Diante de problemas como os constantes engarrafamentos e a falta de vagas, a população do Sudoeste, uma das áreas mais nobres da cidade, está pronta para travar uma batalha contra o crescimento previsto do setor. A novidade também preocupa o Ministério Público do Distrito Federal, que cobra a participação da comunidade no processo. A previsão é que duas novas quadras ocupem uma área de 140 mil metros quadrados, com 22 edifícios para mais cinco mil moradores.
A expansão do bairro foi aprovada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e depende apenas do aval da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (Seduma). Até junho, o governo deve dar o parecer sobre a destinação da área. As chances de os empreendimentos saírem do papel são grandes, já que a ocupação é prevista no documento Brasília Revisitada, do urbanista Lucio Costa. A pedido da Seduma, o Iphan elaborou um estudo em que afirma que a expansão do Setor Sudoeste não fere o tombamento de Brasília. O terreno que vai receber as novas quadras é de propriedade da Marinha e fica entre o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e o Eixo Monumental.
Por enquanto, o principal empecilho ao crescimento do bairro são problemas jurídicos relacionados à venda da área. Há quase dois anos, a Marinha negocia o terreno e chegou a fazer uma permuta para trocar o lote no Sudoeste por 784 apartamentos em Águas Claras. Os apartamentos seriam imóveis funcionais, cedidos a oficiais transferidos para Brasília. Mas o negócio foi questionado pelo Ministério Público Federal, Ministério Público do DF e Tribunal de Contas da União. Em19 de março, o TCU determinou a suspensão do contrato que havia sido firmado com a empresa Antares Engenharia.
Diante da necessidade de negociar o lote, a Marinha encomendou uma avaliação de mercado do imóvel, que ficou a cargo do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia. A empresa contratada fixou em R$ 117 milhões o valor da área e a Marinha abriu licitação para trocar o terreno por apartamentos em Águas Claras, avaliados pela mesma empresa por R$ 180 milhões.
Procuradores da República e promotores de defesa da ordem urbanística entraram com ação contra a venda do terreno, alegando que a negociação poderia trazer grandes prejuízos aos cofres públicos. Isso porque a Marinha realizou a avaliação de mercado do terreno sem que houvesse estudos urbanísticos e ambientais do local. Não existem sequer normas de gabarito fixadas pelo governo para estabelecer a destinação do terreno. Ou seja, ainda não está definido se o lote pode abrigar prédios de três ou seis andares, se terá casas, áreas comerciais ou industriais. Sem isso, é impossível definir o preço do terreno, alegou o Ministério Público.
Permuta
Em novembro de 2006, o Tribunal Regional Federal acatou os argumentos dos promotores e procuradores e o juiz João Luiz de Souza, da 15ª Seção Judiciária do DF, suspendeu o negócio até a realização de estudos do local. Mas a liminar caiu pouco depois e, em 28 de novembro de 2007, a Marinha do Brasil publicou no Diário Oficial da União um contrato de permuta com a Antares Engenharia. Os estudos urbanísticos, ambientais e as normas de gabarito ainda não estavam prontos.
Em março deste ano, o Tribunal de Contas da União determinou a suspensão do contrato. O ministro relator do processo, Marcos Bemquerer, contesta a negociação e o próprio processo de avaliação do terreno. ;Se com relação ao valor do terreno do Sudoeste o laudo de avaliação demonstrou-se incompleto, no que se refere ao valor dos imóveis em Águas Claras, tal documento mostra-se ainda mais obscuro;, diz o relator no voto.
Sobre a permuta, em que a Antares Engenharia troca os apartamentos avaliados em R$ 180 milhões pelo terreno do Sudoeste, o ministro Marcos Bemquerer diz que ;não se pode deixar de seguir o princípio da obrigatoriedade geral de licitar para franquear aos particulares a possibilidade de, em igualdade de condições, ofertarem os imóveis de que dispunham ou que pudessem vir a entregar, propiciando, dessa forma, o atendimento ao interesse público com a seleção da proposta mais vantajosa para administração;, continua o ministro.
A Marinha tem pressa para concluir o negócio e receber os apartamentos funcionais. De acordo com nota enviada pela assessoria de comunicação da corporação, ;a Marinha do Brasil vem se deparando, ao longo dos últimos 10 anos, com dificuldades para efetivar a movimentação de seu pessoal militar e a falta de moradia funcional é um dos principais problemas. Pela lei, o militar da ativa tem direito à habitação para si e seus dependentes ;, explica a nota. Segundo a Marinha, o déficit de residências em Brasília é de 500 imóveis.
O terreno vazio no Sudoeste surgiu como uma esperança de solução para o problema entre os militares. ;A Marinha dispunha de um terreno sem aplicabilidade e oneroso, devido aos recursos de toda ordem despendidos para mantê-lo cercado, limpo e livre de invasões. Com a permuta, receberia 10 lotes em Águas Claras, resolvendo assim, sem ônus para a Marinha, o grave problema habitacional do seu pessoal militar na cidade de Brasília;, diz a nota oficial enviada ao Correio.
Sobre a legalidade do negócio, a Marinha informou que ;instaurou judicioso processo administrativo, no qual a permuta foi analisada não só pelo seu viés econômico mas também no jurídico. Tudo foi aprovado pela Advocacia Consultiva da União;, diz a nota. ;A referida permuta se efetivou em contrato firmado entre o Comando do 7º Distrito Naval e a empresa Antares Engenharia. Em 6 de março de 2008, os registros de transmissão de propriedade dos imóveis permutados foram finalizados em cartórios do Distrito Federal, Por conseguinte, fica evidenciado que a permuta ocorreu na conformidade do ordenamento jurídico pertinente;, finaliza a nota da Marinha.
A Antares Engenharia, que adquiriu o lote, afirmou, por meio da assessoria de imprensa, que aguarda os estudos urbanísticos e ambientais do GDF para fazer qualquer construção no local. A empresa acredita que o TCU vai liberar o negócio, já que ele foi feito dentro de todas as normas legais. A Antares garante que nada será construído antes da conclusão da análise de viabilidade. Sobre o fato de comprar um terreno sem saber qual a destinação do imóvel, a empresa afirmou que o risco é inerente ao mercado imobiliário.