Perto das 9h, o coronel Mário Moura, chefe do Comando de Policiamento da Polícia Militar, recebeu um telefonema em sua sala no anexo do Comando Geral da corporação, no Setor Policial Sul. D o outro lado da linha, o tenente coronel Paulo César Timótheo, comandante do 4; Batalhão da PM, parecia preocupado. ;;Precisamos de reforços;;, disse Timótheo, conhecido entre os policiais como ;;coronel Timulta;; por sua atuação na repressão de pequenos delitos de trânsito quando comandava a companhia da PM de Planaltina.
Na manhã de ontem, Timótheo tinha razão para parecer preocupado. É ele o responsável pelo policiamento na região onde fica localizada a Novacap. D esde 8h, servidores do órgão bloquearam o portão principal do complexo. Quinze policiais do 4; BPM foram mandados ao local, mas nada puderam fazer para desobstruir a entrada.
O pedido de reforços de Timótheo foi atendido. À s 9h40, chegaram três camburões do Batalhão de Operações Especiais (BOPE), comandados por um tenente. Duas horas depois, mais seis carros, sob o comando do capitão Seabra, subordinado diretamente ao coronel Mário Vieira, comandante do batalhão que já foi chamado de Patamo ou Tropa de Choque.
A essa altura, cem policiais (do BOPE e do 4; BPM) estavam no local. Os homens sob o comando do capitão Seabra se mantinham à distância, aguardando a ordem para intervir caso os esforços dos colegas para contornar a situação não fossem bem sucedidos. E a primeira tentativa foi só uma prévia do que estava por vir.
Por volta das 11h, policiais do 4; Batalhão tentaram abrir o portão ; trancado desde as 7h pelos manifestantes ; e houve empurra-empurra. Os funcionários da Novacap reagiram com xingamentos e alguns aproveitaram a confusão para jogar pedras nos soldados. A primeira versão oficial da PM foi a de que um policial teve quatro dedos da mão quebrados por uma pedrada ; ferimento que, descobriu-se depois, não foi tão grave assim.
Ultimato
A polícia revidou com golpes de cassetete, pontapés e socos. Após dez minutos de violência, os feridos de ambos os lados foram recolhidos. Um sindicalista apresentava um corte grande na cabeça. Após ser socorrido, foi prestar depoimento à polícia.
Por volta de 12h, representantes dos funcionários negociavam uma saída com diretores da empresa. O diretor administrativo da Novacap, Clarindo Rocha, falava ao telefone com o secretário de Segurança, na presença do vice-presidente do Sindser, Cícero Rola. Rocha passou o telefone para Cícero, que ouviu um ultimato de Paulo Castelo Branco. ;;Vocês têm até 12h20 para desobstruir o portão;;, disse.
Cícero argumentou que não poderia tomar a decisão sozinho. ;;Tenho que submeter isso à assembléia;;, disse. ;;Você é quem sabe. Nós temos um programa chamado Segurança sem Tolerância e vocês estão desrespeitando a lei;;, foi a resposta do secretário.
Depois de falar com o sindicalista, Castelo Branco se dirigiu à Novacap. Enquanto isso, a proposta ; e a ameaça do secretário ; era submetida à assembléia. Os sindicalistas comemoraram uma decisão intermediária, que não era a liberação do portão mas também não era uma solução pela qual eles poderiam ser acusados de radicalismo: resistir a uma eventual violência policial sentados passivamente em frente à entrada principal do órgão.
Até então, o governador Joaquim Roriz se mantinha informado do que ocorria em conversas telefônicas com o secretário de Segurança. Castelo Branco informou o governador quais eram as opções possíveis. Depois do primeiro confronto, às 11h, e depois da negativa dos manifestantes em liberarem a entrada do prédio, só restava uma: desobstruir o portão a força.
;Muito bem, vamos tomar as providências;, disse Roriz ao secretário, depois de ouvir a conclusão do grupo que assessorava Castelo Branco. A decisão de desobstruir o portão foi o consenso a que chegou este grupo, formado pelo tenente-coronel Timótheo, pelo tenente-coronel Mário Vieira (comandante do Batalhão de Operações Especiais) e pelo coronel reformado da PM jair Tedeschi, atualmente na chefia da Coordenação de Planejamento de Operações da Secretaria.
Violência
Exatamente às 12h20, o capitão Seabra se dirigiu a Timótheo e comunicou a ele que a partir daquele momento a operação ficaria a cargo do Batalhão de Operações Especiais. Ou seja, o portão seria liberado a força. Depois de falar com Timótheo, Seabra voltou para sua tropa e fez um gesto que era a senha para a invasão. Ele apontou o dedo indicador para cima e fez um movimento circular que era a ordem para atacar. Foi o que aconteceu.
