Foram cinquenta minutos entre a invasão da cela 1 do Pavilhão B e a entrada do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar. Quando tudo terminou, 11 dos quinze ocupantes da cela estavam mortos e quatro deles feridos, um dos quais com gravidade. A maior tragédia do Sistema Penitenciário do Distrito Federal começou às 7h30 da manhã de ontem. O massacre foi executado por cerca de 200 detentos, ocupantes da ala C da Colônia Penal Agrícola 5 (a CPA 5), que utilizaram armas de produção artesanal e colchões incendiados para obstruir a porta da cela e matar os internos por queimadura ou asfixia.
A morte do traficante Ananias Eliziário da Silva, apontado como braço direito do ex-deputado estadual maranhense José Gerardo, foi o estopim da tragédia. O homem seria o chefe do tráfico de drogas dentro da CPA 5 e foi morto a estocadas por detentos da ala B, na última quarta-feira. No dia seguinte, seus seguidores da ala C revidaram. A polícia ainda não sabe se por vingança, pelo controle do tráfico na CPA 5 pu se porque ele teria denunciado uma tentativa de fuga de seus algozes.
Os acontecimentos que resultaram na tragédia da CPA 5 começaram a se desenrolar às 10h de quarta-feira. Todos os detentos do pavilhão B estavam no pátio do banho de sol, quando, aproximadamente, doze deles cercaram Ananias. Armado de estoques, golpeiam várias vezes Ananias. O homem morre ali mesmo no meio do pátio.
Nos bolsos de Ananias, os agentes penitenciários encontraram uma lista com nome de vários detentos. Na frente de cada nome, um valor. Para os policiais, a relação é uma lista de cobrança, configurando tráfico de drogas.
O dia amanhece com vinte agentes penitenciários de plantão, para atender as alas B e C. Às 7h30 de ontem, eles estão envolvidos com a distribuição do café da manhã. São os únicos agentes de polícia no presídio porque a equipe da área administrativa ainda não chegou ao trabalho. Duzentos presos da asa C aproveitam esse momento para a revanche. Eles quebram, com estoques e barras de ferro, os cadeados e invadem o pátio.
Com arames, amarram a grade que separa os presidiários dos agentes penitenciários. Sessenta homens formaram um cordão humano diante desta grade. ;Não queremos nada com a Polícia. Temos contas a acertar com os assassinos do Ananias;, gritavam os presidiários, como contou o coordenador do Sistema Penitenciário, Cícero Antônio de Araújo. Os demais presos invadem o bloco B e se dirigem a primeira cela.
A polícia ainda não sabe se as 15 pessoas que ocupavam esta cela enfilleiraram seus colchões na entrada e atearam fogo para impedir a entrada dos invasores. Ou se os próprios prisioneiros do bloco C já se aproximam ateando fogo nos colchões e forçando a entrada. O fato é que minutos depois, a cela era violada e seus ocupantes ferido com golpes de estoques. Para se proteger, as vítimas correram para os fundos da cela. Ali, permaneceram amontoadas, próximo ao chuveiro, até morrerem. Quatro prisioneiros conseguiram sobreviver - alguns, milagrosamente, apenas com ferimentos leves. Tudo isso levou aproximadamente dez minutos para acontecer, como afirmou depois a direção do presídio para parlamentares que foram vistoriar o local.
Ajuda da PM
Sem poder passar, os agentes penitenciários pediram reforços a outros policiais civis (da próxima escala de trabalho e das áreas administrativas). Enquanto 40 deles tentavam romper o bloqueio dos presos da ala C, outros acionavam o alarme. Imediatamente, às 7h45, o sinal é ouvido na 3; Companhia de Polícia Militar Independente ( 3; Cpmind). A Secretaria de Segurança Pública também é avisada do que parece ser uma rebelião e, de imediato, aciona o Batalhão de Operações Especiais (Bope).
O reforço da 3; Cpmind já venceu os 2 Km que separam o quartel da entrada do Núcleo de Custódia, às 7h55. Duzentos e vinte policiais militares cercam o presídio para impedir fugas. Nada mais podem fazer por enquanto. Afinal, apenas o Bope e a Polícia Civil têm autorização para entrar no prédio. Além dos agentes, policiais da 30; Delegacia de Polícia (em São Sebastião) já tentam conter o tumulto quando cem homens do Bope invadem o NCB, às 8h20.
São estes duzentos policiais, entre civis e militares, que vão conter os presos e liberar mortos e feridos. Não usaram bombas de efeito moral e de gás lacrimogêneo, apenas cassetetes, cães e punhos (da Patamo, Companhia de Cães e Tropa de Choque) para reunir todos os rebelados no pátio do banho de sol. Às 9h20, todos os prisioneiros já tinham sido revistados e estavam de volta às suas celas. O pesadelo chegava ao fim.
;A visão lá dentro é dantesca;, afirmou o deputado distrital Floresta (PT), vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. ;Há gente queimada, corpos amontoados e incinerados. Vários feridos nem foram levados para o hospital. São atendidos lá dentro mesmo. O clima está muito tenso;, contou. A secretária Nacional de Justiça do Ministério da Justiça, Elizabeth Sussekind, reforçou esta impressão depois das 14h. ;Passada seis horas do início do conflito, a cela que foi incinerada ainda está quente como um forno;. A situação não voltaria ao normal tão cedo. Às 15, novo sinal de alerta. Cinquenta homens da 3; Cpmind saem do quartel e rumam para o Núcleo de Custódia de Brasília. Prisioneiros da CPA 3 estão brigando entre si, no pátio do banho de sol daquele setor. Em cinco minutos, este tumulto também está controlado. Mas os quatro sobreviventes da carnificina foram postos na chama Cela do Seguro porque ainda correm risco de vida.