Jornal Correio Braziliense

Cidades

Candangos que acreditaram na fundação da capital recebem prêmio

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À primeira vista, a poeira em excesso, a falta de asfalto e os barracos de madeira formavam um cenário pouco promissor para quem sonhava fixar raízes em Brasília nas décadas de 50 e 60. Mas o comerciante Aurenir da Silva Macedo, 66 anos, viu naquele enorme canteiro de obras um local perfeito para ganhar a vida. Ele é um dos milhares de imigrantes esperançosos que se mudaram para um Distrito Federal em construção e aqui fizeram carreira. ;Vim para trabalhar, assim como todo mundo naquela época. Eu tinha um emprego razoável em Goiânia, mas diziam que eu ganharia o dobro em Brasília;, lembrou Aurenir. O comerciante é um dos 10 homenageados na terceira edição do prêmio Mercador Candango, organizado pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do DF (Fecomércio/DF). Era 1959 quando Aurenir entrou no ônibus e percorreu uma estrada metade de asfalto, metade de terra, que ligava Goiânia à Brasília. Ele tinha 18 anos e trouxe consigo uma mala de roupas e vontade de subir na vida. ;Você podia até ter dinheiro, mas não tinha o que comprar. Por um mês, só comi enlatados: bacon, sardinha, salsicha. Não tinha pão, no máximo uma farofa;, disse. O pioneiro conseguiu emprego em uma farmácia da Vila Rabelo onde aplicava injeções nos operários que adoeciam. O patrão abriu uma filial no Gama, que ele comprou meses depois com o dinheiro guardado na poupança. Em 1961, Aurenir era dono de uma das primeiras drogarias de alvenaria do DF. ;O movimento era ruim, lá só se chegava de carroça. Falavam que eu devia me mudar para a W3 porque era bem melhor;, comentou. Animado com a idéia de trabalhar no Plano Piloto, ele comprou um terreno na comercial da 405 Norte, onde até hoje funciona a Drogaria Macedo. De Minas a Brasília A aptidão para as vendas, José Alves Cardoso, 76 anos, diz ter desde menino. Na fazenda em que passou a infância, no interior de Minas Gerais, ele catava feijões e espigas de milho que sobravam na colheita e vendia na rua. Entrou no setor de confecções e foi vender camisas em São Paulo. A mudança para Brasília foi inesperada: ele recebeu um convite para abrir uma loja com um grupo de Goiânia, mas não encontrou os futuros sócios quando chegou à cidade. A solução foi enviar a mercadoria para Brasília e tentar vender as roupas. Em novembro de 1957, José pegou emprestado um barraco no Núcleo Bandeirante e abriu a loja de camisas. ;O que me trouxe para cá foi a euforia da época. Ninguém fazia idéia do que isso ia ser. O Núcleo Bandeirante parecia filme americano de bangue-bangue;, afirmou o comerciante. Vendeu roupas nas feiras de Taguatinga, Ceilândia, Sobradinho, Pedregal, e presidiu o sindicato dos feirantes do DF por 20 anos. No meio do caminho, foi carpinteiro, teve um restaurante e trabalhou em tribunais. Atualmente é dono de uma loja de azulejos em Taguatinga. Assim como José, o empresário Carlos Itacaramby, 78 anos, acreditou no comércio local. Ele saiu de Goiânia em 1960 para trabalhar na loja que um irmão havia fundado, a Casa dos Parafusos. Em uma Vespa, ele levou parafusos e outros materiais para os canteiros de obras de importantes construções da cidade, como a Torre de TV e a Praça dos Três Poderes. ;A gente tinha todo tipo de cliente, desde as empresas de transporte e construtoras, até motorista de caminhão que atolava na lama quando chovia;, disse. Após anos de trabalho, Carlos atua como co-gestor das seis lojas do grupo e passou a administração para familiares: o irmão Ricardo e o filho Humberto. Estímulo O prêmio Mercador Candango será entregue no dia 27 deste mês, em uma festa no Clube do Exército. Essa é a terceira edição do evento, que começou em 2003 com uma homenagem a 24 pioneiros. O evento de 2007 prestigiou nomes conhecidos da capital, como Júlio Adnet e Yoshiaki Onoyama. Os premiados deste ano vivem em Brasília há pelo menos 40 anos e fizeram carreira na cidade. ;Essas pessoas acreditaram no projeto da construção, no sonho de Juscelino Kubitschek. Elas contribuíram para o crescimento da cidade e sem dúvida são uma motivação;, comentou o presidente da Fecomércio/DF, senador Adelmir Santana (DEM-DF). Os homenageados A Fecomércio selecionou 10 personalidades que vieram para Brasília na época da construção. Os pioneiros acreditaram no sonho da nova capital e deram início a empreendimentos que sobrevivem até hoje. * Alberto Salvatore Vilardo: Fundador das lojas Blumenau * Gervásio Baptista: Fotógrafo da revista Manchete por mais de 40 anos. * José Eustáquio Elias: Proprietário da papelaria ABC * José Paulo Sarkis: Proprietário da empresa Sarkis Imóveis Ltda. * Luiz Pouso Martins: Fundador do Laboratório Planalto * Mercedes Urquiza: Trabalhou como corretora da Novacap e criou a primeira agência de viagens da capital, no Hotel Nacional. * Roberto Curi: Fundador da Curinga Pneus * José Alves Cardoso: Presidiu o Sindfeiras por 20 anos e trabalhou como feirante em várias cidades do DF. * Carlos Itacaramby: Co-gestor da Casa dos Parafusos, inaugurada em 1959 * Aurenir Macedo: Dono da Drogaria Macedo