Um dia normal, um trânsito caótico. Das 5h às 17h de ontem, foram registrados 29 acidentes nas vias do Distrito Federal. A violência em quatro rodas deixou 55 vítimas, das quais uma morreu. Breno Crispim Lélis, de 5 anos, não resistiu após ser atropelado próximo à Via Estrutural. O número surpreende até os mais experientes: segundo dados do Departamento de Trânsito (Detran-DF), nos três primeiros meses de 2008, houve 43 colisões. Ontem, em 12 horas, houve 23 batidas e seis atropelamentos. O Corpo de Bombeiros Militar (CBM-DF) não detectou algo que pudesse justificar números tão expressivos. Não choveu nem era véspera de feriado. Segundo especialistas no assunto, Brasília, a cidade planejada que ultrapassou 1 milhão de veículos nas ruas há uma semana, começa a arcar com as conseqüências da falta de planejamento viário e de educação dos motoristas.
A terça-feira teve atropelamentos, colisões, engavetamentos (confira quadro) e até uma viatura do CBM-DF, que seguia pela contramão no centro de Taguatinga e bateu de frente em um ônibus da Viplan na CNB 9, por volta das 7h40. Cinco militares foram levados para o Hospital Regional de Taguatinga (HRT), o mais grave com fraturas nas costelas. O motivo para transitarem em sentido contrário: uma operação urgente de socorro a 14 pessoas que haviam se machucado após batida envolvendo dois coletivos e um carro no início da BR-070, logo após a Estrutural.
O ônibus da Viação Cidade Brasília (JJQ 7637-DF) bateu em cheio na traseira do veículo da Viação Santo Antônio, placa LBG 0115-DF, que estava parado devido ao congestionamento, por volta das 7h30. O Pálio de placa JGG 4790-DF foi o terceiro a bater. Os feridos ; todos passageiros dos coletivos ; seguiram para o HRT, com cortes na boca e nos braços.
No início da tarde, por volta das 13h30, um acidente aconteceu na Via Estrutural, na altura da última passarela sentido Taguatinga;Plano Piloto. O Corsa (JZQ 5588-MG) e o Escort (JDX 9305-DF) estavam parados no acostamento, quando foram atingidos pelo Fiat Strada (JFC 2803-DF). Na batida, o Escort acabou se chocando contra com um ônibus (JDX 9305-DF), que trafegava na faixa da direita. Houve dois feridos sem gravidade.
Para o coordenador de Operações da Central Integrada de Atendimento e Despacho (Ciade) do CBM-DF, tenente-coronel Luís Couto de Oliveira, o número elevado de veículos nas vias e a imprudência dos motoristas estão entre as causas do alto número de atendimentos. ;O que ocorreu hoje (ontem) fugiu da normalidade, pois não houve nada atípico que pudesse explicar a quantidade de acidentes em tão pouco tempo;, ressaltou Couto. O helicóptero da corporação, usado em situações com vítimas em estado gravíssimo, foi requisitado três vezes.
De bicicleta
Dos acidentes em que a aeronave foi pedida, o mais grave ocorreu às 14h15, na rua paralela à Via Estrutural, em frente à vila de mesmo nome. Dois irmãos foram atropelados pelo caminhão de placa BQZ 4814-DF, usado para depositar lixo no aterro sanitário. Breno Crispim Lélis, 5, morreu na hora. O irmão dele, Lamon, 17, foi levado pelo helicóptero ao Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF). Ele teve fratura exposta no braço esquerdo e deve passar por cirurgia nos próximos dias. A Avenida Marginal da Via Estrutural, local da tragédia, não está liberada para o tráfego de veículos. É o que informa a assessoria de imprensa da Administração Regional da Estrutural. A pista, ainda em obras, não tem data prevista para ser inaugurada. De acordo com a assessoria, a empreiteira responsável pela reforma interdita o local, mas a população retira os cones e usa a via irregularmente.
Segundo o motorista do caminhão, Reginaldo da Silva, 35 anos, o adolescente e a criança estavam de bicicleta e desceram de um barranco, próximo à passarela de pedestres, invadindo a pista repentinamente. ;Consegui desviar a frente do caminhão, mas a roda de trás bateu nos meninos. Ali tem criança brincando e caminhões circulando o dia inteiro;, disse ele, visivelmente abalado.
O pai dos meninos, Valdivino Crispim, contou ao Correio que os dois saíram para ver como estava a obra na pista. ;O Breno era muito curioso e pediu para o irmão levá-lo de bicicleta. Aqui não tem asfalto, por isso o lugar virou um ponto para as crianças brincarem. Mas Deus não quis que meu bebê voltasse para casa;, afirmou ele, em lágrimas. A mãe, Patrícia, não teve condições de falar. Os outros dois irmãos estavam em casa, ainda incrédulos. ;O caçula tinha entrado na escola neste ano. Estava todo empolgado com as aulas e chegou a comentar isso comigo hoje (ontem) de manhã;, lembrou o irmão mais velho, Bruno, 18. A 8; Delegacia (Setor de Indústria e Abastecimento) investiga as circunstâncias da tragédia no trânsito.
Na parada de ônibus
O helicóptero dos bombeiros também foi chamado em outro atropelamento, dessa vez nas proximidades das obras do Viaduto da Estrada Parque Taguatinga (EPTG), às 9h. Um carro ; não identificado ; e a moto de placa JJX 8830-DF bateram e o motociclista Wendel de Lima, 29, invadiu a calçada. Ele atingiu pessoas que aguardavam na parada de ônibus. Romeu Pereira da Silva teve fratura exposta na perna esquerda e teve que ser levado às pressas para o HBDF. Ele passará por cirurgia. Por volta das 14h30, os militares voaram para a DF-205, próximo à Fercal, onde uma capotagem deixou duas vítimas. Valdeli Rodrigues da Silva, 39, conduzia o Fusca de placa JND 6401-DF, quando perdeu o controle do veículo. A passageira, Maria de Lourdes Soares, 47, teve fratura exposta na perna direita e foi encaminhada ao Hospital Regional de Sobradinho.
Para o professor da Universidade de Brasília (UnB) Paulo César Marques, especialista em engenharia de trânsito, o aumento da violência no trânsito do DF está diretamente ligado ao crescimento da frota. ;O número de carros sobe e a cidade não acompanha. A situação hoje é preocupante;, alertou. Segundo ele, deve-se aumentar o efetivo de agentes de trânsito nas pistas, investir em campanhas de educação e em um sistema de transporte coletivo eficiente. ;Os fiscais inibem as infrações dos motoristas e um transporte público de qualidade vai diminuir o número de carros nas ruas;, explicou. Caso medidas emergenciais não sejam tomadas, avisa o especialista, a insegurança nas vias continuará a crescer.