Jornal Correio Braziliense

Cidades

Cercas vivas dificultam o acesso aos prédios das quadras residenciais do Plano Piloto

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As superquadras brasilienses estão ganhando muros. Usadas para criar jardins individuais no espaço próximo aos prédios, as cercas vivas aumentaram de tamanho e se transformaram em paredes verdes que impedem a livre circulação de pedestres pelas áreas públicas. O expediente contraria as regras do tombamento do Plano Piloto, mas é cada vez mais comum, principalmente na Asa Norte. Na 310 Norte, os blocos B e K possuem cercas vivas cujo tamanho varia entre 1,60m e 1,70m. Em ambos, os paredões naturais foram fixados entre os prédios e a comercial próxima. No Bloco B, estendem-se por toda a lateral do edifício. No K, contornam o parquinho utilizado pelas crianças da vizinhança. Na 303 Norte, o muro de plantas do Bloco D tem aproximadamente 1,5m de altura na lateral. Na parte da frente, tem cerca de meio metro mas, ainda assim, dificulta o acesso ao pilotis do prédio. No Bloco G da mesma quadra, as cercas vivas são baixas, mas o projeto paisagístico isola a área pública perto do edifício do resto da quadra. O prédio foi construído sobre uma elevação do terreno e os arbustos foram plantados em três camadas diferentes, o que inviabiliza a passagem das pessoas. Vida comunitária O projeto pensado por Lucio Costa para as superquadras privilegia a vida comunitária, os espaços públicos. As áreas verdes que circundam os prédios seriam o local por excelência onde se daria a convivência dos brasilienses. Os espaços comuns serviriam para as crianças brincarem, os vizinhos se encontrarem e os pedestres circularem. Por isso, os muros verdes afrontam a concepção de superquadra do urbanista. ;O projeto de Lucio Costa maximiza os espaços públicos. As cercas vivas fazem justamente o contrário. Elas privatizam a área pública;, comenta a arquiteta Vera Ramos, do Instituto Histórico e Geográfico do DF (IHGDF). De acordo com os planos do urbanista Lucio Costa, apenas 57,6 mil metros quadrados ou 15% da área total de uma superquadra estariam ocupados pelos edifícios. Além disso, os prédios suspensos em pilotis proporcionariam aos moradores e passantes a sensação de estar em um espaço amplo e ajardinado. A urbanização das superquadras também seguiria um único projeto, o que permitira a unidade visual do conjunto. ;O projeto de Lucio Costa é uma das principais razões da famosa qualidade de vida brasiliense. Ao abandoná-lo, os moradores estão abrindo mão disso;, observa Vera Ramos. Obstáculos A individualização das áreas verdes do Plano Piloto começou há duas décadas, quando as construtoras incluíram o ajardinamento das áreas próximas em seus projetos imobiliários. De lá para cá, o que já era uma discreta individualização transformou-se em um flagrante isolamento dos prédios. ;As superquadras estão virando um tabuleiro de xadrez, tamanha a quantidade de obstáculos colocados para impedir o acesso aos pilotis;, afirma Alfredo Gastal, superintende regional do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan-DF). O Iphan, que tem como missão proteger o tombamento de Brasília, já encaminhou pedidos para o GDF tomar providências em relação ao assunto. Segundo a diretora de planejamento da Agência de Fiscalização (Agefiz), Bruna Maria Pinheiro, o assunto é da alçada do Departamento de Parques e Jardins (DPJ) da Novacap. ;Se as áreas não foram isoladas com cancelas não podemos intervir. Nossa atuação é quando a invasão de área pública está caracterizada;, explica Bruna. Ela sugere que o DPJ resolva o problema com uma poda das cercas vivas. No DPJ, contudo, a assessoria de imprensa informa que qualquer questão relativa às superquadras do Plano Piloto deve ser resolvida com a Administração de Brasília. Moradores se defendem Os síndicos ouvidos pela reportagem reclamam que há anos o GDF abandonou os cuidados com os jardins das superquadras. Para não deixar o espaço próximo aos blocos abandonado, eles assumiram as áreas próximas aos edifícios em que vivem. ;Nossa intenção não é impedir a circulação de ninguém, mas conservar a área;, afirma o síndico do bloco K da 310 Norte, William Lima Vaz. O síndico acrescenta que os condôminos do Bloco K investiram pelo menos R$ 48 mil na urbanização dos jardins próximos ao prédio. ;Até os passeios que vão dos edifícios para a comercial fomos nós que construímos, o governo não contribuiu com nada;, ressalta William Lima Vaz. Para ele, a passagem de 1,3m que deixou na cerca viva garante a acessibilidade do local. O síndico do Bloco D da 303 Norte, Ademário Pereira Leal, afirma que as cercas vivas foram colocadas por uma questão de segurança. A área próxima ao prédio era ocupada por moradores de rua e usuários de drogas, o que fez os moradores optarem pela cerca. ;Foi uma tentativa legítima de nos dar mais privacidade e segurança;, justifica-se. (EM)