As paredes levantadas com madeira de encaixe guardam memórias do sonho de uma cidade. Na residência, onde em um passado recente funcionava a subadministração da Vila Planalto, moraram engenheiros que participaram da construção de Brasília na década de 1950. O local também serviu de moradia para ministros do governo de Juscelino Kubitschek e presidentes da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap). Em 1988, a casa foi tombada como patrimônio histórico e artístico do Distrito Federal ao lado de outras quatro edificações semelhantes na região.
Atualmente, a construção adquiriu uma outra destinação que tem incomodado moradores da quadra. Ali funciona o Núcleo de Obras da Administração Regional de Brasília há cerca de 60 dias. Montes de terra, brita e areia encontram-se distribuídos pelo terreno da antiga residência. Um dos galpões da casa passou a ser usado para o estoque de material de construção, como madeira, carrinhos de mão e escadas. Caminhões carregados entram e saem do local durante o dia. Como não existe um caminho asfaltado dentro da área da residência, os veículos trafegam e levantam poeira quando passam.
Ao lado da casa, encontram-se outras edificações tombadas onde funcionam um Centro de Orientação Socioeducativa (Cose), que atende crianças carentes, e uma unidade da Ampare ; que cuida de crianças com deficiências mentais, físicas e visuais. Vizinhos e moradores da quadra reclamam das atividades exercidas pelo novo núcleo de obras da Administração de Brasília.
A assistente de serviços gerais Petrina Oliveira, 56 anos, contou que o serviço dela na Ampare dobrou desde que os caminhões começaram a carregar e descarregar material de construção no local. ;Tenho que limpar os quartos várias vezes por dia. Não dá nem para secar as roupas no varal direito por conta da poeira;, comentou. Ela disse ainda que as janelas da instituição costumam ficar fechadas para manter o interior do prédio. As poucas que ficam abertas contam com telas de proteção que se encontram avermelhadas pelas partículas de terra suspensas no ar.
O professor de tênis Nilson Lima, 48 anos, também tem reclamações de sobra para fazer. Ele afirmou que a conta de água aumentou nos últimos dois meses por conta das limpezas que tem feito na casa onde mora. ;Até a minha piscina ficou imunda por causa desses caminhões cheios de terra e brita;, reclamou. ;Eles transformaram a casa em um depósito de material de construção. Acho isso um absurdo. Podiam dar uma destinação melhor para o terreno, como transformar em uma casa de cultura da Vila Planalto;, acrescentou. Maringueth Monteiro Costa, 51 anos, aposentado, reclama também do núcleo de obras. ;É tanta poeira que fica insuportável.Os caminhões fazem barulho o dia inteiro e a poeira invade nossas casas.;
Explicações
Como o administrador de Brasília Ricardo Pires encontra-se de férias, a Administração prestou esclarecimentos por meio da assessoria de imprensa. A decisão de transferir o Núcleo de Obras para a subadministração da Vila Planalto teve como motivo dar uma destinação para a área, que estava abandonada e vinha sendo ocupada por usuários de drogas e traficantes há um ano e sete meses. A primeira medida que tomaram após a instalação do núcleo de obras foi de limpar o terreno e promover reformas na casa, respeitando o tombamento.
A administração defende que tem procurado trazer melhorias para a população. Destacou que nos últimos meses promoveu uma série de pequenas obras nesse sentido para os moradores da Vila Planalto, como pintura de uma escola, revitalização de uma quadra de esportes, instalação de calçadas e reforma no posto de saúde. Uma equipe da Administração deve ir ao local hoje para checar o que pode ser feito para amenizar o problema da poeira.
Pouco resta do passado
Responsável pelo tombamento da subadministração da Vila Planalto, a Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico do Distrito Federal (Depha) ainda não tinha sido avisada sobre a mudança de destinação da área. O diretor José Carlos Córdova Coutinho prometeu enviar uma equipe para verificar se a residência foi comprometida de alguma forma. Ele destacou que a casa é uma das últimas construções a manter as características originais da Vila Planalto, a partir de acampamentos de engenheiros que trabalharam na construção de Brasília.
A sub-administração e outras quatro casas semelhantes foram escolhidas para serem tombadas por apresentarem as melhores estruturas remanescentes daquela época. ;É lamentável que o restante da Vila tenha perdido suas características básicas após o tombamento. Praticamente todas as casas de madeira sumiram para dar lugar a construções de alvenaria;, frisou Coutinho.
Ele ainda comentou que está preocupado com a situação das outras quatro edificações tombadas, em especial com a Casa do Pároco. ;Trata-se de um lugar que foi muito maltratado. Houve depredações lá dentro e algumas tentativas de descaracterização. Não podemos permitir essas coisas. Locais como esse guardam um significado histórico que precisa ser defendido;, concluiu. (PR)