O pré-carnaval chegou e, com ele, os casos de assédio, que se repetem a cada ano. Em 2018, a expectativa é de um movimento maior nas ruas. Somente em São Paulo, cerca de 4 milhões de foliões participaram das festividades durante o último fim de semana, um recorde. Com um público maior do que o esperado, a preocupação é garantir a segurança de todos, principalmente das principais vítimas: as mulheres. De campanhas governamentais a iniciativas populares, os blocos têm apostado na conscientização para um carnaval seguro e acessível, mas os relatos de assédio deram as caras antes do início oficial da festa.
;Qualquer tipo de aproximação tem caráter de assédio se não respeita o espaço do outro. É uma coerção, uma atitude desrespeitosa de leitura daquela moça, de apropriação do seu corpo, pelo simples fato de ela estar ali;, afirma Tânia Mara Campos de Almeida, do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB). Uma das iniciativas populares para enfrentar o problema é a campanha ;Aconteceu no Carnaval;, criada em 2017 pela rede Mete a Colher. A rede criou um canal para que as mulheres, usando o site ou redes sociais, denunciem situações de assédio no carnaval. Além disso, uma campanha que começou no Rio de Janeiro e tem se espalhado por todo o Brasil distribui tatuagens temporárias com a frase: ;Não é não!”.
;A importância do projeto é coletar os relatos das mulheres para que possamos exigir políticas públicas voltadas a combater a violência contra a mulher;, afirma Renata Albertim, da rede Mete a Colher. Ela reforça, no entanto, a importância de fazer denúncia à polícia. ;Ao relatar o assédio no nosso site ou no whatsapp, a mulher não estará fazendo uma denúncia formal. É necessário entrar em contato com o telefone 180, Central de Atendimento à Mulher, e registrar a ocorrência;.
;É importante conscientizar não só as vítimas, mas também os homens que têm atitudes desse tipo como se fosse algo natural. A campanha mostra que o assédio é um fato social grave, um crime, e não se pode ficar omisso. Todas as testemunhas estão convocadas a intervir;, avalia Tânia.
Com o tema ;Carnaval é curtição, respeite o meu não;, o governo do Rio de Janeiro anunciou uma campanha envolvendo várias secretarias. ;A luta contra o assédio é de toda a sociedade. É fundamental que as pessoas denunciem caso presenciem qualquer tipo de assédio. Sempre devemos acionar a polícia e nos colocarmos ao lado da vítima. Isso é fundamental não apenas para dar suporte naquele momento, mas também para inibir o abusador. A vítima nunca deve ser responsabilizada pelo abuso;, diz o secretário de Direitos Humanos, Átila Alexandre Nunes.
Casos aumentam
No ano passado, durante os quatro dias de carnaval, as denúncias de assédio sexual subiram 90% em todo o Brasil, de acordo com a Secretaria de Políticas para as Mulheres. Só no Distrito Federal foram registradas mais de 2 mil ocorrências, número similar ao do Rio de Janeiro, um dos maiores carnavais do país. Este ano, um coletivo de artistas e produtores envolvidos com os blocos de rua criou a campanha #FoliaComRespeito.
Apesar da mobilização, os primeiros casos já começaram. A estudante Ana Beatriz Figueiredo de Almeida, de 20 anos, moradora do Núcleo Bandeirante, relata o que viu no fim de semana no Setor Comercial Sul. ;Chovia muito e a estrutura era ruim, não tinha abrigo. Todo mundo ficou espremido embaixo dos blocos e tinha um cara apertando minha bunda. Fizeram isso com várias meninas, fingindo que não eram eles. Também presenciei várias tentativas de beijar à força;, conta.
Segundo Ana Beatriz, havia poucos agentes da PM fazendo o policiamento, nenhum do sexo feminino. ;Havia homens violentos, que empurravam e agrediam meninas. Ouvi vários comentários sexuais, até relacionados a estupro. Você está ali para se divertir e não merece ouvir esse tipo de coisa. O pior é que a gente não tem a quem recorrer na hora;, reclama. Para Tânia, da UnB, falta capacitação de agentes do Estado para compreender o fenômeno e encaminhar denúncias. ;É preciso fazer patrulhamento ostensivo, entender que não é um conflito entre duas pessoas. Trata-se de desigualdade e opressão. O poder público tem que interferir para garantir o acesso livre das mulheres à diversão do carnaval;, afirma.
* Estagiária sob supervisão de Odail Figueiredo.