Na Quadra 412, Conjunto 5, Casa 1, de Samambaia Norte, o clima é de desolação. A morte de Letícia Rodrigues da Silva, 12 anos, atropelada na madrugada do último domingo (5/10), em cima da calçada, na avenida principal, em frente à Quadra 410, deixou os pais, Sebastião Gonçalves da Silva e Rosimeire Rodrigues de Andrade, em estado de choque. Nesta terça-feira à noite, professores da Escola Classe 410 de Samambaia, onde a menina cursava a 4ª série, foram devolver aos pais o material escolar e fotos de Letícia. De acordo com a filha mais velha, Rosana, 19, Rosimeire passou mal. À tarde, a mãe conversou rapidamente com o Correio. Em lágrimas, contou que Letícia às vezes pedia para dormir com ela, porque ;sentia minha falta;.
Sirley Rodrigues dos Santos, prima de Letícia, que também foi atropelada, está no Hospital Regional de Taguatinga, com fraturas na bacia, na perna esquerda, hematomas no rosto e não se lembra do que ocorreu. A mãe dela, Sirlene Rodrigues de Andrade, diz que não tem coragem de contar que a criança morreu porque as duas eram como irmãs. ;Minha filha morava na casa da Letícia. Elas eram muito unidas. O médico me disse que não posso falar antes da Sirley fazer a cirurgia, porque ela precisa de tranqüilidade;, conta a mãe.
Na segunda-feira, o jovem que causou o acidente, Raul Alexandre Costa, 19, apresentou-se à 26ª Delegacia de Polícia de Samambaia. Contou aos policiais que não tem habilitação e que pegou o Chevette placa GPU 6877 sem autorização do dono. Disse que fugiu do local com medo de ser linchado, mas que pediu socorro para as meninas. O dono do veículo, Jean Fábio Batista dos Santos, vizinho de Raul, também esteve na delegacia. Ele disse que não emprestou o carro para o jovem.
A versão de Raul não corresponde à dos familiares das garotas nem de testemunhas. Sílvia Rodrigues de Oliveira, 25, tia de Letícia, afirmou, ontem, que os vizinhos e amigos estão revoltados. ;Ela era um doce de criança. Meiga, humilde, todo mundo gostava dela;, relata. De acordo com a tia, a irmã de Letícia estava na lanchonete e viu quando o carro bateu na menina. ;A Milena pensou que ela estava simplesmente dando um pulo;, diz Sílvia. Ela só se deu conta de que a irmã havia sido atropelada ao vê-la ensangüentada no chão da lanchonete.
A comerciante Elisângela Peixoto não consegue esquecer o que viu. ;Quando ouvi o barulho do carro eu pensei: esse cara é louco, subindo a rua nessa velocidade. Aí, ouvi o barulho dele pegando as duas e corri quando vi o carro arrastando a Sirley (a mais velha). Então olhei para a lanchonete e ;gritei tem uma caída aqui dentro!’;, continua a jovem.
;Na hora já vi que ela estava morta. O rosto ficou irreconhecível, todo roxo. É uma coisa para a gente não esquecer;, recorda Elisângela. Ela conta que Raul Costa atropelou as jovens, seguiu em frente, arrastando Sirley, dobrou à esquerda e foi parar o carro bem distante do local do acidente.
Procurado para explicar os motivos que o levaram a pegar o carro de um amigo sem autorização e sem ter carteira de motorista, Raul Alexandre Costa não quis falar com o Correio. Sua mãe, Lucimar de Souza Costa, disse que ele está muito abalado com o acidente, porque ;estão tratando ele como se fosse bandido, mas meu filho não bebe, não fuma;, garante.
Lucimar espera que a perícia policial confirme a versão do filho, de que o carro estava desgovernado, e de que ele não teve culpa no atropelamento. Ela confirmou que Raul não tem habilitação, mas trata o assunto como fatalidade. ;Meu filho estuda, trabalha, quer fazer vestibular no fim do ano;, diz a mãe.
No Centro de Ensino Médio 414 de Samambaia, onde Raul estuda, a notícia causou surpresa. A vice-diretora, Renísia Tavares, disse que ele é um aluno tranqüilo, que a mãe sempre foi presente na escola. Há dois anos passou a estudar à noite, para fazer estágio durante o dia. ;É um aluno normal, nunca nos deu problema;, explica a professora.
Brilho de estrela
Rosana, Milena, Lorena, Letícia e Sara. Na Casa 1 do Conjunto 5 da Quadra 412, brilhavam cinco estrelas. A fatalidade apagou o brilho de Letícia, que adorava dançar, estava sempre sorrindo, gostava de tirar fotos e juntava moedas no cofrinho para comprar um presente no Dia das Crianças. Rosana e Milena querem fazer camisetas com mensagens de saudade para que os amigos não esqueçam Letícia. Vão lembrar do acidente? ;Acho que não. A gente só quer mesmo justiça;, diz a tia Sílvia Oliveira.
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