Uma olhadela para um lado, uma para o outro e lá vai o motorista retornar onde não devia. Quem vem atrás sente-se estimulado a fazer o mesmo e repete o erro sem medir as conseqüências. Os famosos ;gatos; viraram hábito nas ruas do Distrito Federal. Apenas nos primeiros sete meses de 2008, o Departamento de Trânsito (Detran-DF) flagrou 1.325 condutores fazendo retornos em local proibido ;média de 6,22 autuações por dia. Se comparada à média diária dos 12 meses de 2007, houve um aumento de 34%. Os números até 31 de julho aproximam-se do registrado em 2005 e em 2006.
Retornar em local proibido é o tipo de irregularidade que o motorista comete quase sempre de forma consciente. ;Ele sabe que está fazendo a coisa errada, mas acha que nunca vai acontecer nada;, comenta o gerente de fiscalização do Detran-DF, Silvaim Fonseca. Por comodismo, pressa ou qualquer outra desculpa, decide encurtar o caminho e, assim, ir contra o Código de Trânsito Brasileiro. ;O ;gato; já é um costume. Alguns motoristas o fazem até na frente do carro do Detran;, conta Fonseca.
Na pista que liga o Eixo Monumental ao Palácio da Alvorada, difícil encontrar quem respeite a placa de proibido retornar na saída do viaduto. Em cinco minutos, a reportagem do Correio flagrou duas motos e três carros manobrando no meio da avenida. Mais um tempo de observação e, em 40 minutos, 26 flagrantes ; 15 carros e 11 motos. Houve até quem usasse a seta para avisar a quem vinha logo atrás que faria o ;gato;.
A segurança no trânsito, explica o professor da Universidade de Brasília (UnB) Paulo César Marques, está relacionada ao que ele chama de ;previsibilidade do comportamento;. Isso quer dizer que quando o motorista ou o pedestre é surpreendido, as chances de acidente aumentam. ;Existe uma lógica para que os retornos estejam onde estão. Se alguém fura essa lógica, aumenta o risco de colisão;, explica Marques, especialista em engenharia de tráfego.
Coletividade
Quando abordados pelo Detran, os infratores muitas vezes alegam que o trânsito estava tranqüilo e, portanto, aquela irregularidade não traria perigo a ninguém. ;É gente que só pensa em si. Mas quando falamos em trânsito, temos que pensar na coletividade;, avalia o professor Marques. ;Não podemos nos dar ao luxo de aceitar um argumento desses. A multa também é fator de educação. A pessoa multada pensa duas vezes antes de errar de novo;, emenda Fonseca.
Atrás do Brasília Shopping, no acesso à via que liga a W5 à W3, o desrespeito à sinalização ocorre com ou sem movimento. Motoristas evitam percorrer menos de 50m e fazer o retorno no lugar certo para se arriscar na contramão e diminuir a distância. ;Se eu ganhasse R$ 1 por cada vez que visse isso aí, estaria rico;, brinca o segurança do shopping.
Outro lugar onde o jeitinho brasileiro se sobressai à lei é na W4 e na W5 Norte. Próximo a uma escola na 914, os motoristas fazem fila para usar um retorno criado por eles mesmos. ;É perigoso para quem quer atravessar a rua a pé. A pessoa não espera que o carro venha dali;, lembra o mecânico Diniz Gomes dos Santos, 35 anos, que trabalha em frente ao retorno. ;De tanto ver outras pessoas fazerem, até me perguntava se era mesmo errado;, afirma a dona-de-casa Lúcia Santos, 38, que todos os dias vai buscar o filho na escola e se depara com a situação.
No Plano Piloto, as entrequadras também costumam ser palco de irresponsabilidade. Condutores manobram no meio da pista, em vez de fazerem o retorno no balão. Por incrível que pareça, agentes do Detran flagram com freqüência motoristas passando por cima das tartarugas e retornando pela faixa presidencial em pleno Eixo Rodoviário. Em Taguatinga, a maioria das multas é aplicada nas avenidas Comercial Norte e Sul.