"A remoção dos invasores das terras indígenas é medida imperativa, imprescindível e é dever da União”
Luís Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
Luís Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou ontem que “a remoção dos invasores das terras indígenas é medida imperativa, imprescindível e é dever da União”. O magistrado, que alertou para o “risco de extinção de etnias” pela proliferação da covid-19, deu a declaração na sessão plenária virtual que começou a analisar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709, da qual é relator. A ação pretende obrigar o governo federal a adotar medidas para frear o avanço da pandemia do novo coronavírus nas comunidades indígenas. Após a apresentação do voto de Barroso, o julgamento da ação foi suspenso e deve ser retomado na sessão plenária de amanhã.
“É inaceitável a inação do governo federal, não de um [governo] específico, de qualquer um e talvez de todos até aqui em alguma medida. É inaceitável a inação em relação a invasões em terras indígenas. Inclusive, porque estas invasões vêm associadas à prática de diferentes crimes ambientais, não apenas um oferecimento de grave risco para os indígenas, não apenas a invasão de áreas demarcadas que lhe são asseguradas constitucionalmente”, disse o ministro, ao apresentar o seu voto. Ele citou delitos como desmatamento, queimadas, extração ilegal de madeira e degradação da floresta.
“Não é pequena a consequência da degradação e do desmatamento. O mundo não está nos olhando horrorizado por acaso. É porque há consequências para o ciclo da água, há consequências para a biodiversidade, para a mudança climática. E eu espero que, com grande atraso, mas não tarde demais, o Brasil tenha, pela sua sociedade e pelo seu governo, acordado para a importância do papel que nós representamos para o mundo e o dever que temos de criar uma economia sustentável, sobretudo, para a Amazônia, para que a preservação da floresta de pé valha mais do que a ambição de derrubá-la”, acrescentou Barroso.
A ADPF foi ajuizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e por seis partidos políticos (PSB, PSOL, PCdoB, Rede, PT e PDT). A sessão de ontem começou a analisar a liminar concedida por Barroso em 8 de julho. Nela, o magistrado determinou ao governo federal a adoção de diversas medidas para combater o avanço da covid-19 sobre os povos indígenas e suas aldeias.
Entre elas estão a instalação de Sala de Situação com participação de índios, Ministério Público e Defensoria; a criação de barreiras sanitárias e a elaboração de plano para enfrentamento e monitoramento da doença. Barroso também indicou um representante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e um observador de seu gabinete para acompanhar as reuniões sobre o novo coronavírus nas comunidades indígenas.
Plano de retirada
Quanto à questão da invasão de terras indígenas, a ação pede a retirada imediata dos invasores por forças de segurança. Além da prática de crimes, os autores alegam que essa situação amplia o risco de contágio entre esses povos. Barroso, no entanto, deferiu parcialmente o pedido e decidiu cobrar do governo federal um plano de retirada dos invasores. Segundo ele, há considerável perigo na determinação imediata da retirada, já que ela implicaria no ingresso de forças militares e policiais em terra indígena, com risco de conflito armado, durante a pandemia, o que poderia agravar a ameaça já existente.
“Com todo o respeito e consideração aos argumentos poderosos que foram invocados aqui, ninguém deve imaginar que se retiram só de uma das sete comunidades indígenas 20 mil pessoas com um estalar dos dedos ou uma canetada. É preciso planejamento, até porque ninguém deseja uma guerra armada dentro da comunidade indígena; é preciso um plano”, disse o ministro do STF, que também criticou o presidente Jair Bolsonaro em relação à política de demarcação de terras indígenas.
“Considero imprescindível essa observação: o governo, por decisão política do presidente, e, a meu ver, uma decisão contestável em face da Constituição, tem afirmado que não homologará sequer mais um centímetro de terra indígena, o que não é, com todas as vênias, uma questão de política discricionária, é uma questão de cumprimento da Constituição. Onde estejam preenchidos os requisitos constitucionais, esse é um ato vinculado”, disse o ministro, ao criticar o fato de o atendimento prestado pela Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, e pela Funai se restrinja aos índios aldeados em terras demarcadas e homologadas.
Em sua decisão liminar, o ministro do STF determinou que esse atendimento seja prestado a todos os indígenas aldeados, independentemente de homologação e demarcação de suas terras. Barroso ordenou também que os indígenas que vivem em áreas urbanas sejam atendidos pela Sesai e pela Funai quando não tiverem acesso aos serviços do SUS.
O ministro destacou que aguarda que o governo federal conclua um plano de atenção à saúde da população indígena na pandemia. Ele observou que recebeu do Executivo, há poucos dias, apenas um plano relacionado aos índios isolados e de contato recente.