Para os moradores do Cruzeiro Novo, as grades são uma proteção contra roubos e furtos. Mas o cercamento dos prédios residenciais é contestado pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Como o Cruzeiro faz parte da área tombada da capital federal, o isolamento dos pilotis dos edifícios fere o tombamento da cidade. Em 1994, o Iphan entrou com uma ação civil pública contra o Governo do Distrito Federal para que as grades fossem retiradas. Quatorze anos depois, o processo começa a ser julgado no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
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A 2ª Turma do STJ colocou o assunto em pauta durante uma sessão realizada no último dia 2. O ministro Herman Benjamin votou a favor da remoção das cercas, a ministra Eliana Calmon deu seu voto contra a retirada, mas a sessão foi interrompida depois que ministro Humberto Martins pediu mais tempo para analisar o caso. Ainda não há previsão de quando o assunto voltará à pauta do STJ. A 2ª Turma tem cinco ministros, mas apenas quatro participaram da primeira sessão e terão poder de voto na decisão final sobre o destino dos gradeamentos.
Na ação civil pública, o Iphan pede a retirada das cercas instaladas depois de 1993, quando foi regulamentada a lei federal que criou o tombamento. O assunto foi julgado pelo Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT) que, em primeira instância, deu ganho de causa ao Iphan. O GDF recorreu e o TJDFT decidiu pela manutenção dos cercamentos. O Ministério Público Federal (MPF) apresentou ao STJ um recurso especial, que agora está em análise pelos ministros.
A chegada do caso a um tribunal superior exaltou os ânimos dos moradores do Cruzeiro, que prometem lutar contra a retirada das grades. Eles temem que a abertura dos pilotis aumente a violência na região, com assaltos e invasões aos domicílios. O Cruzeiro Novo tem 78 quadras com 324 prédios. De acordo com a Administração Regional do Cruzeiro, apenas um edifício não está cercado. É o bloco D da Quadra 1.603, inaugurado no ano passado e que tem uma grande equipe de segurança privada.
Brincadeira segura
O bancário Paulo Sérgio Stefanelli é totalmente contrário ao fim dos gradeamentos. Ele é pai de Roberto, um menino de 12 anos que costuma brincar embaixo do prédio onde mora, na quadra 1.406. ;As cercas são a garantia de segurança da minha família, meu filho pode brincar tranqüilo;, explica o bancário. Paulo Sérgio conta que, mesmo com o fechamento do edifício, já foi furtado. ;Quando as pessoas esquecem o portão aberto é normal ocorrerem assaltos. Levaram uma bicicleta que eu tinha acabado de comprar;, acrescenta.
Também morador do Cruzeiro, Roberto Silva Gomes, 55 anos, tem medo de que o STJ decida pelo fim do gradeamento. Ele vive na Quadra 1.505, em frente a uma praça. ;Aqui há muitos usuários de drogas que circulam em volta do prédio e da praça. Se acabarem com a nossa proteção, eles virão fumar maconha embaixo do nosso prédio;, explica Roberto. ;A criminalidade está aumentando e não vejo policiais circulando por aqui. Precisamos das grades;, defende.
Alguns moradores da região são a favor da retirada das cercas. O militar da reserva Bartolomeu Vieira de Barros, 82 anos, vive no Cruzeiro há 25 anos e acompanhou o fechamento dos prédios. ;Acho que essas cercas dão uma sensação de que estamos constantemente presos. E se algum bandido quiser realmente entrar, vai fazer isso com ou sem grades;, acrescenta.
A Procuradoria do DF faz a defesa do governo na ação movida pelo Iphan. A Assessoria de Imprensa do órgão jurídico do GDF lembrou que os ministros que já votaram ainda podem alterar a sua decisão e informou que a Procuradoria vai defender a manutenção das cercas, por entender que o gradeamento dos prédios não fere o tombamento.
Mesmas regras
O superintendente regional do Iphan, Alfredo Gastal, garante que o Cruzeiro tem de seguir as mesmas regras usadas no Plano Piloto e que o plano original da cidade prevê a livre circulação de pessoas pelos pilotis (leia Para saber mais). ;O Cruzeiro se transformou em uma grande agressão ao tombamento. Além das grades, há construção de cômodos no térreo, que também obstruem os pilotis;, justifica Gastal. ;Esperamos que o STJ decida pela remoção das cercas;, diz o superintendente do Iphan.
A confusão em torno do cercamento dos prédios do Cruzeiro aumentou com a aprovação da Lei Distrital nº 1.063, em 1996. De autoria do ex-deputado Odilon Aires, o texto autorizava o cercamento dos prédios residenciais do Cruzeiro. Em 2005, o Ministério Público do DF entrou com ação direta de inconstitucionalidade contra a legislação, argumentando que só o Executivo poderia propor leis sobre o fechamento de áreas públicas. O TJDFT, acatou o pedido e suspendeu a lei. Mas, durante os nove anos de vigência, a legislação serviu de base para o fechamento dos edifícios.
A REGIÃO
O Cruzeiro Novo tem:
78 quadras, 324 prédios, dos quais apenas 1 não é cercado por grades
7.340 apartamentos
25 mil moradores
para saber mais
21 anos de patrimônio
No Cruzeiro Novo, quase todos os prédios são cercados por grades. Ministério Público Federal e Iphan pedem a retirada das cercas construídas após 1993
Brasília é tombada, desde 1987, como patrimônio histórico mundial pela Unesco (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura). No mesmo ano, o GDF baixou um decreto para regulamentar o tombamento. Em 1990, o governo federal também sancionou uma lei para definir as escalas urbanísticas do tombamento: monumental, residencial, gregária e bucólica.A regulamentação saiu em 1993. A área de preservação de Brasília tem cerca de 112 quilômetros quadrados e é delimitada a leste pela orla do Lago Paranoá, a oeste pela Estrada Parque Indústria e Abastecimento (Epia), ao sul pelo córrego Vicente Pires e ao norte pelo Córrego Bananal. Fazem parte da área tombada as asas Sul e Norte, a Candangolândia, o Sudoeste, o Cruzeiro, além dos setores de clubes.
Nessas localidades, segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), não se pode impedir a livre circulação dos pedestres nas áreas de pilotis nos prédios. Ou seja, gradear os edifícios é uma agressão ao patrimônio da capital. Puxadinhos nos comércios e construções irregulares em áreas públicas também ferem o tombamento.