Cidades

Massacre da Novacap: os matadores

Servidores da Novacap receberam o mesmo tratamento que é usado para acabar com rebeliões em penitenciária

Cristina Ávila, Ana Helena Paixão, Luís Osvaldo Grossmann
postado em 01/01/1980 00:00

Massacre da Novacap em 2 de dezembro de 1999Esta matéria foi publicada originalmente na edição de 3 de dezembro de 1999 do Correio. Sua republicação faz parte do projeto Brasília Sexagenária, que até 21 de abril de 2020 trará, diariamente, reportagens e fotos marcantes da história da capital. Acompanhe a série no site especial e no nosso Instagram.

A ação da Polícia Militar do Distrito Federal lembrou os anos da ditadura. Tiros de balas de borracha e homens armados, usando cachorros, eram recursos da repressão. Operações como a de ontem, empregada para acabar com a greve dos servidores da Novacap, só são recomendadas em situações extremas, como rebeliões em presídios.

Especialista em operações desse tipo, o major Leandro Ribeiro Fonseca, diretor do Departamento de Inteligência da Secretaria de Justiça e Segurança do Rio Grande do Sul, diz que nas manifestações de trabalhadores, as tropas de choque devem usar a disciplina e a coesão como demonstração de força para controle da situação.

;;A polícia tem de respeitar as manifestações populares;;, ressalta o major. ;;Os planejadores de operações militares começaram a ler a Constituição, que garante o direito de manifestação. A democracia tem de acontecer.;; Não foi o que ocorreu ontem no Distrito Federal.

Eram por volta das 7h de ontem, quando 50 homens da 4 ;Companhia de Polícia Militar Independente (Cpmind), do Guará , chegaram à Novacap. A trá s dos policiais militares, dez cães e em torno de sessenta homens do Batalhão de Operações Especiais (Bope) ; unidade repressora da polícia, acionada somente pelo comandante-geral da PM, e formada pela Patamo (Patrulha Tático-Móvel), C ompanhia de Choque, Companhia de Operações Especiais e Companhia de Policiamento de Cães.

O Bope só é acionado em caso de grandes manifestações em que haja ameaça de distúrbios da ordem pública, assaltos a bancos e repressão a seqüestros. Por volta das 13h, sem acordo com os manifestantes, veio a ordem: o Bope deveria agir. ;;É a força de elite da Polícia Militar. Uma unidade altamente repressora que, quando chega, é para resolver;;, diz o tenente Eduardo Condi, assessor de imprensa da corporação.

O equipamento usado pelo Bope é pesado. Há armas químicas ; o mais comum é o gás lacrimogêneo ; e equipamentos de grosso calibre. São granadas de efeito moral, munições de borracha, revólveres calibre 38, pistolas calibres 40 , 12 e 38.1 (para lançar bombas de gás), metralhadoras e fuzis 762.

Para a manifestação da Novacap, os policiais levaram capacetes com visores, cassetetes e espingardas calibre 12 , munidas de balas de borracha. Foi com esse arsenal que sessenta homens e dez cães se lançaram contra os quase 5 0 0 funcionários públicos da Novacap ; alguns armados de pedaços de paus e pedras.

Espancamento

O comandante do Bope, tenente-coronel Mário Vieira, não quis comentar a ação, que resultou na morte de um funcionário. Trinta e seis pessoas ficaram feridas . Preferiu deixar as explicações para o secretário de Segurança, Paulo Castelo Branco. Já o comandante do 4 ; Cpmind, tenente-coronel Paulo César Thimóteo, afirma que a bomba de gás lacrimogêneo foi o último recurso usado para debelar o movimento. ;;Estive com os manifestantes desde a manhã e durante a confusão. Não v i ninguém atirando;;, declarou.

No Rio Grande do Sul, os soldados do Batalhão de Operações Especiais do Rio Grande do Sul não usam armas ; nem mesmo com balas de borracha ; contra trabalhadores em greve. Até os escudos são deixados nos carros. A estratégia é baseada fundamentalmente na calma do oficial que comanda a tropa e na sua experiência em operações anteriores para planejar com rapidez ações inesperadas. ;;Não podemos nos assustar com o acúmulo de pessoas na rua;;, explica o major, que comandou operações da tropa de choque da Brigada Militar gaúcha antes de assumir o cargo no Executivo.

;;Tiros de balas de borracha eram usados nas repressões violentas, durante a ditadura. Hoje não usamos mais nada;;, afirma o major Fonseca. Em situações extremas, segundo ele, a única reação aceitável é o gás lacrimogêneo do tipo menos agressivo, o de cloroacetofenona. ;;Temos tido manifestações, mas nunca houve situação que chegasse perto de confronto;;, relata.

Durante este ano, no interior do estado houve alguns casos em que foi requisitada a tropa de choque, como uma ocupação de fazenda por sem-terra, em que houve ameaça de confronto com a União Democrática Ruralista (U D R , que reúne proprietários de terra). ;;A tropa de choque agiu para a proteção dos dois lados. N ão foram necessários equipamentos de repressão. E o impasse terminou em acordo;;, conta o diretor de Inteligência.

Ele explica que os chamados baletões, constituídos de um cartucho com três esferas de borracha, são utilizados apenas em rebeliões em presídios. E adverte: ;;Os tiros de borracha a curta distância ; um ou dois metros ; podem matar ou causar lesões muito graves. É preciso muito cuidado, e somente atirar nas pernas.;; Os festins, cartuchos com minúsculas esferas de plástico também foram abolidas pelos policiais nas ruas ; só são empregadas em rebeliões em penitenciárias.

No Rio Grande do Sul, em casos de manifestações de trabalhadores as tropas de choque ficam no quartel. Se forem chamadas, o oficial vai na frente. Identifica os líderes e se aproxima para negociar. Tudo é planejado com antecedência. O local é totalmente analisado. Eles verificam se há desde paralelepípedos soltos ou alternativas para que a população possa se dispersar sem riscos de ficar encurralada. Somente 1 0 % de uma tropa de elite usa armas de fogo, mas fica distante do resto do batalhão.

O secretário substituto da Secretaria de Justiça e Segurança, Lauro Magnago, diz que a Brigada Militar e a Polícia Civil tem orientações essenciais para controle social. ;;A primeira é que as manifestações públicas não são casos de polícia.;;

Massacre da Novacap

O palco da tragédia

7h - O portão da Novacap é trancado pelos manifestantes como forma de protesto

11h - Já havia ocorrido uma troca de empurrões e socos entre funcionários e os 50 policiais do 4; BPM

12h- O secretário de Segurança Pública, Paulo Castelo Branco, exige que os manifestantes liberam o portão

12h40 - Os 50 policiais do Bope entram em ação com bombas de gás lacrimogêneo e disparos de balas de borracha

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