Música, pintura, poesia, cinema. Os Concerto Cabeças eram um caldeirão cultural. Em 1979, o líder do evento, Neio Lúcio Ribeiro, abriu as portas de sua galeria, na 311 Sul, para o primeiro show. Por meio dos encontros, em plena ditadura ; as apresentações ocorreram do fim dos anos 1970 até o fim dos anos 1980, sempre nos últimos domingos de cada mês ;, brasilienses retomaram o sonho dos criadores da cidade, usando plenamente ;o grande quintal coletivo; da capital. A palavra de ordem era ;ocupar;.
Pelos palcos dos Concerto Cabeças passaram Cássia Eller, Oswaldo Montenegro, Zélia Duncan, Renato Vasconcellos, Jaime Ernest Dias, Beth Ernest Dias, Renato Mattos, Mel da Terra e outros nomes. O clima era de paz e solidariedade nas reuniões em frente à Galeria Cabeças, loja-ateliê voltada para dentro da quadra, conforme idealizado por Lucio Costa para todas as comerciais do Plano Piloto. Com isso, os shows tinham um grande gramado à disposição do público, que lotava o espaço para dançar, cantar, brincar, se socializar. Mas os Concerto Cabeças logo extrapolaram o Plano Piloto, rodando por diversas cidades-satélites. No entanto, em 1980 aconteceu sua maior mudança, com a transferência para o Parque da Cidade, sendo realizado na já extinta Rampa Acústica. Foi lá que Cássia Eller subiu pela primeira vez aos palcos do Cabeças e ficou conhecida por toda a cidade.
O Concerto reuniu uma incipiente cena musical que estava restrita aos colégios da cidade. Na 311 Sul, artistas de diversas áreas ; como Nicolas Behr, Wagner Hermusche, Aluízio Batata e Ary Para-Raios ; encontraram uma cena em que conheceram outras cabeças com ideias diferentes, mas com a mesma vontade de experimentar.
Reggae candango
Baiano que adotou Brasília como musa inspiradora, Renato Matos fez a primeira apresentação musical do Concerto Cabeças. Artista múltiplo, ele é considerado o pai do reggae da capital e criou músicas marcantes como Um telefone é muito pouco. Matos lembra com orgulho suas participações. ;Estive em todas;, garante. Suas parcerias com Cássia Eller aconteceram graças ao Concerto.
Apesar de ser um espaço de contestação, o Cabeças não se tornou um movimento político. A imagem de alguém subindo no palco e empunhando um megafone para afrontar o sistema era desestimulada. ;Nós nos posicionávamos pelo lúdico;, defende Neio. Os debates e a ação política eram vividos e pensados pelos participantes e pelo público, sem lideranças. Oswaldo Montenegro lembra o clima de euforia. ;Tínhamos sonhos comuns e o nosso problema, com a falta de liberdade, fazia com que fosse um orgasmo qualquer manifestação coletiva e parecesse política qualquer manifestação.;
Estrelas pops
Nos Concerto Cabeças surgiu uma das bandas mais marcantes de Brasília, o Mel da Terra. Os fundadores, Paulo Mattos (flautista) e Sérgio Pinheiro (vocalista), conheceram-se na Galeria Cabeças e começaram a tocar ali mesmo. Maciel ia de ;camelo; ao Concerto Cabeças, antes de se juntar ao grupo. ;Aquela efervescência cultural e nossa juventude encontrou um lugar;, destaca.
Em pouco tempo, o Mel da Terra estava em todo lugar. Em uma das apresentações no salão de festas da Aruc, o grupo tocou com o Aborto Elétrico, a primeira banda de Renato Russo. O Mel da Terra foi o abre-alas para o rock da cidade. A primeira banda a ter público, a cobrar cachês e ter patrocinadores. Em 1983, lançou seu primeiro disco, Mel da Terra, que vendeu 25 mil copias só em Brasília. O hit do LP foi Estrela Cadente.
Em 2010, mais de mil pessoas reuniram-se no Parque para relembrar a gênese da música brasiliense. Agora, Neio Lúcio quer criar o Museu Brasília Cultural dos Anos 1970 e 1980, com material da época reunido no site www.cabecas.org. O Coletivo Palavra organizará, em junho de 2013 o seu festival multimídia Pala Coletiva em tributo ao movimento dos anos 1980, com o tema ;Sobre as cabeças;. Eles pretendem ocupar as quadras 205 e 206 Sul, com diversas manifestações culturais.