Jornal Correio Braziliense

Cidades

Maioria dos carros do DF circula apenas com o motorista

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Diariamente, o servidor público Murilo Pires, 45 anos, sai do Lago Norte no começo da manhã e vai para a Esplanada dos Ministérios, onde enfrenta uma jornada de oito horas no Ministério do Trabalho. No fim da tarde, por volta das 18h, sai do serviço e volta para casa. O trajeto e o horário são os mesmos dos de milhares de brasilienses. Mesmo assim, a única companhia de Murilo nos cerca de 14km que separam sua casa do emprego é o rádio. Isso se repete toda vez que ele pega o carro, a não ser quando sai com a namorada. ;Ela é minha única carona;, diz. O servidor público não é o único a adotar tal comportamento. Além de ter uma frota que chegou à marca de 1.017.093 de veículos na última quinta-feira (24/07), 93% dos carros no Distrito Federal circulam com o banco de trás desocupado, o que abarrota ainda mais as avenidas da capital da República. Uma pesquisa realizada em março de 2008 pelo Instituto Brasileiro de Segurança no Trânsito comprovou que andar sozinho no carro é um costume do brasiliense. O levantamento mostrou que 60% dos automóveis no DF trafegam apenas com o motorista, 33% com o condutor e um passageiro e 6% com três pessoas. Circular com a lotação completa fica ainda mais difícil: apenas 1% dos carros observados estavam cheios, com quatro ou cinco pessoas (veja arte). ;Em Brasília, com tudo tão longe, é mais fácil ter um carro;, justifica Murilo Pires. Ele mora com o enteado, mas o rapaz também tem um automóvel. ;Cada um anda no seu;, conta. O estudo foi realizado para avaliar se os motoristas no DF tinham o hábito de usar o cinto de segurança. Durante um mês, técnicos do instituto posicionaram-se ao lado de sinais de trânsito e retornos, onde os carros param ou reduzem a velocidade. Nos 30 dias em que permaneceram no Plano Piloto, Taguatinga, Núcleo Bandeirante, Guará, Gama, Ceilândia, Samambaia, Sobradinho, Planaltina, São Sebastião e Brazlândia, 12.145 veículos foram observados. Além de perceber que 35,48% dos condutores não usavam o cinto de segurança, os técnicos contaram 7.287 carros ocupados apenas pelo motorista. Problema brasileiro Trafegar sem companhia não é um fenômeno brasiliense. Segundo David Duarte Lima, diretor do Instituto Brasileiro de Segurança no Trânsito, o mesmo se vê nas grandes cidades brasileiras, como Rio de Janeiro e São Paulo. O automóvel, segundo ele, consiste em um meio de transporte ineficiente que ocupa um espaço público desnecessário, principalmente se estiver vazio, como ocorre no DF. De acordo com o especialista, uma pessoa sozinha em um automóvel ocupa 20 vezes mais espaço do que se estivesse de ônibus e 100 vezes mais do que se circulasse de metrô. ;De acordo com nossa pesquisa, em um congestionamento de 100m, 15 carros transportam 23 pessoas. Isso cabe na metade de um ônibus;, calcula. Os microônibus, que acabam de entrar em circulação, podem comportar até 25 pessoas sentadas. Caso o veículo circule apenas com os assentos tomados já valerá por cinco carros. O diretor do Instituto Brasileiro de Segurança no Trânsito, David Duarte Lima, comenta a pesquisa que constatou que 93% dos carros no DF circulam com, no máximo, duas pessoas. Ouça: Duarte, que também é professor da UnB, ressalta que a opção pelo automóvel tem um motivo comum em qualquer cidade: a ineficiência do transporte público. ;Em Brasília, especialmente, os ônibus são ruins já do lado de fora, com paradas em péssimo estado de conservação. O transporte público não tem qualidades mínimas, como pontualidade, freqüência, conforto, segurança, higiene, além de uma tarifa competitiva;, critica o professor. ;Os outros meios de mobilidade ainda são tão ruins que o carro se faz necessário;, reconhece. Cultura arraigada Para o diretor-geral do Departamento de Trânsito do DF (Detran), Jair Tedeschi, a baixa ocupação dos veículos no trânsito é cultural. O especialista Joaquim Aragão, professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB) tem opinião semelhante. Segundo ele, o meio de transporte individual dá mais autonomia de deslocamento e, por isso, é difícil abrir mão dele. A prioridade ao carro em detrimento de outros meios de transporte acompanha, de acordo com o professor, o desenvolvimento das grandes cidades. ;As pessoas estão fugindo dos centros urbanos e se refugiando em shoppings, até por segurança. Antes, deslocavam-se a pé pelas cidades. Agora, fazem tudo de carro;, explica. Para Aragão, além de melhorar o transporte público, é preciso estruturar as outras cidades do DF para evitar que grande parte a população se desloque para o Plano Piloto diariamente.