Diogo e Rafael ganhavam R$ 1 por dia. O pouco dinheiro não dá a dimensão da ;responsabilidade; que os amigos tinham. Nem remete à idade dos meninos: 7 e 11 anos. Até a última sexta, eles ficavam à frente do portão de uma casa em um lote em Santa Maria para controlar a entrada de homens e mulheres em três barracos de madeirite que dividem o espaço. Eles eram os olhos dos donos das casas, três traficantes presos pela polícia.
Os amigos só podiam chegar até a sala do barraco maior. A entrada nos quartos era proibida. Mas dali eles viam o ;tio; com a pistola 9mm na cintura. Em troca de dinheiro, os visitantes saíam com pequenas latas. ;Elas eram cheias de um negocinho branco;, contou Diogo. Dentro das latas havia merla. Restos de maconha e de cocaína ficavam expostos pelos móveis. Rafael e Diogo são algumas das crianças da vizinhança usadas como soldados do crime.
Na última sexta-feira, os dois meninos, acompanhados pelos adolescentes Jaqueline, 16, e Mateus, 14, estavam em um dos lotes suspeitos quando a polícia invadiu o local. Na semana retrasada, a 33ª Delegacia de Polícia (Santa Maria) recebeu denúncia de que ali funcionava uma boca-de-fumo. Por uma semana, agentes registraram, com fotos e vídeos, o entra-e-sai de consumidores e das crianças usadas como vigilantes.
Jorge Wilton dos Santos, 29 anos, Vagno Jerônimo Sobrinho, 22, e Sueli Souza de Castro, 19, foram presos por tráfico de drogas, corrupção de menores e porte ilegal de arma. Podem pegar mais de 20 anos pelos três crimes. As crianças e os adolescentes foram levados aos familiares. O Conselho Tutelar foi acionado para acompanhar o caso. ;Uma moradora da quadra disse que o filho freqüentava a casa quando ela saía para trabalhar. Mas havia conseguido tirá-lo de lá. São famílias desestruturadas;, comentou o delegado João Carlos Lóssio, chefe da 33ª DP. ;Até por isso, vamos investigar o envolvimento dos pais;, completou.
Os meninos não eram utilizados apenas como olheiros do tráfico. Os pequenos tinham a atribuição de manter o terreno em ordem. Enquanto um vigiava a porta, o outro limpava um chiqueiro com dois porcos, cuidava de patos e varria o lote.
Combate
Além de drogas ; 20 latas de merla e pequenas porções de cocaína e maconha ;, a polícia apreendeu objetos roubados ou furtados: aparelhos de DVD, celulares, bicicletas, além de R$ 1,3 mil em dinheiro e de uma pistola 9mm. ;São as pequenas bocas-de-fumo que alimentam furtos e homicídios;, explicou Lóssio. O delegado confia na colaboração da comunidade e na equipe de policiais para melhorar o cenário. ;Em seis meses, fechamos oito bocas. Todas por meio de denúncia;, comentou. Por dia, a 33ª DP recebe entre duas e quatro denúncias sobre pontos de tráfico.
A promotora da Infância e Adolescência do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), Selma Sauerbronn, surpreendeu-se com a pouca idade das crianças aliciadas. ;A ausência de políticas públicas em Brasília é gritante. Sem elas, os jovens se motivam a entrar no crime em função das condições de miséria, falta de oportunidade de trabalho e dificuldades no ambiente familiar;, disse.
* O nome dos meninos foi trocado em respeito à proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes