental. Meio rural ;No meio urbano, a nascente é vista como um impedimento para o crescimento da cidade e é simplesmente ignorada. Já no meio rural, os produtores valorizam a presença da água e as nascentes, de uma forma geral, estão protegidas;, observa a coordenadora do Adote uma nascente. A legislação ambiental brasileira classifica uma área de 50 metros ao redor das nascentes como Área de Preservação Permanente (APP) e proíbe qualquer construção nesse raio. Mas a lei é ignorada no DF. No Condomínio Sol Nascente, por exemplo, as casas estão em cima de olhos d;água, e aqueles que ainda não foram aterrados têm dificuldade para se manter cheios. Em um deles, é até possível ver a água correndo, mas impossível identificar o ponto exato onde ela brota porque a nascente está completamente tampada por mato e lixo. Até um sofá foi jogado no local. Os moradores que construíram na cabeceira nem sequer sabem que ameaçam o meio ambiente. ;Tem pouca água assim o ano inteiro. É uma captação que a Caesb tem lá em cima;, diz um senhor que não quis se identificar. Além de desconhecer que ocupa uma APP, o morador ignora os riscos. A casa dele foi erguida nas margens da nascente, onde uma enorme erosão se formou, e fica à beira de um barranco. O muro está torto e ameaça desabar a qualquer momento. Além disso, as casas estão sujeitas a inundações porque o solo tem pouca capacidade de absorver a água da chuva por já ser bastante irrigado. À espera de dinheiro O programa Adote uma nascente existe desde 2001, mas apenas em agosto foi institucionalizado por um decreto assinado pelo governador José Roberto Arruda. As 162 nascentes adotadas são monitoradas a cada dois anos pelos técnicos do Instituto Brasília Ambiental (Ibram), mas a equipe tem apenas quatro pessoas, além de carência de carros, motoristas e verbas. Agora, o instituto espera receber um recurso de R$ 43 mil, vindo da Fundação de Apoio à Pesquisa do DF (FAP-DF), para colocar em prática um projeto de vazão da água das nascentes. ;Durante as vistorias que fazemos, medimos a qualidade da água e do solo e observamos a cobertura vegetal. Mas queremos ver se a quantidade de água aumentou para saber se as ações estão dando resultado;, afirma Vandete Inês Maldaner, coordenadora do programa. Adotar o ponto onde brota um curso d;água requer mais que boa vontade. Qualquer pessoa, empresa, associação ou entidade civil pode se candidatar (www.ibram.df.gov.br). Mas os escolhidos precisam arcar com os custos da preservação, como colocar placas e cercas, comprar mudas para reflorestar o local e impedir a invasão dos 50 metros destinados à Área de Preservação Permanente (APP). ;A partir do momento em que a pessoa adota, deve estar ciente de que o ônus é dela. Queremos aumentar as adoções, mas, para isso, precisamos ter voluntários comprometidos;, afirma Vandete. O programa é cadastrado pelo Ministério Público do DF e dos Territórios (MPDFT) para receber dinheiro das medidas alternativas aplicadas a condenados por crimes ambientais. Manter um curso d;água vivo também não é tarefa fácil. A ONG Vertente Verde adotou uma nascente no Condomínio Privê do Lago Norte, que corre diretamente para o Lago Paranoá. A área, porém, é visada por grileiros ainda hoje, que pressionam a entidade para ocupar o terreno de APP. ;As pessoas compraram os lotes na área de preservação e, agora, querem construir neles;, explica o presidente da ONG, Edson Bernardes. No ano passado, a organização plantou 470 mudas de espécies nativas doadas para reflorestar a área em volta da nascente. Mas, em agosto, um incêndio matou todas as plantas. Para Bernardes, o fogo foi criminoso. A placa que sinaliza a cabeceira já foi roubada e tem marca de tiros. ;Nós ficamos no meio da linha de fogo, sem poder de polícia nem de Estado;, diz o presidente da Vertente Verde, que, há 11 meses, conta com a ajuda do síndico do Privê, Francisco Braga, para manter o local cheio de água pura e transparente durante todo o ano. ;Identificamos 49 lotes vendidos em APP que foram desconstituídos. Não recebemos mais taxa de condomínio dos donos desses terrenos e estamos estudando o que fazer com eles;, conta Braga. Ministério Público As quatro promotorias de Defesa do Meio Ambiente do MPDFT também acompanham a situação dos córregos e nascentes do DF. Cada uma delas é responsável por uma bacia hidrográfica. De acordo com a promotora Marta Eliana de Oliveira, o ocupação irregular é a maior vilã dos recursos hídricos no DF e somente a educação ambiental dos cidadãos seria capaz de reverter o quadro de devastação. ;Lei não falta para preservar o meio ambiente, o DF está todo inserido em unidades de preservação. Mesmo que a fiscalização fosse eficiente, o ideal seria que os cidadãos se conscientizassem para eles mesmos serem fiscais dos recursos que lhes pertencem;, ensina.(GR)

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