Castelo Branco passou a tarde justificando a ação policial. ;;Em um democracia, a força policial deve atender a vontade da maioria. E dentro de um processo democrático, não se pode admitir que manifestantes prejudiquem o funcionamento de uma empresa pública. S e a vontade da maioria não é respeitada, não há outra alternativa a não ser usar a força policial como último recurso;;, justificou Castelo Branco.
A operação policial foi acompanhada pelo secretário de Obras, Tadeu Filipelli, que apoiou seu colega. ;;Não se pode admitir baderna;;, afirmou. Diante dos indícios de que houve excesso de força durante a desocupação (como a exibição de balas de revólveres e de pistolas), o secretário Castelo Branco foi lacônico. D isse que eventuais abusos seriam investigado pelos inquéritos civil e militar. ;;Se houve abusos, serão investigados e punidos;;, afirmou.
Castelo Branco, um advogado tributarista, tem surpreendido quem o conhece desde que assumiu a Secretaria, no começo do ano. Como secretário, sua primeira providência foi proibir manifestações públicas em frente ao Palácio do Buriti. Teve de voltar atrás depois da repercussão negativa.
Por volta das 21h, depois de se reunir com o governador Joaquim Roriz , Castelo Branco desceu para a sala de entrevistas da Secretaria de Imprensa, no Palácio do Buriti, onde distribuiu uma nota oficial e deu uma entrevista coletiva. O secretário classificou a ação da Polícia Militar como ;;forte, mas bem-sucedida;;. A morte de José Ferreira da Silva foi considerada uma ;;conseqü ência lamentável;; do episódio. Na nota oficial, de responsabilidade do Governo do Distrito Federal e da Secretaria de Segurança Pública, a operação da PM é assim justificada: ;;A intervenção da Polícia Militar do Distrito Federal ocorreu em plena obediência e respeito à lei e aos preceitos democráticos, agindo com a serenidade e eficiência que têm caracterizado sua atuação;;.
Entrevista Paulo Castelo Branco
Mirian Guaraciaba
Correio Braziliense - Quem são os responsáveis?
Paulo Castelo Branco - Todos nós. Minha, como secretário; de Tadeu Fillipelli, secretário de Obras, que estava no local; do coronel Jair Tedeschi, coordenador de Planejamento de Operações; do governador Joaquim Roriz, que nos nomeou; e do vice-presidente do Sindser, Cícero Rolha.
Correio - Quem chamou o Batalhão de Choque?
Castelo Branco - Foi a Novacap. O 4; Batalhão estava lá com cerca de 50 homens e a empresa não achou suficiente porque os empregados se recusavam a abrir os portões.
Correio - Quem deu a ordem para reprimir os grevistas?
Castelo Branco - A ordem era a de abrir os portões, que estavam trancados desde a madrugada, com correntes e cadeados. Eu dei a ordem para liberar o prédio, mas a ação da polícia é técnica. Quem decide como fazer é a polícia.
Correio - O senhor, como secretário, não é o chefe da polícia?
Castelo Branco - Apenas na ação política. Nas operações, os chefes são os comandantes.
Correio - O senhor não foi consultado sobre a operação?
Castelo Branco - Eu dei a ordem para abrir os portões.
Correio - E o governador foi consultado?
Castelo Branco - O governador foi informado o tempo todo sobre os acontecimentos.
Correio - Se havia essa disposição, por que a polícia agiu com tanta violência?
Castelo Branco - Fui informado que o funcionário que estava com a chave do cadeado não quis abri-lo. O comandante do Choque disse então que ia abrir a força. Avisei o governador, o Rolla, e o Fillipelli.
O papel de cada um
Joaquim Roriz, Governador
Castelo Branco afirma que ele acompanhou todos os passos da operação. Soube da morte de José Ferreira da Silva minutos depois. Em seguida, foi a uma solenidade no Palácio do Planalto.
Tadeu Fillipelli, secretário de Obras
Acompanhou no local a operação. Foi quem acionou Castelo Branco para que chamasse a PM.
Paulo Castelo, secretário de segurança
Comandou pessoalmente a operação.
Paulo César Thimotheo, Tenente-coronel
Comandante do 4; Batalhão da PM, é o responsável pela área onde fica a Novacap.
Tenente-coronel Mário Moura, chefe do Comando de Policiamento da Polícia Militar
Assumiu o comando da operação quando ficou decidido que a saída era usar a força.