Jornal Correio Braziliense

Cidades

Exploração sexual de crianças na Rodoviária não é exclusividade das mulheres

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Há até pouco tempo, Tiago era um menino falante e extrovertido. Do tipo que se dava bem com todo mundo na rua em que morava em Ceilândia. Hoje, depois de seis meses vivendo no coração de Brasília, quase não fala e tem apenas um amigo. Aos 15 anos, Tiago é vítima de exploração sexual na Rodoviária do Plano Piloto. O Correio vem mostrando esse lamentável cenário desde ontem, quando expôs o drama de meninas que fazem programas por R$ 3. Tiago também faz sexo por poucos reais, sanduíches ou roupas. Pede dinheiro na madrugada. E entra nos veículos de quem promete ser mais generoso. Ele é abordado por homens e casais no sinal de trânsito do lado sul do Eixo Monumental. ;Teve um dia em que ganhei R$ 20. Mas quase sempre tiro menos de R$ 10;, relata. Quando o movimento na via está ruim, fica no estacionamento em frente ao Conic.
A história de Tiago teve início trágico. Semelhante ao de todos os garotos vítimas de exploração sexual na avenida que leva à Esplanada dos Ministérios. São casos em que o abuso e a violência antecederam o sexo em troca de dinheiro. ;Um dia, um cara disse que ia me comprar um sanduíche e um refri. Entrei no carro para a gente ir na lanchonete e apanhei muito. Até que não agüentei e deixei ele transar comigo;, conta. Agora, Tiago não resiste mais e tenta tirar proveito da exploração, que ocorre principalmente nas proximidades do Cruzeiro, na plataforma superior da rodoviária e na Galeria dos Estados. Ele contou os detalhes de sua rotina diária de violação de direitos para a reportagem na segunda-feira, na plataforma inferior da rodoviária. Era observado de longe por Artur, o único amigo. Tuquinho, de 14 anos, ficou com medo de se expor. Três dias antes, o Correio havia flagrado o adolescente entrando em um carro de luxo por volta das 23h. Com roupas sujas e pés descalços, ele sentou-se no banco de couro da Mercedes prateada. O passeio, no entanto, durou pouco. O abusador, que havia prometido uns trocados, percebeu que estava sendo seguido e voltou para a rodoviária, onde mandou o menino sair do carro rapidamente. Ficou com medo de estar na mira da polícia ou de traficantes. Tuquinho também foi violentado antes de ser explorado e tem muito medo de sair com homens nas madrugadas da rodoviária. Tem medo, mas não deixa de ir. ;A gente cheira solvente ou cola antes de sair para agüentar o tranco;, explicou Tiago. Os meninos consideram a droga fundamental. Isso porque a violência física é presença freqüente na exploração desses adolescentes. ;É muito comum a gente sair com os ;jacks;, afirma Murilo, de 17 anos. Os ;jacks; são os caras que pegam os meninos no sinal e, depois do sexo, não pagam. Se reclamar, o menino apanha e é deixado longe do ponto de partida. ;A gente leva muito mais porrada que as meninas;, completa. Além disso, existe outra diferença fundamental nesse tipo de perversidade contra os meninos. Ela é mais velada. É raro ouvir os relatos ou flagrar o abuso. ;Não gosto de contar para ninguém que eu transo com os caras porque não quero que o pessoal diga que eu sou veado;, admite Tiago. ;Eu transo com eles mas gosto de menina.; E é exatamente o medo de serem estigmatizados em um ambiente cruel como as ruas que mais dificulta o combate à exploração sexual. Com 18 anos recém-completados, Rafael não faz mais programas. Mas, depois de quase um ano nessa ;lida;, deixa claro o trauma. Sempre sonhou casar e ter família. Quando fala da exploração com casais, fica com os olhos cheios de lágrimas. Um dia, o palco grotesco foi uma suíte de motel maior que o barraco em que morou durante toda a vida no Pedregal. ;Nunca vi lugar tão grande. Tinha banheira e geladeira. Lá pelas tantas, os dois disseram que a gente não ia mais usar camisinha e que iam me dar mais dinheiro. Eu topei porque não sou besta;, narra. Apesar de chocante, a falta de preservativos nas relações sexuais é uma constante. Os clientes são, na imensa maioria das vezes, homens. A faixa etária varia entre 35 e 60 anos. ;É bom sair com velho porque eles dormem logo;, brinca Rafael. Ele freqüentou por muito tempo a casa de um senhor na Vila Planalto. Lá, via filmes pornográficos antes do sexo. ;Esse cara gosta de menino novo e dá bebida para os garotos para fazer maldade. Bateu tanto em um dos rapazes que ele ficou cego.;