A ação de retirada de meninos e meninas de rua da Rodoviária do Plano Piloto esbarra na falta de estrutura da rede de apoio à proteção dos direitos dessas crianças no DF. Os garotos recolhidos durante as operações do governo, motivadas por denúncias de exploração sexual de adolescentes publicadas pelo Correio, passam poucas horas nos abrigos antes de voltar para as ruas. Foi o que aconteceu com Roberto, de 14 anos. Na megaoperação realizada na noite de quinta-feira (25/09) no centro da capital, ele e outros quatro colegas foram encaminhados a um abrigo em Taguatinga. Mas o grupo passou menos de cinco horas no local. ;Não gosto de ficar em abrigo porque não tem nada para fazer;, comenta José, de 13 anos, que estava com Roberto na hora em que o governo recolheu os meninos e meninas.
Passava das 3h de sexta-feira quando o grupo chegou ao local num veículo da Secretaria de Assistência Social. ;Aproveitamos para dormir um pouco e, assim que o dia clareou, pulamos o muro;, conta Roberto. Não deu tempo nem de tomar o café da manhã. ;Peguei dois pães e fui comendo no caminho.;
Pouco mais de uma hora depois da fuga, os meninos já estavam de volta ao gramado que rodeia o fundo da rodoviária na plataforma inferior, o endereço do garoto há três meses. Antes, ele morou na casa de parentes no Recanto das Emas, Santa Maria e Ceilândia. ;Não tenho mãe e não gosto de ouvir bronca dos outros. Por isso, a rua é melhor. Lá eu sou meu dono.; A decisão de encaminhar Roberto para o abrigo foi tomada depois que os agentes sociais descobriram que ele não tem casa.
O problema se repetiu nos outros dias da operação da Secretaria de Segurança Pública. Aos 16 anos, Vítor diz que já perdeu a conta de quantas vezes foi levado para abrigos. No fim da tarde de sexta-feira, ele chegou a entrar no carro da Secretaria de Assistência Social. ;Estava na rodoviária e convenci a moça a me deixar vazar (ir embora). Não ia ficar no abrigo e esse pessoal já sabia disso.;
O problema é tão grave que causou surpresa no próprio secretário de Segurança, Valmir Lemos. Ele esteve presente na rodoviária durante a megaoperação de quinta-feira. ;Encontrei na plataforma do meio da rodoviária um menino que, visivelmente, tinha usado drogas. Peguei ele pelo braço e levei para uma servidora da Secretaria de Assistência Social;, conta. ;Quando chegamos na frente do carro, a funcionária afirmou que já tinha levado esse menino várias vezes aos abrigos;, admite. ;Com o anúncio de novos recursos por parte do governador, o GDF vai investir na melhoria dos lugares para onde levamos esses meninos. Ou eles vão continuar voltando mesmo.;
Na noite de sexta-feira, a força-tarefa da segurança pública incluiu policiais militares e da Rotam, comissários da Vara da Infância e funcionários da Secretaria de Assistência Social. Até as 23h, a Vara da Infância tinha encaminhado 15 adolescentes para os abrigos. E, uma hora depois, outros cinco meninos e uma menina aguardavam no Posto da PM, da rodoviária, o retorno do carro. Também iriam para o abrigo.
A revitalização dos espaços para o atendimento a meninos e meninas em situação de vulnerabilidade faz parte de uma das cinco diretrizes do Plano de Enfrentamento à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, discutido esta semana pelo governo e representantes da sociedade civil. Além dela, as diretrizes de trabalho estão traçadas em quatro pontos centrais: diagnosticar o problema, promover ações de prevenção, fortalecer o sistema de defesa e de responsabilização e assegurar o protagonismo infanto-juvenil. ;Não adianta apenas tirar essas crianças das ruas. É preciso investimento para recuperar a dignidade dessas pessoas;, alerta Perla Ribeiro, coordenadora do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca).